sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Ewaldo Hauer e a Casa na Rua Marechal Floriano Peixoto: Uma Residência de Médio Porte e o Traço de Eduardo Fernando Chaves na Curitiba de 1936

 Ewaldo Hauer e a Casa na Rua Marechal Floriano Peixoto: Uma Residência de Médio Porte e o Traço de Eduardo Fernando Chaves na Curitiba de 1936

Na Curitiba dos anos 1930, enquanto a cidade se expandia com o entusiasmo da modernidade e as promessas do progresso nacional, erguiam-se casas que não apenas abrigavam famílias, mas também expressavam identidade, status e visão de mundo. Entre essas construções, muitas hoje esquecidas ou desaparecidas, encontra-se a residência projetada pelo arquiteto Eduardo Fernando Chaves para o senhor Ewaldo Hauer — uma edificação de médio porte, localizada na Rua Marechal Floriano Peixoto, nº 2223, e que, apesar de demolida em 2012, conserva sua memória nos traços precisos de um projeto arquitetônico preservado em microfilme no Arquivo Público Municipal de Curitiba.

Este é o retrato de uma casa que existiu — não apenas como tijolos e telhados, mas como símbolo de uma época, de uma classe social em ascensão e do ofício refinado de um arquiteto comprometido com a estética e a funcionalidade.


Um Projeto para a Classe Média em Ascensão

Em 12 de agosto de 1936, poucas semanas após concluir o projeto para João Cavanha, Eduardo Fernando Chaves assinava os desenhos de uma residência bem mais ambiciosa: “Projécto de casa para o Snr. Ewaldo Hauer”. A grafia arcaica — com “c” em “projécto” — evoca a formalidade técnica da época, mas o conteúdo revela uma abordagem moderna, cuidadosa e detalhada.

Localizada numa das principais artérias do bairro Alto da Glória — então um dos núcleos residenciais mais prestigiados da capital paranaense —, a casa ocuparia um terreno na Rua Marechal Floriano Peixoto, nº 2223, rua nomeada em homenagem ao segundo presidente da República, símbolo do ideal republicano que ainda ecoava com força na sociedade brasileira.

Tratava-se de uma residência de dois pavimentos, com área total de 300,00 m² — um tamanho considerável para a época, especialmente em comparação com as moradias populares ou econômicas que dominavam os subúrbios. A escolha pelo sistema construtivo em alvenaria de tijolos indicava não apenas solidez estrutural, mas também vontade de permanência: aquela casa não era provisória; era feita para durar gerações.

O projeto, elaborado em duas pranchas, incluía:

  • Plantas dos pavimentos térreo e superior
  • Fachadas principal e lateral esquerda
  • Planta de implantação com garagem e muro
  • Cortes transversais A-B e C-D, revelando alturas, vãos e volumes internos

Esses elementos demonstram o rigor técnico de Chaves, que não se limitava a desenhar fachadas bonitas, mas pensava a casa como um organismo completo — integrado ao terreno, funcional nos ambientes e coeso na estética.


Ewaldo Hauer: Um Cidadão da Nova Curitiba

Pouco se sabe sobre Ewaldo Hauer, mas seu nome sugere origem alemã — comum na sociedade curitibana, especialmente entre comerciantes, engenheiros e profissionais liberais que compunham a elite urbana do início do século XX. A capacidade de encomendar uma casa de 300 m² em alvenaria, em um bairro nobre, indica que Hauer pertencia à classe média alta ou à burguesia local, talvez ligado ao comércio, à indústria incipiente ou ao funcionalismo público.

Em 1936, o Brasil vivia sob o Estado Novo, com forte centralização política e impulso à urbanização. Curitiba, com cerca de 100 mil habitantes, era uma cidade em transformação: bondes elétricos cruzavam suas ruas, novos bairros surgiam, e a arquitetura refletia uma mistura de ecletismo tardio, influências art déco e os primeiros sinais do modernismo. A casa de Ewaldo Hauer, embora não se saiba seu estilo exato (os microfilmes não permitem análise cromática ou textural), provavelmente equilibrava referências tradicionais com soluções contemporâneas — como era comum nos projetos de Chaves.

A inclusão de garagem no projeto é, por si só, um detalhe revelador. Em meados dos anos 1930, o automóvel ainda era um bem de luxo. Ter uma garagem própria indicava status, modernidade e integração ao novo ritmo da vida urbana.


Eduardo Fernando Chaves: O Arquiteto dos Detalhes

Embora não seja um nome amplamente celebrado nos manuais de história da arquitetura brasileira, Eduardo Fernando Chaves desempenhou papel fundamental na configuração do tecido residencial de Curitiba entre as décadas de 1920 e 1950. Seus projetos, como os de João Cavanha e Ewaldo Hauer, revelam um profissional versátil, capaz de atender desde a residência econômica de madeira até a moradia de médio porte em alvenaria com requintes de conforto e representação.

Chaves não buscava o espetáculo, mas a clareza funcional, a proporção harmoniosa e o respeito ao orçamento do cliente. Suas plantas são lógicas, seus cortes didáticos, suas fachadas equilibradas. Ele representava a arquitetura de serviço — aquela que, sem alarde, constrói a cidade dia a dia.

O fato de seus projetos terem sido microfilmados e arquivados pela Prefeitura de Curitiba mostra que eram considerados tecnicamente sólidos e em conformidade com as normas da época — um testemunho silencioso de competência profissional.


A Demolição e a Memória Arquitetônica

Assim como muitas construções do período pré-modernista, a casa de Ewaldo Hauer foi demolida em 2012. Não há registros públicos sobre o que ocupou seu lugar — talvez um edifício, talvez um terreno baldio. O que resta são os dois microfilmes digitalizados contendo as pranchas do projeto e o Alvará de Construção nº 2135/1936, documentos guardados no Arquivo Público Municipal.

Essa perda física é, infelizmente, comum em cidades que priorizam o novo em detrimento da memória. No entanto, a preservação documental é um ato de resistência. Graças a esses arquivos, podemos reconstruir, pelo menos no imaginário, a casa que um dia abrigou risos, silêncios, refeições de domingo e olhares pela janela do segundo andar.


Conclusão: Uma Casa que Fala de Uma Época

A residência de Ewaldo Hauer não foi um marco arquitetônico revolucionário, mas foi profundamente representativa. Representou a aspiração de uma classe social que acreditava no futuro, a habilidade de um arquiteto que transformava necessidades em formas habitáveis, e o espírito de uma Curitiba que, mesmo modesta, sonhava alto.

Hoje, ao contemplar os traços de Chaves — as linhas limpas da fachada, a distribuição racional dos quartos, a garagem integrada ao muro — vemos mais que um projeto: vemos a materialização de um modo de vida que já não existe, mas que deixou marcas profundas na alma da cidade.

Que a casa na Marechal Floriano Peixoto, embora demolida, continue viva nos arquivos, nas pesquisas e na memória coletiva — como um testemunho silencioso de que toda construção, por mais simples ou grandiosa, é, antes de tudo, um ato de esperança.


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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto

Denominação inicial: Projécto de casa para o Snr. Ewaldo Hauer

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Médio Porte

Endereço: Rua Marechal Floriano Peixoto, nº 2223

Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 300,00 m²
Área Total: 300,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 12/08/1936

Alvará de Construção: N° 2135/1936

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de residência e Alvará de Construção.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 – Cortes A-B e C-D da residência.
3 - Alvará de Construção.

Referências: 

1 e 2 - CHAVES, Eduardo Fernando. Projécto de casa para o Snr. Ewaldo Hauer. Planta dos pisos térreo e superior, fachadas principal e lateral esquerda, implantação, garagem e muro; planta com cortes A-B e C-D da residência representados em duas pranchas. Microfilme digitalizado.
3 - Alvará n.º 2135

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.

João Cavanha e a Casa de Madeira na Alameda D.ª Isabel: Um Retrato Efêmero da Curitiba de 1936

 João Cavanha e a Casa de Madeira na Alameda D.ª Isabel: Um Retrato Efêmero da Curitiba de 1936

Em meio ao ritmo acelerado das transformações urbanas que moldaram Curitiba ao longo do século XX, certas histórias permanecem apenas como traços em papel — arquivos empoeirados, microfilmes esquecidos, ou breves linhas em registros burocráticos. Entre essas memórias efêmeras, encontra-se a história de João Cavanha e sua residência projetada pelo arquiteto Eduardo Fernando Chaves em 1936: uma casa modesta, econômica, construída com o calor da madeira e a solidez simbólica da alvenaria — um símbolo de aspiração, trabalho e identidade em tempos de reconstrução nacional.

Um Projeto para o Cotidiano

No dia 23 de junho de 1936, em pleno auge do Estado Novo e sob o impulso modernizador do governo Vargas, o arquiteto Eduardo Fernando Chaves assinou os desenhos de um projeto que, à primeira vista, parecia simples: “Projéto de casa de madeira com frente em alvenaria para o Snr. João Cavanha”. A grafia antiga — com “j” em “projéto” e a formalidade do “Snr.” — transporta-nos imediatamente à linguagem técnica da época, onde até os documentos carregavam o peso da tradição.

Localizada na Alameda D.ª Isabel, nº 263, uma das vias residenciais em expansão da Curitiba dos anos 1930, a residência foi concebida como moradia econômica de um único pavimento, com área total de 96,00 m². O partido construtivo seguia uma lógica prática e econômica comum à época: estrutura principal em madeira, material abundante, acessível e amplamente utilizado nas edificações populares do sul do Brasil, com fachada em alvenaria de tijolos à vista, conferindo à casa uma aparência mais “urbana”, duradoura e respeitável perante os vizinhos e a administração municipal.

Esse detalhe — a alvenaria apenas na frente — não era meramente estético. Refletia uma estratégia de status social e conformidade urbana: enquanto o fundo e os lados podiam ser construídos com a rusticidade funcional da madeira, a fachada voltada para a rua exibia a solidez da pedra, sinal de estabilidade e civilidade. Era, em essência, uma casa que equilibrava realidade financeira e aspiração burguesa.

O Arquiteto e o Cliente: Duas Vidas na História Urbana

Pouco se sabe sobre João Cavanha. Seu nome não aparece em registros públicos extensos, nem em anuários comerciais da época. Provavelmente, era um trabalhador urbano — talvez empregado público, comerciante, artesão ou funcionário de alguma indústria em ascensão na capital paranaense. Em 1936, Curitiba contava com cerca de 100 mil habitantes e vivia um momento de relativa estabilidade econômica, impulsionado pelo comércio e pelos primeiros passos da industrialização. Para homens como João, ter uma casa própria — ainda que modesta — era um marco de realização pessoal e familiar.

Eduardo Fernando Chaves surge nos arquivos como um profissional ativo na cena arquitetônica curitibana da primeira metade do século XX. Seu nome está associado a diversos projetos residenciais, comerciais e institucionais, muitos deles destinados à classe média emergente. Embora não tenha alcançado a fama de nomes como Guinter Parschalk ou Abram Szwarcsberg, Chaves representava o roteiro cotidiano da arquitetura de serviço: projetos funcionais, bem resolvidos, adaptados ao orçamento e às necessidades reais dos clientes. Sua assinatura em plantas como a de João Cavanha revela um profissional comprometvido com a dignidade do habitar, mesmo nas construções mais simples.

O projeto entregue por Chaves incluía planta do pavimento térreo, planta de implantação, corte e fachada frontal, tudo reunido em uma única prancha — prática comum da época, onde a economia de papel e tempo era essencial. O documento, hoje preservado em microfilme digitalizado no Arquivo Público Municipal de Curitiba, é uma janela rara para o cotidiano construtivo da cidade.

A Casa que Existiu — e Desapareceu

Construída sob o Alvará nº 2030/1936, emitido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, a casa de João Cavanha foi erguida provavelmente ainda em 1936 ou no início de 1937. Durante décadas, serviu como lar — testemunha de nascimentos, refeições compartilhadas, festas de aniversário, talvez até de lutos silenciosos. Sua estrutura de madeira, sensível ao tempo e à umidade, exigiria manutenção constante; sua fachada de tijolos, por outro lado, resistiria com firmeza.

Mas o destino das edificações, especialmente as modestas, raramente é eterno. Em 2012, a casa foi demolida. Não há registros públicos sobre o motivo — talvez deterioração avançada, talvez especulação imobiliária, talvez a substituição por um empreendimento mais lucrativo. O que restou foi apenas o registro arquitetônico e o alvará, guardados como testemunhos silenciosos de uma vida que um dia habitou aquele espaço.

Legado em Papel: Memória Construída

Embora a casa física tenha desaparecido, seu projeto permanece como documento histórico. Ele revela não apenas as escolhas técnicas de um arquiteto e as necessidades de um cliente, mas também os valores sociais, econômicos e culturais de uma época. A opção pela madeira, a fachada em alvenaria, o tamanho contido, a localização em uma alameda arborizada — tudo isso compõe um retrato da Curitiba que se urbanizava, que buscava modernidade sem abandonar as raízes materiais e afetivas do sul do Brasil.

Hoje, ao estudar esse projeto, não vemos apenas linhas e cotas. Vemos os sonhos de um homem chamado João Cavanha, que, em 1936, decidiu construir um lar. Vemos as mãos de um arquiteto que transformou necessidade em forma. E vemos, também, a fragilidade da memória urbana — aquilo que construímos pode desaparecer, mas a história que deixamos nos arquivos pode resistir ao tempo.

Que a casa na Alameda D.ª Isabel, embora demolida, continue viva na memória da cidade — não como um monumento, mas como um exemplo comovente do habitar comum, digno e verdadeiro.


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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto e Construtor

Denominação inicial: Projéto de casa de madeira com frente em alvenaria para o Snr. João Cavanha

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência Econômica

Endereço: Alameda Dª. Isabel, 263

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 96,00 m²
Área Total: 96,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Madeira

Data do Projeto Arquitetônico: 23/06/1936

Alvará de Construção: Nº 2030/1936

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de casa de madeira com frente em alvenaria de tijolos e Alvará de Construção.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.

Referências: 

1 – CHAVES, Eduardo Fernando. Projéto de casa de madeira com frente em alvenaria. Planta do pavimento térreo e de implantação; corte e fachada frontal apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
2 – Alvará n.º 2030

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.