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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Juachini Camillo e as Três Residências Esquecidas: Um Projeto de Concreto, Memória e Perda na Curitiba de 1938

 

Juachini Camillo e as Três Residências Esquecidas: Um Projeto de Concreto, Memória e Perda na Curitiba de 1938

Em março de 1938, enquanto o mundo se preparava para uma das maiores convulsões históricas do século XX, em Curitiba, um arquiteto chamado Eduardo Fernando Chaves assinava um projeto que, embora modesto em escala, revelava uma importante virada técnica na construção residencial da cidade: o “Prédio para três Residências” encomendado pelo senhor Juachini Camillo, na Rua Augusto Stellfeld.

Hoje, essa edificação não existe mais. Demolida antes ou durante o período que antecedeu 2012, sua única presença está nos arquivos do Arquivo Público Municipal de Curitiba — em pranchas desbotadas de microfilme, cálculos estruturais meticulosos e um alvará de construção que testemunha uma transição silenciosa, mas decisiva, na arquitetura residencial paranaense: a adoção do concreto armado em edifícios de pequeno porte.

Este artigo resgata não apenas um projeto perdido, mas uma história de inovação, ambição residencial e memória efêmera — um lembrete de que o patrimônio urbano nem sempre sobrevive, mas merece ser lembrado.


O Contexto: Curitiba em 1938 — Entre Tradição e Modernidade

Na década de 1930, Curitiba vivia uma fase de consolidação urbana. O centro expandido, os bairros como o Alto da Glória, Cabral e Centro Cívico começavam a tomar forma, impulsionados por uma classe média crescente e por novas técnicas construtivas.

Até então, as residências geminadas e os pequenos edifícios eram erguidos predominantemente em alvenaria de tijolos maciços, com estruturas de madeira nos pisos e coberturas. Mas, com o avanço da engenharia civil e a chegada de novos materiais, o concreto armado — antes reservado a pontes, grandes edifícios comerciais ou obras públicas — começava a infiltrar-se também na arquitetura doméstica.

Foi nesse contexto que Eduardo Fernando Chaves, arquiteto atuante em Curitiba desde a década de 1920, propôs algo ousado: um prédio de dois pavimentos, com três unidades residenciais independentes, inteiramente em concreto armado.


O Projeto: Inovação Técnica em Escala Doméstica

Registrado em 21 de março de 1938, sob o Alvará de Construção nº 3763/1938, o projeto para Juachini Camillo rompia com a norma da época por sua solução estrutural avançada.

Características principais:

  • Uso residencial: três habitações geminadas em um único corpo edificado;
  • Dois pavimentos: térreo e superior, cada um com 84,80 m² de área útil (a área total indicada como 84,80 m² sugere que as unidades eram dispostas lado a lado em um único nível por pavimento, ou que a área refere-se à projeção do terreno);
  • Localização: Rua Augusto Stellfeld, via residencial no coração da cidade;
  • Material construtivo: concreto armado, com lajes, vigas e pilares calculados estruturalmente — algo raro para edificações de pequeno porte na época.

O mais notável está nos documentos técnicos preservados: além das plantas arquitetônicas (implantação, cortes, fachadas e plantas dos dois pavimentos), há pranchas dedicadas exclusivamente aos cálculos e desenhos das armaduras de concreto — com detalhamento de ferros, espessuras de lajes, dimensões de pilares e esquemas de fundação.

Isso demonstra que Chaves não apenas projetava fachadas — ele integrava arquitetura e engenharia, antecipando a abordagem interdisciplinar que se tornaria comum décadas depois.


Juachini Camillo: O Proprietário Visionário

Pouco se sabe sobre Juachini Camillo, além de seu nome no título da obra e sua condição de proprietário e investidor imobiliário. Seu sobrenome sugere origem italiana — comum em Curitiba, onde imigrantes do Vêneto, Trento e Lombardia foram fundamentais para o desenvolvimento econômico e construtivo da cidade.

Ao encomendar três residências em um único edifício, Camillo demonstrava uma mentalidade moderna:

  • Não construía apenas para habitar, mas para gerar renda ou acomodar familiares;
  • Investia em tecnologia construtiva — o concreto armado era mais caro, mas oferecia maior durabilidade, resistência a incêndios e flexibilidade espacial;
  • Confia na expertise de um profissional como Chaves, capaz de entregar um projeto técnico e funcional.

Era o perfil do investidor residencial moderno, antes mesmo que o conceito existisse formalmente.


Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto da Transição

Eduardo Fernando Chaves (não confundir com o mais conhecido Gastão Chaves, seu possível parente ou sócio) foi um dos arquitetos mais atuantes na produção residencial de Curitiba entre as décadas de 1930 e 1950. Seus projetos, muitas vezes assinados sob a razão "Chaves & Cia." ou de forma individual, revelam um compromisso com a racionalidade, a economia de meios e a inovação técnica.

Seu trabalho com concreto armado em edifícios residenciais pequenos foi pioneiro. Enquanto outros ainda dependiam de paredes autoportantes de alvenaria, Chaves já pensava em estruturas independentes, onde paredes podiam ser removidas, janelas alargadas e espaços reconfigurados — princípios que só se tornariam comuns com o Modernismo pleno na década de 1950.

O projeto para Juachini Camillo é, portanto, um marco técnico: um elo entre a construção tradicional e a moderna, entre o artesanal e o industrial.


A Demolição: Quando a Memória é Apagada

Infelizmente, o edifício foi demolido — provavelmente entre as décadas de 1970 e 2000, período em que Curitiba sofreu intensa renovação urbana, muitas vezes à custa de seu patrimônio ordinário.

Não há registros fotográficos do imóvel em pé. Sua existência só é atestada pelos documentos de projeto, hoje digitalizados e preservados no acervo municipal. Isso levanta uma questão urgente:

Quantos edifícios como este desapareceram sem que ninguém notasse?

Essas construções não eram monumentos, mas pedaços vivos da história da habitação, da técnica e da vida cotidiana. Sua perda é silenciosa, mas profunda.


Legado: O Que Resta de Uma Casa que Nunca Vimos?

Embora o prédio não exista mais, seu valor histórico permanece. Ele nos ensina que:

  • A inovação arquitetônica nem sempre vem de grandes obras, mas de escolhas técnicas em edifícios comuns;
  • O concreto armado entrou nas casas de Curitiba não por imposição estatal, mas por demanda de proprietários visionários;
  • A documentação arquitetônica é, muitas vezes, o último testemunho de uma construção.

Preservar esses arquivos não é um ato burocrático — é um ato de resistência contra o esquecimento.


Conclusão: Em Memória das Três Casas que Nunca Conhecemos

Hoje, na Rua Augusto Stellfeld, talvez haja um estacionamento, um comércio ou um prédio mais recente. Ninguém ali sabe que, em 1938, três famílias poderiam ter começado suas vidas em unidades modernas, com pisos de concreto, janelas estratégicas e paredes que não sustentavam o mundo — apenas abrigavam sonhos.

Juachini Camillo queria casas.
Eduardo Fernando Chaves ofereceu mais que isso: uma nova forma de construir o cotidiano.

E embora as paredes tenham caído, os cálculos permanecem.
E nos arquivos, as três residências ainda existem — em tinta, em números, em memória.


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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto

Denominação inicial: Prédio para três Residências para o Snr. Juachini Camillo

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência Geminada
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte

Endereço: Rua Augusto Stellfeld

Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 84,80 m²
Área Total: 84,80 m²

Técnica/Material Construtivo: Concreto Armado

Data do Projeto Arquitetônico: 21/03/1938

Alvará de Construção: Nº 3763/1938

Descrição: Projeto Arquitetônico para a construção de Residência Geminada, com 3 habitações. Alvará de Construção com planilha de cálculo para uso de concreto armado.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Desenhos e cálculos de concreto armado.
3 – Alvará de construção.

Referências: 

1 e 2 - CHAVES, Eduardo Fernando. Prédio para treis Residências. Propriedade do Snr. Juachini Camillo. Planta dos pavimentos térreo e superior, implantação, cortes, fachada frontal; cálculos e plantas baixas das estruturas em concreto armado apresentados em duas pranchas. . Microfilme digitalizado.
3 - Alvará n.º 3763

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.