quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A trajetória de Maria Falce de Macedo

 A trajetória de Maria Falce de Macedo

Maria Falce nasceu em 15 de janeiro de 1897, em Curitiba. Ela era filha do casal Falce, Pedro e Philomena, proprietários de uma funerária na capital, que funcionava em um edifício nas esquinas da rua do Rosário com a Saldanha Marinho.


A Curitiba do início do século XX desenvolvia-se com a economia aquecida sobretudo pelo comércio da erva-mate. A cidade passou a abrigar as moradias dos ervateiros, ser reformada para tornar-se moderna e mais adequada às situações sociais que se apresentavam.


Já havia um hospital desde 1880, médicos que forneciam atendimentos particulares, escolas de ensino básico, mas faltava uma instituição que formasse novos profissionais, que até então vinham de outras localidades. Este foi caso do prefeito Cândido de Abreu, responsável pelas reformas urbanas em Curitiba, formado no Rio de Janeiro; e do médico Victor Ferreira do Amaral, um dos responsáveis pelo atendimento na Santa Casa de Misericórdia, também formado na então capital federal.


Para preencher essa lacuna (e atender aos desejos de Rocha Pombo), funda-se então, em 1912, a Universidade do Paraná. Em 1914 tem início a primeira turma do curso de medicina, formando os primeiros médicos em 1919.


Entre eles, a única mulher era a dra. Maria Falce, que viria a se casar com seu colega de turma, dr. José Pereira de Macedo, passando a assinar então Maria Falce de Macedo. 


Apesar do incentivo familiar para estudar, a sociedade não via com bons olhos que uma mulher cursasse uma faculdade considerada exclusivamente masculina. Isso não impediu a jovem Maria de tornar-se a primeira médica paranaense. Concluiu o curso com distinção acadêmica.


Passou a lecionar Química Orgânica no curso de Medicina e também no de Farmácia, tornando-se, em 1929, catedrática e a primeira mulher a ocupar tal posto em uma universidade brasileira (imagem 3).


Viajou ao Rio de Janeiro e realizou estudos de bacteriologia e zoologia no Instituto Oswaldo Cruz (FioCruz). Realizou estudos também na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte.


Passou a chefiar o laboratório de análises clínicas da Santa Casa de Curitiba e fundou um laboratório particular juntamente com seu marido, vendido nos anos 1940 aos colegas Fani Frischmann e Oscar Aisengart. Tamanho era o prestígio da dra. Falce, que o laboratório Frischmann a citava em sua publicidade de abertura (imagem 4). 



Maria Falce residiu no bairro Ahú, onde hoje localiza-se a sede da OAB-PR, com o marido, o filho Diogo e os netos. Apesar de tantas incumbências profissionais, aproveitava o convívio familiar, passeava com os netos, envolvia-se em questões assistenciais e preocupava-se com seus alunos. Tinha longas conversas com o marido e a noite demonstrava o cuidado e carinho com a família levando chá com bolachas ao esposo e às crianças da casa.


Muito querida por todos, ajudou estudantes, funcionários e amigos e recebia, sem distinção, visitas em sua residência (imagem 5). Ajudou a fundar a Casa da Estudante Universitária, pois compreendia as dificuldades das jovens vindas do interior que desejam estudar na capital. Recebeu inúmeras homenagens ao longo da vida, dentre as quais o já extinto prêmio Pinhão de Ouro (imagem 6). 


Faleceu em 24 de abril de 1972, com nota no jornal destacando seu pioneirismo na profissão.

Texto e pesquisa de Nad Dolci


Fonte de pesquisa: MACEDO, Rafael Greca. Curitiba: luz dos Pinhais. Curitiba: Solar do Rosário, 2016. 

Maria Olímpia Carneiro Mochel, a pioneira Após 254 anos de história, Curitiba elegeu a sua primeira vereadora.

 Sim, é isso mesmo que você leu. Em 1947, aos 21 anos, Maria Olímpia Carneiro Mochel foi eleita para a câmara legislativa da capital, com 436 votos. Curitiba, conhecida pelo conservadorismo de muitos de seus habitantes, abria espaço para a rebeldia.


Mas quem era essa tal pioneira Maria Olímpia? 


Carneiro


O sobrenome Carneiro não é um acaso, não. Nascida em 9 de janeiro de 1926, Maria Olímpia era filha de Raul Carneiro, que era irmão do famoso historiador David Carneiro e do também conhecidíssimo Newton Carneiro. O pai deles foi David Antônio da Silva Carneiro, coronel e dono de uma das principais indústrias de erva-mate do Paraná, e a mãe foi a dona Alice Monteiro de Carneiro.


Se do pai de Maria Olímpia se tem notícias (ele foi um dos primeiros pediatras de Curitiba e professor da UFPR), o mistério está em quem foi a mãe dela. Segundo a página da Câmara de Curitiba na internet, Maria era filha de uma imigrante alemã chamada Anna Schweble. Muito pouco se sabe sobre ela.

Maturidade


Não temos dados sobre a infância de Maria Olímpia Carneiro, mas é certo que ela se formou na Escola Normal de Curitiba, pois ela foi professora primária. Já nessa época, Maria se destacava pelos seus posicionamentos políticos.


Antes de ser eleita vereadora, por exemplo, Maria Olímpia foi dispensada da Fábrica de Viaturas Hipomóveis de Curitiba, uma unidade industrial do Exército — nela eram produzidas viaturas e demais equipamentos. Isso porque Maria questionou as condições de trabalho do local, posicionamento que a fez ser demitida.


Além disso, Maria Olímpia já era conhecida por visitar os bairros mais pobres de Curitiba, e questionar a desigualdade social na cidade. Não à toa ela defendia benfeitorias para a população periférica e lutava pelas famílias carentes. Isso lhe rendeu muita popularidade. 


Eleições de 1947


Três mulheres concorreram ao cargo de vereadora em 1947: Olga da Silva Blaster (professora), Maria da Conceição Suarez (tenente-enfermeira da FEB) e a professora Maria Olímpia Carneiro. Ela foi a única a vencer e ocupar uma das 20 cadeiras da Câmara de Vereadores de Curitiba.


Apesar de concorrer pelo Partido Social Trabalhista (PST), Maria Olímpia se identificava com a causa comunista. O PCB era influente naquele momento entre grupos operários e alguns setores intelectuais, sobretudo pela carismática figura de Luiz Carlos Prestes. Entretanto, uma vez que o partido era considerado ilegal, Maria escolheu se filiar ao PST. 

Casamento, atuação e perseguição


Em 1947, Maria Olímpia Carneiro se tornara noiva do maranhense Joaquim Mochel. Este homem cursava Agronomia na capital paranaense, e era membro do Comitê Municipal do PCB [1]. Três anos depois, Mochel já era Secretário Político do Partido em Curitiba (o mais alto posto), ano em que concorreu ao cargo de deputado estadual sob a alcunha de “candidato de Prestes”. Ele não venceu.


Além disso, em 1950, já casada com Joaquim, a vereadora Maria Olímpia integrava o quadro do PCB em Curitiba, junto de sua irmã, Anita Carneiro (Anita também era presidente da Associação dos Professores de Curitiba).


Apesar de conseguir uma boa inserção na Câmara, Maria Olímpia Carneiro Mochel teve dificuldades em permanecer na carreira política, principalmente após a sua entrada definitiva no PCB.


Desde as suas movimentações políticas anteriores à eleição, ela era monitorada pela Delegacia de Ordem Política e Social - DOPS. Durante o período em que esteve na Câmara, essa perseguição ficou acentuada, principalmente pelos ataques que sofreu da imprensa. Para impedir que Maria fizesse propaganda da 1.ª Conferência Estadual de Mulheres, por exemplo, os jornais diziam que se tratava de subversivas lideradas por desordeiras.


Na Câmara, o mesmo ocorreu. Maria Olímpia liderava grupos e ligas de valorização feminina, mesmo com a pressão exercida pela polícia. Além disso, em 1949, a vereadora leu publicamente o “Manifesto ao Povo de Curitiba”, em que atacou incisivamente o prefeito Lineu Ferreira do Amaral. Para ela, Amaral:


“beneficiava somente os granfinos, e não se peja(va) de decretar ilegalmente o aumento das tarifas de transportes coletivos, prejudicando a população pobre e sobrecarregando os orçamentos miseráveis dos que trabalham, já tão sacrificados com os preços dos gêneros de primeira necessidade, como a carne, o café e o pão".


Devido a essa atuação, Maria Olímpia foi duramente criticada por políticos e pela imprensa. Por isso, no último ano de seu mandato, ela abdicou do cargo de vereadora, sendo substituída pelo seu suplente Jorge Hedel Azhar, outro comunista filiado ao PST.


[1] A irmã de Joaquim era muito ativa também. Arcelina Mochel foi a primeira promotora pública concursada do Brasil (1936), além de ser uma das fundadoras do jornal “Momento Feminino”, que circulou entre os anos de 1947 e 1956 no Rio de Janeiro. Ela lutava pelos direitos das mulheres e, por essa militância, foi eleita vereadora no Rio de Janeiro.

A Revolta de Porecatu


 Durante e após o seu mandato, Maria Olímpia, Joaquim Mochel, José Rodrigues Vieira Neto, Flávio Ribeiro, Newton Câmara e João Saldanha mantiveram contato com a região de Porecatu, no norte do Paraná.


Os colonos dessa região se encontravam em situação complicada, pois as terras que habitavam estavam em litígio com o governo e as companhias de terra. Devido a essa fragilização dos posseiros, Maria Olímpia e os demais formavam grupos de estudo, cujo objetivo era ensinar questões ligadas ao direito à terra, eles também prestavam apoio jurídico aos moradores.


Com o tempo, o Partido Comunista interferiu mais na região, de forma a formar Ligas Camponesas. O resultado foi catastrófico: o estado e as companhias entraram em confronto com os posseiros ao longo de 1951, evento que ficou conhecido como a “Revolta de Porecatu”. O conflito terminou com a morte de centenas de pessoas, e com a fuga das que restaram. O grupo de Maria Olímpia participou dessas tensões.


Fuga pro Maranhão, filhos e morte


Não se sabe ao certo os motivos que fizeram os Mochel migrarem ao Maranhão, mas é provável que a atuação política do casal tenha inviabilizado a sua vida em Curitiba.


Em 1957, Maria Olímpia e Joaquim se estabeleceram em São Luís. Neste ano, ela seguiu os passos do pai e iniciou a carreira de médica, quando fez parte da primeira turma do curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Especializada em psiquiatria, é provável que tenha sido a primeira psiquiatra em atividade na capital maranhense.


Maria Olímpia e Joaquim tiveram cinco filhos: José Augusto e Lúcia, nascidos em Curitiba; Raul, natural do Rio de Janeiro; e Alice e Joaquim Filho, concebidos em São Luís do Maranhão.


Os filhos do casal provaram que a ancestralidade realmente pesa: José Augusto, Lúcia e Alice seguiram os passos da mãe e do avô e se graduaram em medicina. Raul, por sua vez, seguiu a carreira agronômica do pai. Quem fugiu à regra foi Joaquim Filho, que mudou para as veredas da Odontologia.


A pioneira vereadora de Curitiba, Maria Olímpia (a Carneiro que virou rebelde), faleceu no Maranhão em 25 de janeiro de 2008, aos 82 anos, nove meses após a morte do marido

Texto e pesquisa de Gustavo Pitz


Fonte de pesquisa:  


Gonçalves, Márcio Mauri Kieller. Elite Vermelha: um perfil sócio-econômico dos dirigentes estaduais do Partido Comunista Brasileiro no Paraná – 1945-1964, 2004.



Monteiro, Claudia. Politica entre razão e sentimentos: a militância dos no Paraná (1945-1947). Tese de doutorado, 2013.


Zeni-Leão, Viviane Maria. “Partidárias da Paz”: mulheres comunistas e a utopia de um mundo novo. ANPUH – XXIII Simpósio Nacional de História (UFPR). Londrina, 2005


https://www.curitiba.pr.leg.br/informacao/nossa-memoria/galeria-de-vereadoras/noticias-da-galeria-de-vereadoras-1/maria-olimpia-carneiro-mochel-a-primeira-vereadora-de-curitibasse