As Vestimentas dos Faraós
A egiptóloga nos ensina ainda que o faraó traz um peitoral de ouro e de faiança azul, ou de electro com turquesas, cornalinas, escaravelhos de ametista ou falcões engastados, a emoldurar o olho de Hórus... Um peitoral tão pesado que precisa de um contrapeso nas costas! Nos braços, nos pulsos e nos tornozelos brilham por vezes outras jóias: braceletes de ouro, de ágata, de lápis-lazúli, de jade, de cornalina, de malaquite verde; anéis, um dos quais, em forma de escaravelho, serve de selo oficial em todos os atos do Estado.
Os símbolos dos deuses eram os instrumentos de trabalho dos faraós. O cetro em forma de gancho, para resgatar os inocentes; o chicote, para punir os culpados; a coroa dupla, mostrando sua autoridade para governar as Duas Terras e a cobra uraeus ou Olho de Rá na testa, vendo tudo o que ele fazia, para o bem ou para o mal.
Desde o início do período dinástico que os faraós se apresentam com alguns dos símbolos de realeza que mais tarde se tornariam indefectíveis. Eram objetos a distinguir o rei de todos os demais seres e a sinalizar sua autoridade, tanto secular quanto religiosa. Um dos mais antigos símbolos de autoridade é o cajado. O hieróglifo, que significa nobre ou oficial, é formado por um homem que carrega um cajado à sua frente.
No período pré-dinástico um dos sinais do poder real era a calda de touro, a qual podemos ver sendo usada pelo rei Escorpião na cabeça de clava na qual ele está representado e pelo rei Narmer (c. 3000 a.C.) em sua famosa paleta. Portanto esse símbolo, representando o fato de que o rei está imbuído dos poderes da natureza, também é bem antigo. Ele reflete uma época longínqua impregnada de concepções mágicas, segundo as quais o rei deveria adquirir, através da captura e domínio de atributos característicos do mundo animal, as qualidades e atitudes análogas àquelas do animal que lhe servia de modelo. Posteriormente essa roupagem desapareceu, mas o faraó reteve o conceito do vigor e da força taurina e anexou ao seu nome títulos tais como Touro Poderoso ou Touro Vigoroso.
Outro cetro de origem bem antiga é o was, símbolo de domínio mais na esfera divina do que na terrena. Seu nome significa estabilidade, que é o que os egípcios esperavam dos faraós. Consistia de uma fina lança com um dos extremos terminado em dois dentes de garfo e o outro na forma de uma cabeça de cão. Sua origem parece datar da época pré-dinástica. Sua representação mais antiga está em um pente de marfim do faraó Djer, da I dinastia (c. 2920 a 2770 a.C.), no qual aparecem dois destes cetros suportando a abóbada celeste, simbolizada pelas asas abertas do falcão celestial. Como símbolo de poder, o was era empunhado tanto pelos faraós quanto pelas divindades. Aqui ele aparece nas mãos do deus Atum.
O cetro conhecido como heqa é um pequeno bastão com uma das extremidades formando um gancho e que os pastores usavam para recapturar as ovelhas fugitivas, prendendo-as pelas patas. Às vezes é folheado a ouro e reforçado por tiras de cobre azul e pode ser visto frequentemente empunhado pelos reis egípcios. Ele simboliza o próprio conceito de lei e de ordem e a mais antiga representação de um rei carregando esse cetro é uma estatueta de Ninetjer, faraó da II dinastia (c. 2770 a 2649 a.C.). Posteriormente os reis passaram a empunhar esse cetro cruzado sobre o peito juntamente com o chicote. O que vemos ao lado provém da tumba de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.).
O chicote, na verdade um mangual de malhar grãos, ilustrava o poder do faraó sobre toda a produção do reino. Essa peça tornou-se bastante conhecida por sua presença no sarcófago de Tutankhamon, no qual aparece associada ao cetro heqa. Tal associação, entretanto, não ocorria nos primeiros tempos, quando o chicote surgia sozinho em representações de cerimônias reais. A peça que vemos ao lado, confeccionada em ouro e pedras semi-preciosas, também foi encontrada no túmulo de Tutankhamon.
A cobra naja de peito estufado que o rei trazia representada na fronte, sobre a coroa, simbolizava o Olho de Rá e visava aterrorizar os inimigos, ao mesmo tempo em que protegia o rei, expelindo fogo. A ela é dedicado um culto diário para suavizar o seu humor. Conhecido como uraeus, esse símbolo permaneceu como marca dos faraós durante todo o período dinástico e data provavelmente do longo reinado do rei Den, da I dinastia. A belíssima cobra que vemos ao lado era, provavelmente, elemento de uma coroa de Sesóstris II (1897 a 1878 a.C.). Feita com ouro maciço, tem a cabeça de lápis-lazúli, o olho de granada e mede apenas 6,7 centímetros de altura.
Uma barba de cerimônia trançada e postiça é outro dos atributos do rei e até a rainha Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.) se fez representar com ela. É de se notar que o faraó não só é geralmente imberbe, como também manda raspar o crânio no dia da sagração. Aqui a barba aparece representada no rosto de um dos Ptolomeus, num busto feito de bronze.
Símbolo máximo de poder e glória, as coroas faraônicas foram várias ao longo da história dinástica do Egito. Como todas as demais insígnias do poder, elas também foram outorgadas pelas divindades. Carregadas de simbologia, como a serpente uraeus posta sobre a fronte do soberano, por exemplo, podiam ser objetos de veneração em si mesmas, por meio de cânticos, como se fossem seres autônomos. Das mais antigas são as duas coroas do país: a Coroa Branca (hedjet), que correspondia ao Alto Egito, e a Coroa Vermelha (decheret), correspondente ao Baixo Egito. A primeira era um ornamento alto, confeccionado com linho ou feltro, terminando em forma arredondada, como esta que aparece na cabeça de uma estátua em madeira de Sesóstris I (1971 a 1926 a.C.).
A outra era um barrete achatado, prolongando-se na parte posterior por um apêndice alto e com uma tira metálica enrolada na ponta e voltada para a parte frontal da coroa. Ambas já aparecem sendo usadas por Narmer (c. 3000 a.C.) na sua paleta. Por sua vez, a vermelha já surge numa representação em relevo em um caco de vaso do período pré-dinástico. Tal fragmento foi encontrado na região do Alto Egito, de onde parece que a coroa se originou, embora tenha se tornado posteriormente símbolo do Baixo Egito. Ao lado, coroa de uma das estátuas de madeira do faraó Tutankhamon.
Embutidas uma na outra, a coroa branca e a vermelha se transformaram em uma só, a Coroa Dupla (pschent), depois que as Duas Terras foram unificadas. Essa coroa passou a simbolizar o poderio do rei sobre o Alto e o Baixo Egito e o fato dele governar as duas regiões como se fosse uma só. Um dos primeiros exemplos do uso da Coroa Dupla pode ser visto em um relevo do rei Snefru (c. 2575 a 2551 a.C.), da IV dinastia. Nem sempre os faraós se faziam representar com essa coroa. Frequentemente eram retratados usando apenas a Coroa Branca. Esse foi o caso do próprio Snefru nos seus primeiros anos de reinado e do faraó Miquerinos (c. 2490 a 2472 a.C.) nas tríades nas quais ele aparece ladeado por duas divindades. O relevo que reproduzimos acima, do templo de Edfu, exibe as três coroas: a branca e a vermelha na cabeça de duas divindades e a dupla usada por Ptolomeu VI (180 a 145 a.C.).
A Coroa Ritual (atef) era usada em certos ritos religiosos e consistia basicamente na Coroa Branca adornada por duas plumas de avestruz, uma de cada lado, talos vegetais, chifres de carneiro, a serpente uraeus e um pequeno disco no topo. Ao lado vemos esse tipo de adorno sobre a cabeça de uma das mulheres que se tornou faraó, Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.).
Durante as batalhas ou por ocasião de cerimônias militares, o rei usava uma Coroa Azul de Guerra (kheprech), que surgiu no fim do Segundo Período Intermediário. Ela ficou assim conhecida principalmente porque Ramsés II (c.1290 a 1224), em seus relevos de cenas de batalhas, sempre se fez retratar com ela na cabeça. Era um barrete com aparência de capacete e saliências nas laterais, confeccionado de tecido adornado com discos dourados. Aqui ela aparece na cabeça de um dos Ptolomeus num busto feito de bronze.
Além das coroas, um adorno de cabeça que cai em duas tiras sobre os ombros e tem a parte pendente sobre a nuca amarrada em trança, denominado nemes, também se tornou bastante conhecido, sobretudo porque é usado pela esfinge de Gizé e, ainda, porque aparece na famosa máscara de Tutankhamon, como vemos na ilustração acima. Tratava-se de um elemento fundamental da veste faraônica, tendo entrado em voga a partir da III dinastia (c. 2649 a 2575 a.C.). Sua representação mais antiga está na cabeça da estátua do faraó Djoser (c. 2630 a 2611 a.C.) sentado, encontrada no complexo da Pirâmide de Degraus.
Convém salientar que todos os componentes da vestimenta faraônica que descrevemos acima têm em comum uma função mágica. São todos acessórios que não só exprimem o poderio e a dignidade real, mas também — e acima de tudo —, conferem ao seu portador uma força e uma proteção específicas. Como filho do deus-Sol, o faraó deveria literalmente deslumbrar seus súditos em suas brilhantes roupagens, enquanto a superabundância de ouro e a decoração com contas nas vestes, por sua vez, produziam um tinido delicado na medida em que ele se movimentava.
Cercado por nuvens de incenso perfumado, ele também deveria emitir odores arrebatadores, tendo o corpo mergulhado em doces óleos, os olhos circundados por uma grossa pintura em preto e uma elegante peruca posta por cima da cabeça raspada. Um conjunto de colares dourados, brincos, pulseiras e uma das muitas coroas reais, completavam sua imponente aparência. O faraó precisava ser uma figura que impusesse respeito e temor, um verdadeiro deus vivo. Muitas das vestes eram inacreditavelmente pesadas e incômodas de serem usadas, especialmente durante longas cerimônias estatais no opressivo calor egípcio. Como diríamos hoje em dia: ossos do ofício.
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