sábado, 31 de dezembro de 2022

EDIFÍCIO ROSA ÂNGELA PERRONE

 

EDIFÍCIO ROSA ÂNGELA PERRONE



No ano de 1950, brota no Centro um gigante com notáveis quinze andares, elemento estranho aos casarões de dois pisos que marcam os arredores de uma região considerada uma das mais antigas da cidade.

O edifício foi implantado na esquina de duas ruas históricas, a São Francisco e a Riachuelo. Fica ao lado de pontos tradicionais como o Restaurante São Francisco, fundado em 1955 e que permanece no local servindo a famosa rabada à moda da casa até os dias de hoje, e o Nonna Giovanna, restaurante de massas e carnes conhecido pelo saboroso filé à parmegiana, presente na rua desde 1986.

A Rua São Francisco, curiosamente, já foi conhecida como Rua do Fogo. Algumas teorias afirmam que esse nome foi dado por conta de senhoras que comandavam a cafetinagem ocupando vários casarões pelas redondezas. Já uma outra teoria diz que o nome foi dado devido a um grande forno existente em uma ferraria que funcionava por ali.

O edifício está próximo a espaços públicos bem conhecidos da cidade, como o Largo da Ordem, que recebe a tradicional "feirinha" aos domingos, e a Praça Generoso Marques, endereço que abriga o espaço cultural SESC Paço da Liberdade.

Segundo relatos de moradores, nos tempos antigos era possível usufruir de uma bela vista para a Serra do Mar, mas que acabou impedida pela verticalização da cidade. O uso residencial, no entanto, liberou o seu pavimento térreo para o uso de lojas comerciais, atualmente ocupadas por um salão de cabeleireiros e por um brechó, comércio comum pela redondeza, assim como lojas de móveis antigos.

Na concepção estética do edifício, o arquiteto Romeu Paulo da Costa fez uso de uma linha simplificada remetendo ao estilo art déco, aproveitando-se do lote do terreno para a conformação da volumetria. Na fachada, balcões percorrem as duas laterais do edifício, evidenciando o ritmo dos pavimentos intercalados com esquadrias pontuais construídas em madeira. Apesar da altura imponente, o prédio possui um acesso tímido com uma portada revestida em pedras de granito.

Texto do arquiteto Guilherme de Macedo para o livro Prédios de Curitiba, disponível no site do Lona Arquitetos.

O CASARÃO SCANDELARI

 

O CASARÃO SCANDELARI



"“Nina, não deixe as paredes caírem”. Angela, chamada por todos de Nina, já tinha entendido o recado de seu pai, João Scandelari, mas ele continuava repetindo o alerta. Até que ela acordou. Aquilo não passara de um sonho — seu pai havia falecido semanas antes. Após sua morte, o terreno de 24 alqueires em que o imigrante italiano construiu seu casarão no Barreirinha, em Curitiba, foi dividido em lotes para seus herdeiros. Cada um iria vender a sua parte, inclusive a que comportava a casa, que seria demolida pelo novo proprietário. Mas depois do sonho, justamente na noite que antecedeu a venda, Nina tomou uma decisão: iria ficar com o lote do casarão e preservar o imóvel que representava a história de sua família na capital paranaense.

Décadas se passaram após o sonho de Nina, e o casarão da família Scandelari continua intacto na Avenida Anita Garibaldi. Do endereço mudou apenas o número ao longo do tempo: de 5054 para 5094. O imóvel, que é hoje uma unidade de interesse e preservação da cidade, foi construído por volta de 1883, data que foi encontrada gravada em uma viga do sótão. O aspecto externo permanece fiel à concepção original. De acordo com estudos de preservação realizados em 1978 pela Casa Romário Martins, da Fundação Cultural de Curitiba, o próprio João Scandelari construiu a casa com a ajuda de mais dois homens. Daquele imóvel fez o lar de sua família e fonte de renda: na entrada criou a Casa Scandelari, armazém de secos e molhados que existiu até o início da década de 1970."

Trecho extraído da matéria por "Stephanie D’Ornelas", para o Caderno Haus da Gazeta do Povo. Leia mais aqui. Copyright © 2018, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

A matéria da Gazeta foi o motivo que levou o USK Curitiba à Barreirinha no último sábado para registrar esse belo casarão na avenida Anita Garibaldi, que naquele trecho é perigosa pela velocidade dos carros em ambas as direções.

A CASINHA DO SEU NIQUINHO E DONA JÚLIA

 

A CASINHA DO SEU NIQUINHO E DONA JÚLIA













A segunda casinha que visitei na companhia da família Oliveira Simões no Ganchinho me deixou de queixo caído pela beleza dela (incluindo seu incrível interior) e também, pela fabulosa propriedade na qual ela está implantada, que publicarei noutro dia.

Fiquei espantado por saber que naquela casinha tão pequena, morou uma família de oito pessoas e ali foram muito felizes. Pedi ao Luiz Antônio que contasse um pouco da história da casinha. Ele me enviou um lindo texto, o qual reproduzo na íntegra abaixo. Agradeço ao Luiz Antônio pelo relato e à sua família, Miriam Leonila, Luiz e Pedro.

Casa quase centenária, foi residência da família Simões Oliveira por mais de 60 anos.

Adquirida e 1957 por ocasião do casamento do senhor Antônio Simões de Oliveira (Seu Niquinho) e Dona Julia da Rocha, foi retirada do lugar onde há anos já servia de residência para outra família e remontada no endereço onde se encontra até hoje.

Nesta pequena casa, o meu pai seu Niquinho, como era conhecido, e Dona Júlia minha querida mãe, construíram sua família. Tiveram oito filhos, dois dos quais são falecidos. Os filhos vivos: José Luiz, Maria Lucia. Luiz Antônio (este que vos escreve), João Marcos, Tadeu Carlos e Inês Terezinha.

Trabalhando como lavrador meu pai, criou os seis filhos com muita dificuldade, porém nunca faltou à família dignidade e respeito. Casa simples, sem energia elétrica e pouco conforto, era composta de dois quartos, sala, cozinha e um sótão.

O fogão a lenha sempre com as panelas de comida e as canequinhas de chá feito carinhosamente pela mamãe Júlia, era o aconchego de toda família nos dia de muito frio. O varal estendido sobre o fogão servia tanto para secar roupa quanto para defumar lingüiça caseira, feita com a carne dos porcos criados no chiqueiro. Dentre as criações, além de porcos tinha também galinhas, patos, cabras e os cavalos utilizados pelo meu pai na lida da terra, de onde ele tirava o sustento da família.

Esta linda casa abrigou com simplicidade a nossa família e nos deixou muitas lembranças. Com toda certeza a melhor delas eram as reuniões de finais de ano, quando a casa ficava cheia de gente, barulho e muita alegria.

Filhos, noras, genros e netos, a rodear o Noninho e a Noninha, ouvindo suas histórias e saboreando o famoso pato assado no forno a lenha e a cuca feita pela Nona Júlia, com gasosa de framboesa que tinha sabor de felicidade.

Com o falecimento dos meus pais, as reuniões terminaram. Mas, ficou o sentimento de união, amor e respeito que recebemos deles e tentamos passar para os nossos filhos.

UMA CASA NÃO É SÓ UMA CASA, SE NELA HABITAR UMA BELA FAMÍLIA!

A PADARIA AMÉRICA

 

A PADARIA AMÉRICA







Estive nessa semana na Padaria América da Rua Carlos Cavalcanti para encontrar os amigos Fabiano, Raro e Simon para dali irmos à Santos Andrade.

Antes de entrar na padaria, percebi uma fila na entrada o estacionamento, que se explicou rapidamente quando uma funcionária saiu de dentro do prédio com várias sacolas, distribuindo o que imagino fosse pão, para cada pessoa. Tomamos um belo café da manhã, levando para casa uma broa de centeio. No salão onde tomamos café, há várias fotos antigas e até a porta do primeiro forno a lenha da padaria da década de 1920.

A saga da família Engelhardt e da “Padaria América” no Brasil, iniciou-se em 1882, quando o alemão Friedrich Philipp Ludwig Eduard Engelhardt resolveu tentar a vida em outro continente.

Friedrich, era pedreiro e carpinteiro na Alemanha. Em 1885, foi um dos fundadores da “Sociedade Rio Branco” e da primeira cervejaria a vapor de Curitiba.

Foi Eduardo, seu filho, quem fundou a primeira Padaria América, em 1913. Nessa época, funcionava como um armazém de secos e molhados, o qual levava o mesmo nome na fachada. Localizava-se então, na esquina das ruas Alferes Poli com Sete de Setembro.

Em 1914, a “Padaria América” mudou-se para a esquina das ruas Paula Gomes e Trajano Reis. Foi quando adquiriu definitivamente o nome “Padaria América”, devido ao nome da rua aonde se localizava – Rua América – antigo nome da Rua Trajano Reis.

Seu Eduardo era casado com dona Elsa e, em 1917, nascia o filho Evaldo Ernesto Engelhardt, a quem seu Eduardo passou todo o conhecimento sobre a padaria e suas receitas.

Em 1928, a “Padaria América” se estabeleceu na esquina das ruas Trajano Reis e Presidente Carlos Cavalcanti, onde se encontra até os dias atuais.

Fonte e onde vocês poderão ler na íntegra essa bela história: site da Padaria América.

A Padaria América fica na Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 942 - São Francisco.

O PARQUE LAGO AZUL NO UMBARÁ

 

O PARQUE LAGO AZUL NO UMBARÁ






Ao se casar com Luiza Micheleto, Ângelo Segala não supunha que a área de grande declividade, por ela herdada do pai, Antônio Micheleto, seria transformada pelo esforço do seu trabalho. Na época, nas terras da família, plantava-se de tudo um pouco: milho, feijão, batata e até um parreiral para a produção caseira de vinho. No entanto, para mover o moinho que tencionava construir, Ângelo precisou represar o rio Ponta Grossa, que servia de limite à propriedade. Trabalho exaustivo, pois, para locais mais altos do terreno, foi retirado, com carrinho de mão, o material necessário para formar o lago.

Único da região nos idos de 1940, o moinho dos Segalas atraía muitos moradores da vizinhança. Vinham trocar milho por fubá. No moinho, também se produzia a energia elétrica que abastecia a família. Um sistema de dínamos, inventado pelo próprio Ângelo, carregava baterias, permitindo o uso de lâmpadas de 12 volts, que permaneciam o dia inteiro acesas numa época em que não havia luz elétrica no Umbará. Além dessa melhoria, pequenos prazeres, como ouvir rádio passaram a fazer parte do cotidiano. Parentes e conhecidos, sabendo disso, também começaram a levar baterias para carregar.

Graças ao uso do moinho, muitos conheceram a propriedade e, encantados com o local, pediam para retornar a passeio. Aos poucos, o lago, construído por Ângelo Segala para mover o moinho, passou a ser reconhecido como um local aprazível onde todos eram bem recebidos.

Ângelo não imaginou quando fez o lago que o local, anos depois, se tornaria um dos recantos de lazer dos mais aprazíveis. Na época, poucas eram as áreas para atividades ao ar livre existentes em Curitiba. Semelhante ao Lago Azul, somente o Tanque do Bacacheri, no outro extremo da cidade.

Antes mesmo de ser oficialmente batizado, no começo dos anos de 1960, o lago já atraia muita gente. Os proprietários nunca impediram o acesso. Foi quando Ângelo Segala recebeu, de um homem que se dizia empresário, proposta de sociedade para abrir o imóvel como área para lazer. A denominação Lago Azul é desse tempo. Era assim que o empresário veiculava anúncios nas rádios, que atraíam levas de visitantes.

A sociedade não foi pra frente, mas o nome e o sucesso do empreendimento permaneceram. Até um comércio para bebidas foi instalado pelos Segalas para atender às centenas de pessoas que, semanalmente, lotavam as margens do lago. A popularidade foi tal, que uma linha de ônibus especial foi criada para, nos fins de semana, fazer o trajeto Praça Rui Barbosa - Lago Azul. Além daqueles que procuravam pelo lazer, o local também recebia grupos que realizavam batizados coletivos e o Exército, que utilizava a propriedade para treinamento, pois a amplidão do parque era propícia para atividades diversas.

O Lago Azul transformou-se na praia dos curitibanos. O encontro entre amigos e familiares para um churrasco, um jogo de futebol ou brincadeiras à beira d’água, e recreações como nado, pesca, remo, tornaram-se prática corriqueira até meados da década de 1990.
A ideia de transformar a propriedade da família Segala num parque municipal veio desde meados da década de 1990, época em que, devido à poluição do rio Ponta Grossa, a procura pelo lago decresceu. Desde então, esta era uma reivindicação da comunidade, principalmente dos antigos frequentadores, que gostariam de ver preservado esse lugar de boas recordações.

A propriedade foi adquirida pelo município de Curitiba no ano de 2007, que após reformas e restauros, passou a funcionar como parque em 2009. Com uma área de 128.500 metros quadrados, o parque teve toda sua estrutura revitalizada. A casa da família, bem como o paiol e o moinho, foram recuperados, mantendo-se, assim, a organização original da propriedade. Além disso, novos equipamentos foram instalados, como estacionamento, pista para caminhada, pontes em madeira, decks, trapiche, mirante, churrasqueiras, canchas esportivas, uma praça d’água formada por um piso de cimento com pedriscos no fundo e o parque orgânico, espaço gramado com relevos para as crianças brincarem.

De acordo com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, o parque é frequentado por mais de 10 mil pessoas nos fins de semana, mas é na memória dos moradores do Umbará e Ganchinho que o parque ocupa um espaço afetivo importante, como na do meu anfitrião na visita ao Umbará/Ganchinho, Antônio Oliveira, que me contou que quando era estudante e por algum motivo não tinha aula, ao invés de ir direto para casa para ajudar o pai na roça, parava com amigos na propriedade do Seu Ângelo Segala para nadar no lago, tendo a cumplicidade do Seu Ângelo, que nunca entregou os piás para os pais.

Fonte: Fundação Cultural de Curitiba e Luiz Antônio de Oliveira.

Histórias de Curitiba - Chico Lingüiça

 

Histórias de Curitiba - Chico Lingüiça

Chico Lingüiça
Otto Hildebrando Doetzer

Nos finais da década de 30, mudou-se para uma velha casa de madeira ao lado da Vila Erydan pertence à família Pacheco, na antiga Rua Bandeirantes, hoje engenheiro Rebouças, um senhor louro de origem eslava ou austríaca, Er-vino Wolneski, casado com uma mulata.
Era Pintor de paredes.
Vivia humildemente e habitavam na mesma casa cunhados e cunhadas.
Quando lhes faltava dinheiro para comprar lenha, arrancavam ripas das cercas divisórias, ou então tábuas do apodrecido assoalho da casa.
Chico Lingüiça era seu apelido. Fanático por futebol, como não tinha condições de comprar ingressos para os jogos, costumava burlar a vigilância dos guardiães, pulando a cerca de tábuas que rodeava o estádio do Atlético para ali assistir as partidas do seu time.
Naquela época, alguns companheiros do bairro que estudavam no Instituto Santa Maria aprenderam a desenhar razoavelmente com tinta nankin e colorir com tinta aquarela.
Murilo Pacheco, Aristóxenes Dal'Stella, Benno
Doetzer e eu tivemos então a idéia de passar um trote no vizinho Chico Lingüiça, confeccionando uma carteira do Clube Atlético Paranaense como ingresso permanente.
Desenhamos o distintivo com todos os detalhes, marcamos o local da fotografia com a indicação "Cole aqui sua Fotografia"e embaixo fizemos constar uma assinatura com o nome do presidente Capitão Manuel Aranha.
A seguir enviamos o documento pelo Correio, acompanhado de um ofício o qual destacava a grande devoção do senhor Ervi-no pelo Clube Atlético Paranaense e que sendo desejo do clube engrossar as fileiras dos verdadeiros torcedores, resolveu em sessão do conselho conceder-lhe um ingresso permanente.
Terminava o ofício com a mesma assinatura do Capitão Manuel Aranha e o lema "Uma vez Atlético sempre Atlético".
Depois desse dia, sempre na hora da chegada do carteiro, ficávamos espiando no porão ao lado da cerca divisória, para ver se vinha a esperada correspondência.
Até que chegou o dia! Toda a casa do Chico ficou em alvoroço.
Raríssimas vezes haviam recebido correspondência.
Horas depois, rodeados de curiosos no bar da esquina, podíamos ver no rosto do Chico Lingüiça sua imensa satisfação em exibir a vistosa "Carteira Permanente". Apenas mostrava-a, sem largá-la da mão.
Nossa grande expectativa agora era aguardar o primeiro domingo de jogo no Atlético.
Almoçamos mais cedo nesse dia e o aguardamos a saída do seu Ervi-no.
Pouco depois de uma hora da tarde, lá saiu ele, todo vaidoso com sua roupa domingueira meio surrada, acompanhado dos cunhados e um séquito de admiradores.
Desceu pela Rua Bandeirantes até o campo na Rua Buenos Aires. Nós o seguimos de longe para gozar seu vexame.
Qual não foi nossa surpresa e decepção quando o porteiro, por certo analfabeto, perfilou-se respeitosamente a entrar.
Desde então, sempre nos domingos de jogo no campo do Atlético, lá estava o Chico Lingüiça, todo prosa assistindo o seu amado jogo de futebol.

Otto Hildebrando Doetzer é engenheiro civil e professor da UFPR.

Histórias de Curitiba - As Polonesas do Louvre

 

Histórias de Curitiba - As Polonesas do Louvre

As Polonesas do Louvre
Ilka Marquez Munhoz (in memorian)

Os acontecimentos importantes em Curitiba, no fim da década de vinte, tinham por palco a Rua XV de Novembro.
Nos estabelecimentos onde serviam o gostoso cafezinho paranaense, entre mesinhas de mármore, redondas, perambulavam garçons sonolentos, carregando displecentemente dois bules de metal com cabos de madeira.
Regorgitavam grupos que marcavam encontros: políticos, comerciantes, profissionais liberais e jovens acadêmicos, amigos que, algomerados nas pequenas mesas, discutiam e resolviam problemas, elegantemente, mas com muito ruído ou, as vezes, aos sopapos.
Bem no meio da rua circulava o bonde elétrico, com sua imponente carretilha soltando faíscas.
Nesse mesmo local situava-se o prédio do grande magazin "O Louvre", ostentando belo estilo francês.
Em duas grandes vitrines exibia os últimos lançamentos de sedas francesas, casimiras inglesas e panos preciosos para cortinas e
estofados.
Seu proprietário, o Sr. Braun, vestindo elegantemente terno claro e gravata, sempre gentil e sorridente, atendia costes-mente às senhoras que vinham em busca ds novidades européias.
As vitrines possuíam, como molduras, uma saliência que, na parte de baixo, tinha a altura de um banco e servia de assento aos passageiros do bonde, à espera da morosa condução.
Bem cedo, mal começado o dia, ali também reuniam-se as polonesas, aguardando trabalho: limpar uma casa recém pintada ou lavar uma calçada...
Elas davam alegria e movimento ao lugar, com seus lenços coloridos amarrados sob o queixo, saias rodadas cobrindo botinhas, às vezes cambaias, vassouras e baldes nas mãos.
Diante de qualquer necessidade ou dificuldade no serviço ouvia-se logo: "Vá buscar uma polonesa do Louvre!"
Conversavam em altas vozes, num linguajar que ninguém entendia, riam a bandeiras despre-gadas, contando as aventuras da véspera.
Assim se deicxavam ficar, até a última desparecer, comboiada pelo empregador retardatário, que a contratava após custosa negociação.
No dia seguinte, mal raiava o sol, retornavam, para recomeçar a faina, disciplinadas, verdadeiros soldados, empunhando baldes e vassouras qual armas, prontas para o combate de seu ganha-pão.
Descansavam seus corpos doídos sentando nas luxuosas vitrines do Louvre, contando novamente histórias entremeadas de gritos nervosos e gargalhadas espetaculares, sem dar importância aos transeuntes, que aliás nada entendiam. E tudo começava outra vez...
Onde estarão as polonesas do Louvre?

Ilka Marquez Munhoz foi coordenadora honorária das entidades das senhoras Rotarjanas Brasil.

Histórias de Curitiba - O mito Maria Bueno - final

 

Histórias de Curitiba - O mito Maria Bueno - final

O mito Maria Bueno

final
Valêncio Xavier

Em 1948, Sebastião Isidoro Pereira publica "Maria Bueno", onde "a alma de Maria Bueno contribuiu com a força do seu milagre e autuou em nosso cérebro inun-dando-o com os pensamentos necessários".
Nesta visão psicografada, Maria Bueno seria morretense, última de uma série de 7 filhas.
Maltratada pelo pai alcoólatra, foi viver na casa de uma irmã casada, perto da Capela do Tamandoá, em São Luiz do Purunan.
Moça bonita e muito dada, Maria Bueno provoca amores pecaminosos por parte de seu cunhado.
Para evitar o pior, ela decide entrar num convento.
Os padres da capela do Tamandoá mandam Maria Bueno para Curitiba, aos cuidados de um casal de velhos.
Morto o marido, ela passa a ajudar a viúva nas despesas da casa, fazendo serviços para fora, e fica noiva dum rapaz de Morretes.
Na madrugada de 29 de janeiro de 1893, Maria Bueno atendia uma festa numa casa perto, quando recebe um bilhete da viúva chamando-a.
Apesar do adiantado da hora, volta para casa atravessando um matagal na rua Campos Gerais (Vicente Machado), entre Visconde de Nácar e Visconde do Rio Branco.
Rui Wachowicz, em sua pesquisa, afirma ser essa região a zona do meretrício da época. Lá se encontrava emboscado Inácio José Diniz que enviara o bilhete falso.
Diniz tenta violentá-la e, ao defender sua honra, Maria Bueno é degolada pelo assassino.
Essa versão novelesca é adotada pelos devotos e, em 1980, serve de enredo para uma telenovela de Paulo de Avelar, transmitida com sucesso pela finada TV Paraná. De acordo com essa versão é como Maria Bueno se apresenta quando baixa em alguns terreiros de umbanda de Curitiba.
Na década de 1960, Arnaldo Azevedo, ex-campeão sulamericano de tênis, cria a Irmandade Maria Bueno e resolve construir uma capela no túmulo dela.
Convoca 7 virgens, 7 médiuns e 7 videntes.
Através duma das virgens em transe, Maria Bueno aprova os planos da construção, reconhece como sua uma foto onde a uma moça branca veste blusa com zipper, útil aparato que só será inventado nos anos 1920. Essa foto vai orientar um menino de dez anos para esculpir a imagem de Maria Bueno que encima seu túmulo. A confusão com fotos parece ser uma constante em Maria Bueno.
No livro "Ruas e Histórias de Curitiba"(l989), Valério Hoerner publica como autêntica uma foto do julgamento de Diniz, onde réu, público e guardas aparecem com roupas e fardas dos anos 1940.
A inauguração em 1962 da capela no túmulo de Maria Bueno no Cemitério Municipal traz novo alento e novas lendas ao culto. A Irmandade se encarrega não só de vender velas e recolher dinheiro, mas também de espalhar os milagres: o mais repetido é o dos ladrões que tentam arrombar o cofre onde os devotos depositam suas doações, e não conseguindo põem fogo na capela, milagrosamente o fogo se apaga e não atinge a imagem de Maria Bueno. O dinheiro que a Irmandade recolhe só Deus sabe onde vai.
As romarias são intensas na capela de Maria Bueno, principalmente nos finados, quando há filas quilométricas.
No início, os pedidos eram para casos de amor: arranjar marido, para o marido voltar a amar a mulher e deixar de beber, coisas assim.
Nos últimos anos, com a crise, a maioria dos pedidos é para arranjar emprego.
Coisa que nem Maria Bueno consegue mais resolver

Valêncio Xavier é escritor.

Histórias de Curitiba - O mito Maria Bueno

 

Histórias de Curitiba - O mito Maria Bueno

O mito Maria Bueno

1a parte
Valêncio Xavier

As certezas sobre Maria Bueno, santa canonizada pelo povo, repudiada pela Igreja, se resumem nas notícias publicadas nos jornais após seu trágico assassinato na madrugada de 29 de janeiro de 1893, em Curitiba.
Segundo o "Diário do Comércio"de 30 de janeiro de 1893, Maria Bueno era "uma dessas pobres mulheres de vida alegre", (um eufemismo para prostituta) e fora assassinada a navalhadas numa cena de ciúmes.
O assassino teria sido seu amante, o anspeçada (na época, o primeiro posto acima de soldado) e barbeiro do 8o Regimento de Cavalaria, Inácio José Diniz.
Nos autos do processo hoje desaparecido, o laudo do médico legista daria Maria Conceição Bueno como de cor parda (não branca como sua imagem no túmulo), 30 anos presumíveis, de profissão lavadeira.
Nunca antes em Curitiba acontecera crime tão brutal, a cabeça quase separada do corpo e as mãos de Maria Bueno cheias de cortes pelos golpes de navalha ao tentar defender-se.
O motivo do crime teria sido ciúmes e aqui entram as duas versões sem provas, pois tanto o inquérito policial, quanto aos autos do processo não mais existem.
Na versão dos detratores de Maria Bueno, Diniz havia proibido que ela fosse ao bordel naquela noite.
Ela foi e Diniz matou-a pela desobediência.
Na versão dos devotos, Maria Bueno ao entregar roupa lavada foi morta ao resistir à tentativa de Diniz estrupá-la.
Diniz foi preso, julgado e, no julgamento, absolvido.
Isso está documentado pela imprensa.
Em 'A República "de 13 de julho de 1893, o repórter qua acompanhou o julgamento protesta contra a absolvição: "um grave perigo para a sociedade e incentivo à reprodução de novos crimes". Mas, o repórter não nos diz sob quais alegações a defesa conseguiu a absolvição.
Para os retratores de Maria Bueno, a absolvição seria prova bastante de que ela não era nenhuma santinha.
Inácio José Diniz comete um latrocínio em 1894, quando Curitiba estava invadida pelas tropas fe-deralistas.
Pelo crime teria sido degolado por ordem de Gumercin-do Saraiva, comandante federalis-ta.
Para os devotos de Maria Bueno, este foi o primeiro milagre da santa: seu assassino morreu degolado como a degolou.
Dizendo ter visto os autos deste processo, Euclides Bandeira cita o novo crime de Diniz em "Crônicas locais", de 1941. Mas não se tem registro de sua degola.
David Carneiro, em seu "Os Fuzilamentos de 1894", confirma o fuzilamento, não a degola, dos criminosos e não cita Diniz entre eles.
O local do crime virou ponto de devoção, porém os padres da Matriz teriam se recusado a encomendar o corpo e rezar missa por ser Maria Bueno prostituta.
Em 1992, em fundamentada pesquisa publicada no "Nicolau"n° 45, Ruy Wachowicz sugere que a recusa dos padres fora por ser ela praticante de outra religião.
Que outra religião seria? Macumba? Nas peças "Os Fuzis de 1894"(1970), de Walmor Marcelino, e Maria Bueno"(l975), de Oracy Gemba, essa visão de Maria Bueno um-bandista "pomba-gira"já fora ane-cipada.
Maria Bueno, santa ou prostituta? Mais detalhes na sequencia.

Valêncio Xavier é escritor.