Praça Eufrásio Correia e a “Nova Curitiba” do século XX
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A Praça Eufrásio Correia foi inaugurada em 1880, junto com a abertura da atual Rua Barão do Rio Branco, com intuito de expandir Curitiba para o lado da estação ferroviária, que estava sendo construída. Com o passar dos anos, a praça ganhou o seu nome atual, iluminação, arborização e decoração, incluindo chafariz, lampadário e estátua. Após reformas e revitalização em 2019, a Eufrásio talvez seja a praça de Curitiba que mais mantém a sua forma original. Para isso, foi fundamental o seu tombamento em 1986, como patrimônio histórico do Estado do Paraná.
A principal mudança ocorreu há mais de um século: parte da praça foi utilizada para a construção de um prédio neoclássico, projetado por Ernesto Guaita e inaugurado entre 1894 e 1895, para servir como sede do Congresso do Estado (Câmara dos Deputados), onde hoje funciona a Câmara de Vereadores de Curitiba.
Origens
Quando da inauguração da estação ferroviária em 2 de fevereiro de 1885, a praça que ficava a sua frente ainda era um matagal de vegetação baixa e semipantanoso, com poucas casas, a maioria de madeira, ao seu redor. A única exceção era um casarão em sua esquina, chamado “Casa Rosada”. O prédio foi construído logo depois de 1880, e era residência da família Amazonas Marcondes. Na época da Revolução Federalista, em 1894, chegou a ser sede do 39º quartel de regimento de infantaria. Posteriormente, em razão da construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, foi sede da Companhia Francesa de Estrada de Ferro, até ser revendida e então alugada — a sede do Britânia Sport Clube foi por ali durante muito tempo, assim como da Sociedade Operária Beneficente 14 de Janeiro. Não se sabe desde quando, mas ao menos durante o ano de 1932, o prédio foi também sede do “Syndicato dos fundidores e metalúrgicos de Curityba” - hoje Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba.
O terreno da praça se estendia até a Rua da Misericórdia, atual André de Barros. Com a chegada do engenheiro italiano Ernesto Guaita a Curitiba, em 1882, que abriu o primeiro escritório de arquitetura da capital, a região central da cidade começou a ser transformada. Guaita elaborou projetos para a prefeitura, dentre eles um urbanístico, chamado “Nova Curitiba”, que previa a construção e o alargamento de ruas perpendiculares e a expansão da urbanização até a estação ferroviária e a Santa Casa de Misericórdia.
Nesse projeto, a Rua da Liberdade, atual Barão do Rio Branco, era o principal eixo por estar em frente à estação e se conectar com o centro da cidade: tornou-se a rua mais importante de então, e por isso foi totalmente replanejada, de modo que o trajeto à estação fosse facilitado e também para que o viajante que chegasse em Curitiba tivesse uma boa impressão da cidade. Tanto é assim que, olhando em linha reta de um de seus extremos - da praça Eufrásio Correia ou da Generoso Marques - é fácil de ver a outra ponta.
Nesse cenário, a Praça Eufrásio Correia, ainda chamada de “Largo da Estação”, foi transformada, para ser o cartão de visitas a migrantes, autoridades políticas, empresários e celebridades, que quase sempre vinham à cidade de trem.
O ideal de civilização
Segundo o historiador Marcelo Sutil, naquele período passou a ser grande o cuidado do município com suas áreas centrais:
“em 1905, uma lei regulamentava que futuros prédios na Praça Tiradentes e nas ruas XV e da Liberdade deveriam ser sobrados com dois ou três pavimentos. A construção da estação ferroviária (e a leva de engenheiros e técnicos que a estrada de ferro trouxe a Curitiba) coincidiu com a entrada da cidade no urbanismo moderno. Muitos dos engenheiros da ferrovia estabeleceram-se na capital e trabalharam em obras oficiais ou deram assessoria aos vereadores”.
A estrada de ferro foi inaugurada em 2 de fevereiro de 1885 e foi um grande evento na região, dando início à tradição de desfiles e de grandes públicos ao longo da via. A primeira viagem ocorreu no dia 1 de fevereiro, partindo de Curitiba às 9 da manhã e chegando em Paranaguá às 5 da tarde, levando convidados ilustres, como políticos e autoridades.
Ao longo da história, é comum que o trem e sua imagem apareçam representando o ideal do progresso e da civilização, ainda mais no século XIX e início do XX, no contexto da Revolução Industrial e de suas consequências. No caso da ferrovia de Curitiba não foi diferente. Em 4 de fevereiro de 1885, noticiando a inauguração da estrada de ferro e no contexto de um navio (de nome América) que atracava no porto de Paranaguá para o desembarque dos convidados da corte que iriam ingressar no trem, o jornal Dezenove de Dezembro afirmava:
“As provincias representadas a bordo do America saudavam o Paraná; as nações da Europa civilisada, que também estava presente, nas pessoas de diversos diplomatas, abraçavam o Brazil n’esse dia em que por mais um facto affirmava o jus de nação civilisada conquistando o respeito das nações estrangeiros”
Outros tantos engenheiros e arquitetos, filhos da burguesia paranaense, estudavam no Rio de Janeiro e traziam consigo o mesmo ideal de planejamento urbano: moderno, que representasse o progresso e as técnicas mais civilizadas da Europa. Em consequência disso, muitas foram as reformas e também muitas foram as demolições: boa parte da arquitetura colonial foi abaixo nesse período.
Ainda então, a Companhia da Estrada de Ferro começou a aterrar a praça para facilitar o trânsito. Também foi desapropriada uma casa nos fundos da praça, de propriedade de Francisco Antônio Ribeiro, para que ela ficasse simétrica. O local era chamado de Largo da Estação. Em 1888, ganhou o nome de Praça Eufrásio Correia, em homenagem ao político e abolicionista de Paranaguá, Manoel Eufrásio Correia, membro de uma distinta família, que havia morrido naquele mesmo ano.
A Praça se torna símbolo da modernidade
Foi com a construção do Palácio do Congresso Estadual, inaugurado entre 1894 e 1895, que a Praça Eufrásio Correia ganhou boa parte da forma que mantém até hoje. O Palácio, na época destinado à assembleia legislativa do Estado, foi utilizado até a década de 50, e desde 1963 é ocupado pela Câmara de Vereadores de Curitiba. Seu arquiteto foi Ernesto Guaita, que tratou de projetá-lo em estilo neoclássico, virado para a Rua da Liberdade, no que era, talvez, o local mais transitado daquela época.
Logo em seguida, em 1903, a Praça Eufrásio Correia foi escolhida para sediar a Exposição Agrícola, Artística, Industrial e Pastoril Paranaense, comemorativa do cinquentenário da independência do Paraná, em 19 de dezembro daquele ano. Para tal, segundo Aparecida Vaz da Silva Bahls,
“foi aplainada com base de macadame, revestida com pedregulhos lavados, fechada com cerca pintada a óleo, ajardinada e equipada com bancos. Também foram construídos pavilhões para os expositores. A Sociedade de Agricultura encarregou-se de organizar o evento, solicitando aos diversos municípios do Estado que se fizessem representar nos pavilhões que seriam erguidos no espaço da praça, exibindo produtos de suas respectivas regiões. O objetivo da exposição era valorizar a autonomia política pelo desenvolvimento da terra paranaense”.
Para a exposição, já estava à disposição uma linha exclusiva de bonde, que saía do centro e desembarcava na frente da praça — logo na esquina, ficava a garagem dos bondes de Curitiba, na época ainda de tração animal.
Por conta do intenso movimento naquela região, ao redor da praça já existiam diversos hotéis famosos, como Grande Hotel, o Hotel Tassi e o Hotel Roma, além de estabelecimentos comerciais, como restaurantes, botequins, padarias, açougues, armazéns, lojas de roupa, etc., e sobrados residenciais, onde se concentravam parte da elite curitibana. O grande número de hotéis se explica também pela proximidade com a estação ferroviária, o que facilitava a locomoção de quem chegava na cidade. Até hoje, inclusive, a região possui diversos hotéis, uma vez que a atual rodoferroviária de Curitiba é próxima - cerca de 1 km - da antiga estação ferroviária.
Para os carroceiros que traziam pessoas e mercadorias, fruto da já consolidada economia de erva-mate, a Praça Eufrásio Correia era parada obrigatória. Nela também havia os famosos quiosques metálicos, onde se vendia, cotidianamente, biscoitos, café, pão, doces diversos, cerveja, além de charutos, cigarros, bebidas nacionais e estrangeiras e edições diárias de jornal. Famosos também eram os desfiles cívicos, eventos comemorativos e até protestos, que escolhiam a Praça Eufrásio Correia e a Rua da Liberdade por serem a artéria e, ao mesmo tempo, o centro de poder de Curitiba.
Isso fez com que a Praça fosse testemunha de diversos acontecimentos da história do Paraná e do Brasil. Entre eles, a Revolução de 30, com a presença de Getúlio Vargas.
Dez anos depois da primeira grande reforma, as transformações na Praça continuaram, explica Aparecida Vaz da Silva Bahls:
“Na administração do prefeito Cândido de Abreu, entre 1913 e 1916, o espaço foi remodelado, com novos canteiros e ruas, e uma grande bacia central na qual foi instalado um repuxo. Esse monumento, decorado com estátuas em bronze encomendadas na França, e de onde também foi trazida uma luminária em estilo art-nouveau, colocada em um dos cantos do logradouro, serviu para embelezar a praça. Em julho de 1915, Cândido comunicava à Câmara a conclusão do ajardinamento da Praça Eufrásio Correia, tornando-a um dos lugares mais aprazíveis do centro da cidade. O encanto do local era registrado em revistas que divulgavam as belezas naturais de Curitiba e as obras de artistas conterrâneos expostas, como um museu, ao ar livre: 'Abre-se, à nossa vista, a sala de visitas da capital. Rua Barão do Rio Branco. Larga, imensa, movimentada. Profusão de luz. Postes artísticos. Calçadas com desenhos indígenas. Asfalto. Ao lado, a praça Eufrásio Correia. Lindos jardins. Pequenos bosques, cheios de sombra amável e convidativa. O talento de Zaco Paraná se ostentando no ‘semeador’, um dos mais belos monumentos da ‘urbs’”.
Esse repuxo comentado por Bahls é uma fonte importada da França, produzida pela Fonderie d'Art du Val d'Osne, uma fundição especializada em arte. Segundo Flavio Antonio Ortolan, do blog Fotografando Curitiba, “as fontes produzidas por eles estão espalhadas pelo mundo todo. Tem uma igual a da Eufrásio Correia instalada nos jardins do Palácio de Cristal, na Cidade do Porto, em Portugal.” A luminária também foi importada dessa empresa.
Além do repuxo, também há a referência à escultura “O semeador”, do artista de origem polonesa João Zaco Paraná (1884-1961), que foi instalada na Praça em algum ano entre 1922 e 1925 (há várias versões quanto à data). A João Zaco também há uma herma na praça, instalada em 1984, no centenário de nascimento do artista, com a imagem dele esculpida em bronze sobre uma coluna de pedra.
Até hoje, todos esses objetos encontram-se preservados na Praça Eufrásio Correia, que além disso teve mantidos os caminhos de pedra e a vegetação originais, da época de Cândido de Abreu. Parte dessa preservação se deve ao tombamento de todo o conjunto da praça como patrimônio histórico do Estado do Paraná, realizado em 1986. Entre os bens tombados, estão 3 árvores: 1 Cedro-rosa e 2 Tamareiras.
Depredações e reformas
Foi o tombamento de todo o conjunto da Praça Eufrásio Correia que impediu a sua destruição. Desde o deslocamento das sedes do poder municipal e estadual para o Centro Cívico, nas décadas de 50 e 60, a região da praça e as ruas ao seu entorno perderam a vivacidade. Por anos, a Rua Barão do Rio Branco foi via para ônibus expressos, tornando-a cada vez mais distante dos turistas e das festividades. Com a extinção dos bondes, também na década de 50, e com a transformação da estação ferroviária em ‘shopping center’, a Praça Eufrásio Correia ficou quase esquecida e se transformou num espaço de violência.
Foi só a partir do século XXI, com o fim da circulação dos ônibus pela Barão do Rio Branco e com as obras de revitalização da praça e dos seus arredores, que a região voltou a ser mais convidativa — o que não significa, entretanto, que esteja completamente segura. Talvez por isso a Praça Eufrásio Correia, uma das mais antigas e, para muitos, a mais bonita de Curitiba, não tenha a mesma popularidade das suas irmãs, como a Praça Generoso Marques.
O antigo cartão de visitas da capital do Paraná, símbolo de uma época em que se acreditava piamente no progresso, no poder da simetria, da ordem, da disciplina e dos modernos valores europeus, hoje é mais uma área verde entre a estação que virou shopping e a Câmara de Vereadores.
Texto e pesquisa de Gabriel Brum Perin e Gustavo Pitz
Fontes de pesquisa:
BAHLS, Aparecida Vaz da Silva. Boletim Informativo Casa Romário Martins. Praças de Curitiba: Espaços verdes na paisagem urbana. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2006.
https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/monogr/Texto/boletim_romario_131.pdf
RIZZI, Suzelle. Cândido de Abreu e a arquitetura de Curitiba entre 1897 e 1916. Dissertação (Mestrado em Teoria, História e Crítica da Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Porto Alegre/Curitiba, 2003.
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14304/000423389.pdf?sequence=1&isAllowed=y
SUTIL, Marcelo Saldanha. Eixo Barão-Riachuelo: o prédio da estação e a rua da liberdade. Texto: acervo Casa Romário Martins.
https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/monogr/Texto/sutil_eixo_barao.pdf
Dezenove de Dezembro, 4 de fev. de 1885. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=416398&pasta=ano%20188&pesq=&pagfis=12474
http://www.circulandoporcuritiba.com.br/2019/08/um-cedro-rosa-imune-de-corte.html
https://www.fotografandocuritiba.com.br/2016/02/o-chafariz-na-praca-eufrasio-correia.html
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