Curitiba nos Anos 1949-1950: Um Retrato através das Páginas do Diário de Curitiba
O Jornal como Espelho da Sociedade
Entre 1949 e 1950, Curitiba vivia um período de transição e crescimento. A cidade, ainda pequena e provinciana, começava a sentir os primeiros ventos da modernidade que varreriam o Brasil nas décadas seguintes. O Diário de Curitiba, um dos principais veículos de comunicação da capital paranaense, funcionava como um espelho fiel dessa realidade. Suas páginas — repletas de anúncios comerciais, notícias locais, avisos sociais e publicidade — oferecem hoje uma janela inestimável para compreendermos como era a vida cotidiana, os valores, os hábitos de consumo e a estrutura social da Curitiba daquela época.
Este artigo propõe uma análise minuciosa de cinco páginas específicas do jornal, capturadas nesse período, explorando não apenas o que está escrito ou ilustrado, mas também o que esses elementos revelam sobre a economia, a cultura e a mentalidade da sociedade curitibana no final da década de 1940.
Página 20: O Mundo dos Negócios e da Indústria Gráfica
A primeira página apresentada é uma página de anúncios comerciais, provavelmente da seção de classificados ou de publicidade institucional.
Anúncio 1: Impressora Paranaense S.A.
O anúncio da Impressora Paranaense S.A. destaca-se por sua simplicidade e funcionalidade. A empresa oferece serviços gráficos gerais, incluindo:
- Trabalhos gráficos em geral
- Teses, revistas, livros, impressos
- Ações, cartazes, prospectos, catálogos
- Inclusive ilustrações, mapas e quadros
Isso revela uma demanda crescente por material impresso, tanto para fins acadêmicos (teses) quanto comerciais (catálogos, prospectos). A menção à "clicheria própria" indica que a empresa possuía equipamentos próprios de fotocomposição, o que era um diferencial técnico na época. O endereço — Rua Comendador Araujo, 731-747 — situa a empresa no centro comercial de Curitiba, um ponto estratégico para negócios.
Contexto Histórico: Em 1950, o Brasil estava em pleno processo de industrialização, e o setor gráfico era fundamental para a difusão de ideias, produtos e serviços. A existência de uma grande impressora em Curitiba demonstra a maturidade do mercado local.
Anúncio 2: Mobiliária e Tapeçaria de Luxo — A Brasileira
O segundo anúncio promove a Semelman & Cia. Ltda., sob a marca "A Brasileira", especializada em mobiliária e tapeçaria de luxo, além de peles, joias e tecidos.
O texto é elegante e direto, destacando o luxo e a exclusividade dos produtos. Os endereços — Avenida João Pessoa, 85 (loja) e Rua Saldaña Marinho, 76 (depósito) — mostram uma operação organizada, com pontos de venda e armazenagem separados. A menção à fábrica na "Rua Emílio de Menezes, 23" indica que a empresa era produtora, não apenas revendedora.
Contexto Social: O foco em "luxo" e a variedade de produtos (peles, joias, tecidos) sugerem que havia uma classe média e alta em ascensão, com poder de compra para bens de consumo duráveis e de status. A presença de uma fábrica local também aponta para um incipiente desenvolvimento industrial em Curitiba.
Página 31: Vida Social e Religião
Esta página combina um evento social com uma lista de "Pense e Responda", um jogo de perguntas e respostas popular na época.
Evento Social: Enlace Romani Barilomeli - Costa Neves
A notícia do casamento entre Romani Barilomeli e Costa Neves é apresentada com fotos e detalhes. O casamento ocorreu em 7 de dezembro, na Igreja de São José, e foi realizado pelo Padre Dr. Amâncio Barbosa. A cerimônia foi seguida por um almoço no Clube Atlético Paranaense.
Os noivos são descritos como pertencentes à "sociedade da cidade", e o evento é tratado com pompa, com menção aos padrinhos, convidados e até ao vestido da noiva ("traje de cetim branco").
Contexto Cultural: O casamento é um evento social de grande importância, e sua cobertura no jornal indica o prestígio da família. A escolha da igreja e do clube refletem os costumes da elite local, que valorizava a tradição religiosa e os espaços sociais exclusivos.
Seção “Pense e Responda”
Esta seção, que ocupa a metade direita da página, é um jogo de perguntas e respostas, típico da época. As perguntas variam desde temas históricos ("Quem foi o primeiro presidente do Brasil?") até curiosidades culturais ("Qual o nome do autor de 'Dom Casmurro'?").
As respostas são dadas na página seguinte, incentivando o leitor a continuar acompanhando o jornal. Esse tipo de conteúdo era comum em jornais da época, pois servia como entretenimento educativo e aumentava a interação com o público.
Contexto Educacional: A presença dessa seção mostra que o jornal tinha um papel pedagógico, buscando instruir e entreter seus leitores. Era uma forma de democratizar o conhecimento, mesmo que de maneira lúdica.
Página 13: O Lar Moderno e a Economia Doméstica
Esta página é dominada por um grande anúncio da Fábrica Ritzmann, que promove seu "Dormitório Popular Modelo 12x8".
Anúncio da Fábrica Ritzmann
O anúncio é um verdadeiro retrato da vida doméstica da época. A linha "Dormitório Popular" é voltada para famílias de classe média, com preços acessíveis. Os móveis são descritos como "próprios para o lar modesto" e indicados para "casas populares, apartamentos, hotéis, hospitais, quartéis, casas de campo, etc.".
Os preços são listados em cruzeiros (Cr$), a moeda da época:
- Guarda-roupa: Cr$ 1.000,00
- Cama de casal: Cr$ 450,00
- Cama de solteiro: Cr$ 325,00
A menção a "vendas a dinheiro e em prestações" mostra que o crédito já existia, embora fosse limitado. A distribuição pela Prosdocimo S.A. indica uma rede de vendas organizada.
Contexto Econômico: O foco em "lar modesto" e "prestações" reflete a realidade de uma população que buscava melhorar sua qualidade de vida, mas com restrições financeiras. A indústria moveleira estava se expandindo para atender a essa demanda.
Estética e Design
Os móveis são simples, com linhas retas e sem ornamentação excessiva, o que era comum na época. O modelo "12x8" provavelmente refere-se às dimensões do conjunto, indicando que o produto era padronizado e fabricado em série.
Página 14: A Chegada da Modernidade — A Enceradeira Elétrica
Esta página apresenta um anúncio da Enceradeira Elétrica EPEL, distribuída pela Hermes Macedo S/A.
Anúncio da Enceradeira EPEL
O anúncio é altamente visual, com uma ilustração de uma mulher usando a enceradeira. O texto enfatiza a "miraculosa" eficiência do aparelho, destacando:
- Motor silencioso, tipo alemão
- Alta rotação, montado sobre rolamentos de esferas
- Proteção dupla de borracha contra penetração de pó
- Garantia contra qualquer defeito de fabricação
O slogan "AQUI ESTÁ!" é empolgante, criando uma sensação de novidade e urgência. A menção a "pagamento facilitado" mostra que o produto era caro, mas acessível via parcelamento.
Contexto Tecnológico: A enceradeira elétrica era um símbolo de modernidade e progresso. Seu uso indicava que a casa estava sendo "modernizada", com a introdução de eletrodomésticos que reduziam o trabalho doméstico. Isso reflete a influência da cultura americana e europeia, que valorizava a eficiência e a conveniência.
Imagem da Mulher
A mulher no anúncio é retratada como elegante e competente, usando o aparelho com confiança. Isso mostra uma mudança sutil na percepção do papel feminino: ela não é mais apenas a dona de casa tradicional, mas uma consumidora moderna, capaz de lidar com tecnologia.
Página 15: O Automóvel como Símbolo de Status
A última página é dedicada ao anúncio do automóvel Fargo, importado pela Importadora Americana S.A.
Anúncio do Fargo
O anúncio é grandioso, com uma ilustração do carro em movimento, destacando seu design aerodinâmico e robustez. O texto enfatiza:
- Mais de 50 novos caracteres
- Novo conforto e comodidade
- Novo estilo aerodinâmico
- Capacidade de carga de 5.500 a 6.500 kg
O preço é mencionado como "com ou sem reduzida", indicando que o veículo era caro, mas acessível via financiamento. A oferta de "novo plano de financiamento com facilidade de pagamento" mostra que a importadora estava tentando democratizar o acesso ao automóvel.
Contexto Industrial e Social: O Fargo era um caminhão utilitário, usado tanto para transporte de cargas quanto para uso pessoal. Sua presença no anúncio indica que o automóvel estava se tornando um símbolo de status e progresso, mesmo que fosse um veículo de trabalho. A importação de veículos americanos reflete a influência dos Estados Unidos na economia brasileira.
Endereço da Importadora
A Importadora Americana S.A. estava localizada na Praça Tiradentes, 337, um endereço central em Curitiba. Isso indica que a empresa tinha uma presença forte na cidade, e que o automóvel era um produto de alto valor, merecedor de um espaço de destaque.
Conclusão: Uma Curitiba em Transformação
As páginas do Diário de Curitiba dos anos de 1949 e 1950 revelam uma cidade em transformação. Ainda preservando suas tradições religiosas e sociais, Curitiba estava abraçando a modernidade: a indústria gráfica, a produção de móveis, a eletrificação doméstica e a motorização eram sinais claros de que a cidade estava se integrando ao mundo moderno.
O jornal, com seus anúncios e notícias, funciona como um documento histórico valioso, mostrando como as pessoas viviam, o que compravam, o que sonhavam e como se relacionavam com o mundo ao seu redor. A linguagem, os preços, os produtos e os valores refletem uma sociedade em transição, entre o passado rural e o futuro urbano.
Hoje, ao olhar para essas páginas, não vemos apenas anúncios antigos, mas sim uma janela para a alma de uma cidade que, mesmo pequena, já sonhava grande.
Referências e Fontes
- Arquivo Digital do Diário de Curitiba (imagens fornecidas).
- Livros e artigos sobre a história de Curitiba e do Paraná.
- Estudos sobre a sociedade brasileira nos anos 1940-1950.
- Dicionários de termos e moedas da época (crúzeiro).
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