sábado, 28 de janeiro de 2023

Jaime Reis: a avenida dos bares que termina em um convento

 Jaime Reis: a avenida dos bares que termina em um convento

https://www.turistoria.com.br/jaime-reis-a-avenida-dos-bares-que-termina-em-um-convento

Poucos meses depois da morte de Jayme Reis, em fevereiro de 1913, a antiga Avenida Cruzeiro ganhou o nome de Avenida Jayme Reis no trecho compreendido entre o Largo do Rosário (Praça Garibaldi) e o Reservatório do São Francisco. O trecho restante continuou sendo chamado de Avenida do Cruzeiro até 1948, quando passou a ser a Avenida Manoel Ribas. Atualmente, a Jaime Reis se escreve com “i” e possui 650m de extensão.


Conhecida pelos bares e restaurantes, muitos deles localizados em prédios de mais de 100 anos, bem como pelos paralelepípedos que a revestem, a Avenida Jaime Reis é geograficamente e historicamente privilegiada.
 
Bora conferir a história dela?


Quem foi Jayme Reis?


Nascido em Curitiba em 1876 e filho do médico e político baiano Trajano Reis, Jayme Drummond dos Reis foi um renomado médico - e também político - da capital paranaense. Fez seus estudos fundamentais em Curitiba e então cursou a Faculdade de Medicina da Bahia, terra de seus pais. Após concluir o curso, fez seu doutorado no Rio de Janeiro em 1898. Foi médico do Porto de Paranaguá e Deputado Estadual pelo Estado do Paraná.


A residência e clínica de Jayme e de seu pai ficavam na Rua do Serrito, 19 (atual Carlos Cavalcanti). Coincidência ou não, a Av. Jaime Reis é uma continuação da Rua Trajano Reis.


Jayme Reis virou nome de rua por suas contribuições para a sociedade paranaense enquanto médico e legislador. Jayme também ajudou as tropas paranaenses, com seus serviços médicos, na Guerra do Contestado, em 1912, pouco antes de falecer.

O nome da rua


A rua ganhou o nome de Jayme Reis  após um trágico incidente.


Por volta de nove horas da noite de um sábado, em 7 de dezembro de 1912, Jayme saiu de um cinema - o Cine Mignon, que ficava na Rua XV de Novembro - e ao se aproximar a pé de sua residência, um vizinho seu, Miguel Camarano, o assassinou, disparando dois tiros de pistola em suas costas. O homicídio ocorreu na esquina das ruas Carlos Cavalcanti e Mateus Leme, onde Carrano tinha comércio.


Segundo relato do Jornal Diário da Tarde, de 16 de março de 1914, teria ocorrido um incidente - um suposto assédio - entre Jayme Reis e a esposa de Miguel Camarano em seu consultório médico. Essa teria sido a motivação do crime. Carrano foi condenado a 6 anos de prisão domiciliar e dele nunca mais se teve notícias.


A morte gerou grande comoção, pois Jayme Reis era uma figura muito popular entre os curitibanos, principalmente porque seguia a tradição do pai: ser médico dos pobres. Sua missa de sepultamento lotou a Igreja do Rosário e foi celebrada pelo Monsenhor Celso. O esquife foi enterrado no túmulo da família, no Cemitério Municipal.


Bares e Patrimônios da Jayme Reis

A primeira quadra da rua, logo na esquina com a Trajano Reis e em frente à Praça Garibaldi, é povoada por diversos bares e restaurantes - o que já denota uma das características marcantes da rua atualmente, o lazer noturno. Dois desses bares estão em prédios que são unidades de interesse de preservação: o azul, n.54, e o verde, n.46. Ambos são do início do século XX.


Em frente aos bares, ainda na primeira quadra, encontra-se o
 
Palácio Garibaldi, um dos mais luxuosos e antigos edifícios da região. O Palácio Garibaldi teve sua construção concluída em 1904, antes mesmo da rua se chamar Jaime Reis. O palácio foi construído para servir como sede da Sociedade Garibaldi - que tinha como objetivo estabelecer um espaço de ajuda mútua e preservar a cultura dos seus membros, que eram imigrantes italianos.

Logo atrás do palácio há as Ruínas de São Francisco, que ali estão desde 1815, quando as obras da Igreja que estava sendo construída foram interrompidas e nunca terminadas. As ruínas foram preservadas e hoje são atração turística da capital paranaense.


Revitalização


O Largo da Ordem e o Centro Histórico, de modo geral, passaram por um primeiro processo de revitalização na década de 1970. A Avenida Jaime Reis e seus patrimônios, é claro, não ficaram alheios a isso. Foi essa revitalização, inclusive, encabeçada pelo IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) que trouxe a feira de artesanato, que antes acontecia na Praça Zacarias, para essa região. Desde 2018, a Feira do Largo da Ordem é oficialmente declarada como patrimônio imaterial da cidade de Curitiba.


A partir disso, a região ganhou maior atenção do poder público, o que acarretou em restauros e manutenções de locais históricos, como as citadas Ruínas do São Francisco. Na década de 1970, as ruínas estavam em estado de abandono; em 1976 elas passaram por uma limpeza e manutenção.


Na Praça João Cândido, junto das ruínas, está o
 
Belvedere, construção de 1916, que tinha o objetivo de ser um mirante para a população curitibana, além de modernizar e dar novos ares à cidade, através da arquitetura europeia do art noveau. Recentemente foi restaurado após um incêndio em 2017, e hoje no Belvedere funciona um café.

Subindo a Jaime, mais casarões

Saindo dos bares e subindo alguns metros pela Jaime Reis, chegamos a esses casarões. O verde, da imagem, foi construído em 1898 a pedido do comerciante italiano Felippe Lombardi. Além de servir de residência da família, o imóvel também abrigava um armazém de secos e molhados e uma fábrica de destilados e gengibirras.


Posteriormente a casa foi comprada por Miguel Calluf, imigrante árabe e rico comerciante com várias posses na cidade, como o Hotel Eduardo VII e a Loja de Tecidos Louvre. Com seu falecimento, a casa ficou com seu filho, Emir Calluf, padre aposentado que largou a batina para se casar com Munira Calluf. Emir faleceu em 1993 e a casa ficou com sua esposa.


Após sair da Igreja, Emir se dedicou a atuar como psicólogo - atendia na própria Avenida Jaime Reis - e à escrita de diversos livros. Chegou a ter um programa chamado “Um Lugar ao Sol” na televisão. Hoje, o casarão verde é uma galeria de arte de propriedade de sua esposa, Munira Calluf, chamada “Um Lugar ao Sol”.


Ao lado da galeria, descendo em direção ao Largo da Ordem, em imóvel branco que era a mansão da família Calluf, funciona um escritório de advocacia.

Ao lado do casarão de 1898, há uma casa bege, construída em 1916 para Amélia França Gomes da Costa. Em 1925, ali se casaram e depois moraram Catullo Pia de Andrade e Carolina Teixeira de Freitas Piá de Andrade. Atualmente, é sede da FUNAI.

Na quadra seguinte chegamos a essa bela casa da imagem abaixo, na esquina com a Rua Almirante Barroso, que é mais uma Unidade de Interesse de Preservação.


Construída em 1919, é grande e muito bonita, sobretudo pelas águas-furtadas. No frontão da casa, há as iniciais JB, mas não temos informações sobre o significado desse monograma.

Ao lado do “casarão JB”, há essas duas belas construções que também são UIPs. Pelas pesquisas que realizamos junto à Casa da Memória, é possível que a de cor salmão tenha sido construída em 1914 para Frederico Denes. Já sobre a de cor azul não há  informações. Nas duas casas chama a atenção as réplicas de luminárias penduradas nas paredes externas, que antigamente serviam como iluminação pública, alimentadas com óleo de baleia.

Quase na esquina com a Rua Ermelino de Leão, há 3 prédios do Grupo Madero, do ramo da gastronomia. O prédio verde foi onde o Grupo Madeiro iniciou suas atividades em 2005; os demais prédios foram adquiridos posteriormente. De acordo com uma planta arquitetônica disponível na Casa da Memória, as três edificações antes eram uma só e tinham 1 andar; o prédio foi construído para ser sede da Sociedade XV de Novembro, em 1911.

Patrimônios após a Praça João Cândido

Passados os muros do que restou da antiga Sociedade Protetora dos Operários, chegamos a esse casarão que atualmente é a sede da Cúria Diocesana (ou Mitra da Arquidiocese de Curitiba). O prédio, segundo Flávio Antonio Ortolan, do blog Fotografando Curitiba, “foi construído em um terreno doado pelo primeiro arcebispo da Arquidiocese de Curitiba, Dom João Francisco Braga, em terreno que havia recebido como herança de família. A construção foi concluída em 1931, e era chamado de ‘Palácio Arquiepiscopal’”. No local também já funcionou o Seminário São José.


Na altura da trincheira do cruzamento da Jaime Reis com a Avenida Treze de Maio está a Casa Kirchgässner. Alguns consideram que a casa está na esquina entre a Rua Portugal e a Treze de Maio, e não a Jaime Reis. De qualquer modo, a Casa está presente na paisagem da rua.


A casa que hoje é amarela foi construída por Frederico Kirchgässner por volta de 1930. Frederico era filho de imigrantes alemães e foi criado em Curitiba, tendo feito seus estudos de arquitetura na Alemanha. Em 1930 ele deu início à construção do que seria a primeira casa de arquitetura modernista da cidade de Curitiba, na então Avenida Jaime Reis.


Tanto a arquitetura externa quanto a divisão interna da casa causaram muita perplexidade na sociedade curitibana da época. A polêmica se deu sobretudo porque o quarto do casal ficava perto da entrada da casa, e também porque havia um banheiro ao lado do quarto. Essa estrutura era tida como uma demonstração da intimidade, o que não era comum na Curitiba dos anos 1930 - quartos e banheiros ficavam nos fundos da residência ou no segundo andar e dificilmente eram acessados pelos visitantes. 


A casa foi construída no ponto alto de um terreno íngreme, de modo que se pudesse ter uma vista privilegiada da Serra do Mar, quando esta ainda não estava bloqueada por prédios de muitos andares.

Adiante, chegamos ao final da Jaime Reis e nos deparamos com a bela Igreja São Vicente de Paulo. Foi construída em 1932 e é mantida pelos padres vicentinos, muito ligados à comunidade polonesa - há missas em polonês aos domingos. Foi pela editora dos vicentinos que Ruy Wachowicz publicou as primeiras edições de seu livro História do Paraná. 


Finalizando nosso tour, nos deparamos com dois patrimônios da cidade que ficam nas esquinas opostas à igreja, no limite da Avenida Jaime Reis: a Casa Medalha Milagrosa e o Reservatório do Alto São Francisco. 

A Casa Medalha Milagrosa foi construída na década de 1930 e é sede da ordem das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo da Província de Curitiba. O site oficial da organização afirma que a casa:


“foi construída com o objetivo de acolher as Irmãs residentes no interior que se dirigiam para Curitiba. Até então, a Casa que cumpria essa função era a Escola Polonesa São José - hoje Colégio Vicentino São José - no bairro de Abranches, cuja distância da região central de Curitiba na época não favorecia o deslocamento e estadia. Passando por reformas e adequações ao longo dos anos, a CMM é um espaço de referência não só para a gestão da Província, mas para a vida e missão das Irmãs. É um lugar de encontro, oração, formação e partilha.”

No outro lado da rua está o Reservatório do Alto São Francisco, o primeiro reservatório hídrico de Curitiba, construído em 1904. O reservatório foi uma grande inovação para a cidade, que antes era abastecida pela água diretamente dos rios ou das fontes de água e bebedouros de algumas praças da cidade. O reservatório segue em funcionamento e até hoje é um dos marcos da engenharia no Paraná.

Após esse tour histórico que conecta bares a reservatório e espaços religiosos, chegamos ao fim da Av. Jaime Reis. Ou, em outras palavras, chegamos à metade da antiga Rua do Cruzeiro. Quem sabe continuamos esse passeio, mas, para isso, precisamos descortinar as histórias da longa Av. Manoel Ribas, que começa bem aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário