CURITIBA EM 1913: HUMOR, AUTOMÓVEIS E POLÍTICA — UM RETRATO DA CIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX
📜 CURITIBA EM 1913: HUMOR, AUTOMÓVEIS E POLÍTICA — UM RETRATO DA CIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX
Documentos originais da imprensa local revelam uma Curitiba em plena transformação urbana, social e cultural. Em 1913, a capital do Paraná já contava com jornais satíricos, anúncios de luxo, críticas políticas afiadas e personagens que, com ironia e elegância, retratavam os costumes da elite, da classe média e até das tensões sociais da época. As páginas preservadas oferecem um mergulho raro na linguagem visual e textual da imprensa curitibana na primeira década da República.
Post 1 – “Não ha de ser nada”: resignação cotidiana em forma de charge
Uma das charges mais emblemáticas de 1913 traz o título “Não ha de ser nada”, repetido como refrão em seis cenas distintas que espelham dilemas universais: dívidas não pagas, desconfiança conjugal, desemprego, burocracia e até testamentos mal redigidos. Em cada quadro, um personagem em dificuldade ouve a mesma resposta vaga e resignada: “Não há de ser nada”.
Essa expressão, típica da fala curitibana da época, funcionava como escudo contra a incerteza — mas também como crítica sutil à passividade diante de problemas reais. O traço simples e os diálogos coloquiais revelam um jornalismo gráfico que misturava entretenimento e espelho social.
Post 2 – O luxo sobre rodas: anúncio do automóvel Benz em pleno centro de Curitiba
Uma página anuncia, com destaque, o automóvel Benz — marca alemã precursora da Mercedes-Benz — como “O Automóvel Preferido”. O representante exclusivo para o Paraná era Francisco F. Fontana, com escritório na Avenida João Gualberto (então um dos endereços mais modernos da cidade), caixa postal 111 e telefone 68.
A ilustração mostra o veículo com dois ocupantes trajando roupas formais da época: chapéu, paletó e vestido longo. O carro, de tração traseira, rodas altas e assentos abertos, era um símbolo incontestável de status. O simples fato de existir um representante oficial do Benz em Curitiba demonstra que, mesmo longe dos grandes centros, a elite paranaense já adotava tecnologias de ponta — e que o automóvel, ainda raro, era mais que transporte: era identidade social.
Post 3 – “Simplicidade”: ironia sobre hipocrisias domésticas e sociais
A charge intitulada “Simplicidade” usa o olhar inocente de uma criança para expor contradições adultas. Em um dos quadros, um menino comenta que a “coelhinha” (termo carinhoso para a mãe) tem o braço inchado “dos bichinhos que papai lhe dá” — eufemismo claro para picadas de insetos... ou algo mais sugestivo.
Em outra cena, dois homens — um chamado “o negro”, outro “o gordo” — discutem um “capado” (animal castrado), e um deles observa com desdém: “é um animal bem indiferente o porco”. Aqui, os animais são metáforas para a classe dominante, cuja indiferença diante das injustiças sociais era notória. A charge não apenas satiriza, mas denuncia a superficialidade da moral burguesa.
Post 4 – “Entre amantes do sport”: esporte, aposta e vícios da elite
A expressão “entre amantes do sport” introduz um diálogo carregado de exagero cômico: dois homens apostam que, se um perder, dará um “salto mortal”, e o outro jurou que “romarei sobre a ponte da urca Zacharias” — referência ao Rio Zacharias, curso d’água que então cruzava o centro de Curitiba (hoje canalizado).
Em outra cena, um homem rejeita um pão oferecido como consolo, alegando que o médico proibiu — mas pede vinho em seu lugar. O contraste entre restrição médica e desejo por álcool revela os vícios mascarados pela “civilidade” da época. O esporte, aqui, não é só lazer, mas cenário para ostentação, risco e transgressão leve — tudo dentro dos limites do bom tom curitibano.
Post 5 – “Os somos deputados”: crítica direta ao poder político
A charge mais contundente do conjunto chama-se “Os somos deputados”. Um cidadão pergunta qual o “título que o reconhece para ser eleito deputado estadual”. A resposta é lapidar: “Ser rico — capitalista.”
Não há menção a mérito, formação, propostas ou ligação com o povo. A riqueza, por si só, é o único passaporte para o poder. Em outro quadro, um político é alertado: “Embora nos façam mal, a vós, isso sabe que mais cedo ou mais tarde a gente se coloca.” A resposta? “Sim, sim, se, jurem muito e cuidado.”
A mensagem é clara: a política era um jogo de promessas vazias, juramentos e interesse próprio. A charge, embora sutil, desmonta a ilusão de representatividade — um ato de coragem editorial em pleno contexto oligárquico do café com leite.
Estas páginas, aparentemente leves, carregam o peso de uma sociedade em transição: entre tradição e modernidade, oralidade e imprensa, rural e urbano. Elas mostram que Curitiba, em 1913, já tinha sua voz — crítica, irônica, elegante e profundamente curitibana.
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