sábado, 28 de janeiro de 2023

A familiar, artesanal e tradicional Padaria América

 A familiar, artesanal e tradicional Padaria América

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A Padaria América, da Rua Trajano Reis, é um dos comércios mais tradicionais de Curitiba. Administrada pela família Engelhardt desde 1913, quando foi inaugurada, a padaria mantém muitas de suas receitas até hoje, algumas delas trazidas da Alemanha.


Gerações e mais gerações de curitibanos apreciaram e apreciam a broa preta (de centeio), produzida a partir de 1913 e tombada como Patrimônio Cultural Imaterial de Curitiba; as cucas de banana, farofa e goiabada; o pão chifrinho; o sonho de nata; os variados biscoitos e o stollen (pão de frutas); e também os desejados pães de mel; as compotas e o Kraeuterkaese (creme de queijo), quase tudo produzido ali, com muita técnica e carinho, e vendido com simpatia e bom atendimento. Hoje com duas revendas em Curitiba, a Padaria América é premiadíssima e um patrimônio da cidade. Por isso, este artigo será dedicado somente a ela. 

A família Engelhardt


Para contar a história da Padaria América, precisamos antes contar a trajetória de quem a fundou. A família do fundador da Padaria América chegou ao Brasil em 1882, na figura do imigrante alemão Friedrich Philipp Ludwig Eduard Engelhardt, que veio para trabalhar na construção da Catedral de Curitiba.


Durante as obras da catedral, um acidente fez Friedrich quebrar o braço e algumas costelas, e por isso ele teve de mudar de profissão. Em 1885, montou a “Cervejaria Glória”. O acidente também o motivou a fundar, juntamente com outros alemães, uma sociedade que pudesse dar apoio aos imigrantes alemães de Curitiba. Assim foi fundada, em 17 de julho de 1884, a Sociedade Rio Branco.


O envolvimento da família com padarias começa com o filho de Friederich, Eduardo Engelhardt, que aos 14 anos trabalhava em uma grande padaria de Curitiba - a Padaria Batel, de Guilherme Burguel. Em 1913, Eduardo montou sua própria padaria, localizada na esquina da Rua Sete de Setembro com a Alferes Poli, ao lado da cervejaria de seu pai - de onde saía o fermento para os pães.


Inicialmente levava o nome “Armazém de secos e molhados da D. Elza”, pois também vendia outras mercadorias. Quem trabalhava no balcão era a esposa de Eduardo, Elza, responsável pelas inigualáveis receitas vindas da Alemanha, dentre as quais a tradicionalíssima broa preta, feita de centeio, chamada de pão do colono alemão. Em 2002, a broa de centeio da Padaria América foi tombada como Patrimônio Cultural Imaterial de Curitiba.

Padaria América


No ano seguinte, em 1914, Eduardo e Elza transferiram a sua padaria para a então Rua América, atual Trajano Reis, esquina com a Paula Gomes, no bairro São Francisco. Anos mais tarde, em novembro de 1919, a Rua América passou a se chamar Rua Trajano Reis, em homenagem ao médico e político homônimo que nela morava, e que havia falecido em 11 de agosto daquele ano. Essa região tinha forte traço comercial e forte presença da comunidade alemã, que era frequentadora da padaria. Nos arredores havia a Igreja Luterana e o Clube Concórdia, locais tradicionais da comunidade alemã da capital.


Igual a outros comércios da época, como o Cine América, a Padaria América levou o nome da rua em que se situava. Entre os seus clientes, porém, a padaria era mesmo conhecida como “Padaria Engelhardt” ou "Padaria da Dona Elza”. 


Em 1928 a padaria se mudou uma quadra acima, para o endereço onde permanece até hoje, na Trajano Reis esquina com a Carlos Cavalcanti.

Segunda Guerra Mundial


A padaria atravessou quase todo o século XX e, como não poderia deixar de ser, participou ativamente da história da cidade, do país e do mundo, afetando e sendo afetada pelo contexto em que estava inserida. Um exemplo disso foi a Segunda Guerra Mundial.


Em agosto de 1942, o Governo Brasileiro declarou guerra ao eixo - formado por Alemanha, Itália e Japão. Os estabelecimentos associados a imigrantes destes países, principalmente os europeus — que eram mais numerosos na Curitiba do período do que os japoneses —  sofreram diversos atos de hostilidade, como saques e depredações, mesmo aqueles que não tinham ligação com o fascismo ou o nazismo.


A Padaria América, propriedade de uma família de imigrantes alemães, acabou sendo invadida, assim como diversos lugares nas proximidades, como o Clube Concórdia, a Sociedade Garibaldi e a Sociedade Rio Branco.


Além da hostilidade e xenofobia de parte da população, outra dificuldade enfrentada nessa época foi a escassez de alguns produtos e matérias primas, como manteiga, carne, açúcar, sal, trigo e centeio. Muitos desses ingredientes, principalmente trigo e centeio, vinham da Europa e, por conta da Segunda Guerra Mundial, a exportação deles foi interrompida. Na tentativa de contornar a escassez, a Padaria América chegou a produzir pães de goma e polenta. Também houve o boicote de fornecedores brasileiros aos Engelhardt.

Seu Bruda e Dona Lídia


Ewaldo Ernesto (chamado de Bruda) era o filho do meio de Eduardo e Elza. Desde pequeno, entregava os produtos da padaria na casa de seus clientes, de carroça, mas também aprendeu o ofício de padeiro, de forma a manter vivas as receitas e modos de preparo da família. À medida que o casal envelhecia, Bruda passou a administrar o negócio junto com sua esposa, Lídia Kohls, com quem se casara em 1943. Quando seu pai sofreu um derrame, em 1957, ambos tomaram a dianteira da Padaria América em definitivo.


Com Bruda nos fornos e Lídia no balcão, administrando a padaria, deu-se sequência ao empreendimento familiar, sempre conciliando modernidade e tradição. Se novas receitas, de várias origens, eram incorporadas ao cardápio, e se novos maquinários e estruturas eram adquiridos, igualmente eram preservados outros alimentos próprios da padaria, o modo de preparo artesanal e a relação próxima com os frequentadores. A família sempre resistiu ao ultraprocessamento e a produção em massa.


Dentre as receitas que passaram a dividir espaço com as broas, cucas, biscoitos e doces variados, citamos duas (recuperadas por Juliana): a Torta Aída e o Pumpernikell. Explica Juliana:


A padaria é a única da cidade que tem a receita original da torta "Aída", trazida da Alemanha por uma cliente de Eduardo. Feita com camadas tipo de pão-de-ló, creme de manteiga, nozes e chocolate, diz a estória que a especiaria tem este nome por ter sido presenteada ao compositor italiano Giuseppe Verdi (autor da ópera Aída) por um padeiro alemão, inventor da receita
.


Já o Pumpernikell tem outras características:


uma espécie de broa pesada, assada em banho-maria, feita somente com grãos de cereais, água e pouca farinha de centeio - somente para dar liga - e vendida por quilo. Segundo Alfonso, esta receita foi passada por Hugo Windmüeller, um senhor naturalista, que se dedicava à alimentação macrobiótica e crudista (alimentos crus).


Negócio em família


Dona Lídia faleceu em 1992 e Seu Bruda em 1999. Entretanto, quando ainda velhinhos, ensinaram seu filho, Alfonso, e seus netos, Carlos Alberto, Andréa e Eduardo Henrique, toda a dinâmica da Padaria América. A terceira e quarta gerações dos Engelhardt em Curitiba, portanto, deram prosseguimento a uma trajetória centenária. 


Andréa, Eduardo e seu pai, Alfonso, tornaram-se sócios da Padaria América e, sob a administração deles, o negócio foi se expandindo e modernizando. Atualmente, Andréa e Eduardo a administram.


Além das filiais, a sede principal e histórica está totalmente reformada e conta com um espaço para café. A qualidade dos produtos, porém, não sofreu alteração alguma com o tempo. 


Para conhecê-la e apreciar os seus magníficos doces e salgados, basta se deslocar até a  Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 942, no bairro São Francisco. A Padaria conta com estacionamento próprio e está aberta de segunda a sábado, das 8:30 às 20:00. Também há a opção de visitar suas revendas, nos bairros Água Verde e Bacacheri. E não se esqueça de adquirir o livro de Juliana Reinhardt!


Texto e pesquisa: Gabriel Brum Perin e Gustavo Pitz


Fontes de pesquisa:


REINHARDT, Juliana C. O PÃO NOSSO DE CADA DIA: A PADARIA AMÉRICA E O PÃO DAS GERAÇÕES CURITIBANAS. Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, 2002. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/25453/D%20-%20REINHARDT%2c%20JULIANA%20CRISTINA.pdf?sequence=1&isAllowed=y


http://www.circulandoporcuritiba.com.br/2019/01/a-padaria-america.html


https://americapadaria.com.br/

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