COMÉRCIO, SAÚDE E HUMOR NO PARANÁ — UM RETRATO DA VIDA URBANA EM 1913
COMÉRCIO, SAÚDE E HUMOR NO PARANÁ — UM RETRATO DA VIDA URBANA EM 1913
Edição nº 00009 — Ano I, Paraná, 1913
Introdução
Em pleno auge da Primeira República, o ano de 1913 marcou uma fase de intensa transformação no interior do Paraná. Cidades médias — impulsionadas pela erva-mate, pelo comércio de madeira e pela expansão ferroviária — consolidavam seus centros urbanos, com lojas, consultórios médicos, oficinas e redações jornalísticas. Nesse contexto, o jornal “A Bomba” surge como um órgão satírico, crítico e profundamente enraizado na vida cotidiana da província.
Sua edição nº 00009 traz duas seções fundamentais para o entendimento da economia local:
- O “Indicador da Rua 15 de Novembro” — um guia comercial com dezenas de estabelecimentos;
- Uma lista de médicos e profissionais liberais;
- Charges sociais que satirizam casamentos, bacharelismo e vaidades burguesas.
A seguir, apresentamos um levantamento detalhado de todos os comércios mencionados, o que vendiam, além de médicos, advogados e figuras públicas atuantes naquele ano.
PARTE 1: OS COMÉRCIOS DA RUA 15 DE NOVEMBRO — O QUE VENDIAM EM 1913
O “Indicador da Rua 15 de Novembro”, publicado em duas páginas, lista mais de quarenta estabelecimentos comerciais, organizados por número de casa. Abaixo, a relação completa, com descrição das atividades:
Casa Louvier (nº 40) – R. Hauser & Cia.
Comércio de tecidos finos, roupas prontas e artigos de moda importados da Europa. Frequentada pela elite urbana.Casa Barder (nº 41) – Johann Barder
Livraria e papelaria, especializada em livros escolares, cadernos, tintas e canetas. Um dos poucos pontos de venda de material didático na região.Casa Japonesa (nº 42) – Alvaro Jacobi & Cia.
Importadora de produtos japoneses: sedas, ventiladores de papel, utensílios domésticos, chapéus e porcelanas.Adrogueria Civil & Militar (nº 33) – Ladislau de Reis
Farmácia que vendia remédios, tinturas medicinais, óleos essenciais, vendas elásticas e instrumentos cirúrgicos. Atendia tanto civis quanto militares.Comissaria Liberal (nº 32) – J. Lacerda C. Pereira
Loja de víveres: açúcar, café, farinha, óleo, vinagre, conservas, além de ferragens e artigos de viagem (malas, lanterna, cantis).Casa Clark (nº 10) – F. Clark
Loja de departamentos com roupas, sapatos, chapéus, luvas, gravatas e lenços de seda.A Porteirinha (nº 1) – Falcão & Cia.
Comércio tradicional de alimentos secos e bebidas: feijão, arroz, aguardente, vinho e cigarrilhas.La Ville de Paris (nº 1) – J. Duhet
Moda feminina de luxo: vestidos, luvas de pelica, leques franceses, perfumes e joias falsas.Chapelaria Jacob (nº 43) – Jacob Woddy
Especializada em chapéus masculinos e femininos, importados da Alemanha e da França, em feltro, palha e veludo.Livraria Mundial (nº 44) – C. Caldeira & Cia.
Vendia romances, manuais técnicos, livros religiosos, mapas e jornais de fora. Tinha exemplares em português, alemão e italiano.Casa Contador (nº 39) – Gabriel Contador
Escritório de contabilidade, com serviços de escrituração, cobrança, gestão de patrimônios e consultoria fiscal para comerciantes e fazendeiros.Casa Modelo (nº 38) – Antônio B. Araujo
Móveis sob encomenda: armários, mesas de jantar, camas com dossel, feitos em peroba, imbuia e pinho.Casa de Calçados (nº 37) – Julio Alves & Cia.
Sapatos artesanais para homens, mulheres e crianças, com solado de couro e ajustes personalizados.Casa Americana (nº 36) – Florindo Londero
Importadora de produtos industriais dos EUA: máquinas de costura Singer, relógios de parede, lanternas, isqueiros e ferramentas.Casa Camara (nº 35) – M. Rocha & Cia.
Materiais agrícolas: sacos de estopa, cordas, sementes, adubos, foices, enxadas, foles para forja.Paladino & Monographia (nº 34) – J. Cardoso Rocha
Oficina tipográfica e papelaria fina: cartões de visita, convites de casamento, panfletos políticos, selos.Casa Almeida (nº 31) – Manoel de Almeida
Ferragens e quinquilharias: pregos, dobradiças, fechaduras, almofadas para costura, espelhos, abajures.Boticaria Central (nº 30) – Dr. José Pires de Lima
Além de remédios, vendia água de flor de laranjeira, extrato de valeriana, pós digestivos, loções capilares e pastilhas para tosse.Casa do Povo (nº 29) – Família Silva
Tecidos populares: chita, brim, flanela, cetim simples, vendidos por metro. Um dos pontos mais movimentados da rua.Relojoaria Moderna (nº 28)
Conserto e venda de relógios de bolso, correntes de ouro, algemas de pulso e peças de reposição.
(A lista completa inclui ainda cerca de 20 outros estabelecimentos, como ourivesarias, alfaiatarias, armazéns de secos e molhados, tabacarias e lojas de artigos religiosos.)
PARTE 2: MÉDICOS, ADVOGADOS E OUTROS PROFISSIONAIS
Além do comércio, “A Bomba” dedica espaço aos profissionais liberais, essenciais para a vida urbana:
- Dr. Antonio Ferreira de Almeida – clínico geral, atendia febres e doenças tropicais com quinino e sanguessugas.
- Dr. Joaquim Augusto de Oliveira – cirurgião e obstetra, formado no Rio de Janeiro.
- Dr. Luiz Gonzaga de Souza – homeopata, defensor dos “remédios suaves”.
- Dr. Carlos Alberto Mendes – dentista, usava clorofórmio para extrações.
- Dr. Manoel Theodoro da Silva – advogado, defensor de causas populares.
- Dr. Eduardo Marques Ribas – promotor e poeta, autor de versos cívicos.
PARTE 3: HUMOR E SATIRA SOCIAL
A edição também traz charges que refletem os costumes da época:
- “O anel simbólico do bacharel”: ironiza jovens recém-formados que ostentam anéis de formatura, mas não conseguem emprego.
- “Casamento à moderna”: satiriza noivos que preferem presentes em dinheiro a talheres de prata.
- “Os grandes descobridores”: parodia o ensino escolar, misturando Colombo com figuras inventadas.
Essas charges revelam uma sociedade em transição — entre tradição e modernidade, rural e urbano, província e cosmopolitismo.
Conclusão
A edição nº 00009 de “A Bomba” (1913) é um documento raro e valioso. Mais do que um jornal, é um inventário social: registra nomes, ofícios, bens, valores e contradições de uma sociedade em formação. Cada comércio listado, cada médico anunciado, cada charge publicada, compõe um mosaico vivo da vida paranaense no início do século XX — onde o comércio era o coração da cidade, e a imprensa, sua consciência crítica.