A Casa que Resistiu ao Tempo: A Residência de Renato Valente e o Olhar de Eduardo Fernando Chaves
Em meio ao pulso crescente de uma Curitiba em plena transformação nas décadas de 1930 e 1940 — quando bondes elétricos cruzavam ruas de paralelepípedos e a arquitetura começava a dialogar com o moderno sem abandonar o tradicional — ergueu-se, com modéstia e firmeza, uma residência que viria a desafiar o tempo: a Casa do Sr. Renato Valente, projetada pelo arquiteto Eduardo Fernando Chaves em 3 de novembro de 1936.
Localizada na Rua Alferes Ângelo Sampaio, bairro central e historicamente residencial de Curitiba, essa construção de dois pavimentos e 196 m² é muito mais do que um simples imóvel. É um testemunho material da vida burguesa urbana do período entre-guerras, um fragmento raro de uma era em que a cidade ainda respirava em escala humana, e em que cada casa carregava a assinatura silenciosa de seu dono — e de seu arquiteto.
Um Projeto de Precisão e Propósito
Assinado por Eduardo Fernando Chaves, profissional atuante na cena arquitetônica curitibana da primeira metade do século XX, o projeto da residência para o Sr. Renato Valente revela um domínio técnico refinado aliado a uma sensibilidade para o cotidiano. Chaves, embora não tenha alcançado a notoriedade de alguns de seus contemporâneos, deixou uma marca profunda na paisagem doméstica da capital paranaense, especialmente por meio de residências de pequeno e médio porte que combinavam funcionalidade, durabilidade e elegância discreta.
O projeto original, preservado em microfilme digitalizado no Arquivo Público Municipal de Curitiba, compõe-se de duas pranchas detalhadas, nas quais Chaves articula com clareza:
- Plantas dos pavimentos térreo e superior,
- Fachadas frontal, lateral direita e esquerda,
- Cortes estruturais (A-B e C-D),
- Implantação no terreno,
- Detalhamento da garagem e do muro de fechamento.
Essa minúcia não era meramente burocrática. Refletia uma ética do projeto típica da época: cada elemento — da inclinação do telhado à espessura dos muros — era pensado para servir, proteger e embelezar, sem excessos.
Construída em alvenaria de tijolos, técnica tradicional e amplamente utilizada na época, a casa combinava resistência estrutural com isolamento térmico — essencial para os invernos rigorosos do sul do Brasil. Apesar de possuir dois andares, sua área total é relatada como 196 m², o que sugere que o segundo pavimento pode ter abrigado quartos íntimos ou dependências secundárias, mantendo o térreo como zona social e de recepção — uma divisão espacial típica das residências burguesas da época.
Do Lar à Clínica: A Transformação Funcional
Embora inicialmente concebida como residência de pequeno porte, o imóvel sofreu, ao longo das décadas, uma mudança de uso que reflete as transformações urbanas de Curitiba: em 2012, já funcionava como espaço comercial destinado a consultórios médicos. Essa adaptação é um exemplo clássico de reutilização funcional de edificações históricas — uma prática que, quando bem conduzida, preserva a estrutura original enquanto dá nova vida ao edifício.
Felizmente, essa transição não comprometeu a integridade arquitetônica da fachada. Fotografias de Elizabeth Amorim de Castro, registradas em 2012, mostram que o imóvel ainda existia — e, mais importante, mantinha sua configuração original visível: janelas simétricas, proporções equilibradas, e o muro de fechamento que delimita com discrição o espaço privado. A garagem, detalhada no projeto original, também parece ter sido preservada, integrando-se harmoniosamente ao conjunto.
Um Legado Preservado
Ao contrário de tantas construções do mesmo período — como a residência do Dr. Flávio Suplicy de Lacerda, demolida antes de 2012 — a casa de Renato Valente resistiu. Sua sobrevivência não é acidental. É fruto de uma estrutura robusta, de um uso contínuo e respeitoso, e, talvez, da localização em uma rua de menor pressão imobiliária comparada às avenidas centrais.
Mas além da materialidade, há um valor simbólico: esta casa é um dos poucos exemplares documentados da produção residencial de Eduardo Fernando Chaves. Seus desenhos, alvarás e fotografias formam um arquivo vivo, que permite aos pesquisadores entender como se vivia, se construía e se habitava em Curitiba nos anos imediatos à Era Vargas.
Renato Valente, cujo nome pouco se sabe além de seu título de “senhor” — forma de tratamento comum à época —, tornou-se, involuntariamente, guardião de um pedaço da história urbana. Sua escolha por um arquiteto local, por materiais duráveis e por um projeto equilibrado, resultou em um legado que ultrapassou sua própria vida.
Conclusão: Memória em Tijolos e Cal
Hoje, ao passar pela Rua Alferes Ângelo Sampaio, quem olhar com atenção verá, entre os carros estacionados e as placas de consultórios, uma casa que não grita, mas sussurra sua história. Suas paredes de tijolos viram mudanças de governo, modas arquitetônicas, avanços tecnológicos. E mesmo transformada em espaço de cura — agora voltada para a saúde alheia, como outrora acolheu uma família —, continua sendo o que sempre foi: um lugar feito com cuidado, pensado para durar.
Eduardo Fernando Chaves, com sua régua e tinta nanquim, não apenas projetou uma casa. Projetou resistência. E Renato Valente, ao erguê-la, deu-lhe alma.
Que ela permaneça por mais décadas — não como monumento, mas como testemunha silenciosa da Curitiba que fomos, e da cidade que ainda podemos honrar.
#EduardoFernandoChaves
#RenatoValente
#ArquiteturaDeCuritiba
#PatrimônioPreservado
#ResidênciaAnos1930
#ArquiteturaResidencialParanaense
#RuaAlferesÂngeloSampaio
#AlvenariaDeTijolos
#HistóriaUrbana
#ArquivoPúblicoDeCuritiba
#ElizabethAmorimDeCastro
#ProjetosArquitetônicosHistóricos
#CuritibaPatrimônio
#ArquiteturaEcléticaNoBrasil
#CasasQueContamHistórias
#ConsultóriosMédicosEmEdifíciosAntigos
#MemóriaConstruída
#ArquiteturaDePequenoPorte
#TransformaçãoUrbana
#LegadoArquitetônico
#CuritibaEntreGuerras
#EdificaçõesHistóricasDoParaná
#FachadasCuritibanas
#PatrimônioArquitetônicoVivo
#ArquiteturaEPreservação
Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto
Denominação inicial: Residência para o Snr. Renato Valente
Denominação atual: Comercial – Consultórios Médicos
Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte
Endereço: Rua Alferes Ângelo Sampaio
Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 196,00 m²
Área Total: 196,00 m²
Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos
Data do Projeto Arquitetônico: 03/11/1936
Alvará de Construção: Nº 2270/1936
Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de residência, Alvará de Construção e fotografias do imóvel.
Situação em 2012: Existente
Imagens
1 - Projeto Arquitetônico com fachada, laterais e plantas dos pisos.
2 - Projeto Arquitetônico com cortes A-B e C- D, garagem e muro.
3 - Alvará de Construção.
4 - Fotografia da parte frontal do imóvel em 2012.
5 - Fotografia dos fundos do imóvel em 2012.
Referências:
1 e 2 - CHAVES, Eduardo Fernando. Residência para o Snr. Renato Valente. Planta dos pavimentos térreo e superior, fachada frontal, lateral direita e esquerda; planta com os cortes A-B e C-D da residência, garagem, implantação e muro, apresentados em duas pranchas. Microfilme digitalizado.
3 - Alvará n.º 2270
4 e 5 – Fotografias de Elizabeth Amorim de Castro (2012).
1 - Projeto Arquitetônico com fachada, laterais e plantas dos pisos.
2 - Projeto Arquitetônico com cortes A-B e C- D, garagem e muro.
3 - Alvará de Construção.
3 - Alvará de Construção.
3 - Alvará de Construção.
4 - Fotografia da parte frontal do imóvel em 2012.
5 - Fotografia dos fundos do imóvel em 2012.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.






