sábado, 31 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - Chico Lingüiça

 

Histórias de Curitiba - Chico Lingüiça

Chico Lingüiça
Otto Hildebrando Doetzer

Nos finais da década de 30, mudou-se para uma velha casa de madeira ao lado da Vila Erydan pertence à família Pacheco, na antiga Rua Bandeirantes, hoje engenheiro Rebouças, um senhor louro de origem eslava ou austríaca, Er-vino Wolneski, casado com uma mulata.
Era Pintor de paredes.
Vivia humildemente e habitavam na mesma casa cunhados e cunhadas.
Quando lhes faltava dinheiro para comprar lenha, arrancavam ripas das cercas divisórias, ou então tábuas do apodrecido assoalho da casa.
Chico Lingüiça era seu apelido. Fanático por futebol, como não tinha condições de comprar ingressos para os jogos, costumava burlar a vigilância dos guardiães, pulando a cerca de tábuas que rodeava o estádio do Atlético para ali assistir as partidas do seu time.
Naquela época, alguns companheiros do bairro que estudavam no Instituto Santa Maria aprenderam a desenhar razoavelmente com tinta nankin e colorir com tinta aquarela.
Murilo Pacheco, Aristóxenes Dal'Stella, Benno
Doetzer e eu tivemos então a idéia de passar um trote no vizinho Chico Lingüiça, confeccionando uma carteira do Clube Atlético Paranaense como ingresso permanente.
Desenhamos o distintivo com todos os detalhes, marcamos o local da fotografia com a indicação "Cole aqui sua Fotografia"e embaixo fizemos constar uma assinatura com o nome do presidente Capitão Manuel Aranha.
A seguir enviamos o documento pelo Correio, acompanhado de um ofício o qual destacava a grande devoção do senhor Ervi-no pelo Clube Atlético Paranaense e que sendo desejo do clube engrossar as fileiras dos verdadeiros torcedores, resolveu em sessão do conselho conceder-lhe um ingresso permanente.
Terminava o ofício com a mesma assinatura do Capitão Manuel Aranha e o lema "Uma vez Atlético sempre Atlético".
Depois desse dia, sempre na hora da chegada do carteiro, ficávamos espiando no porão ao lado da cerca divisória, para ver se vinha a esperada correspondência.
Até que chegou o dia! Toda a casa do Chico ficou em alvoroço.
Raríssimas vezes haviam recebido correspondência.
Horas depois, rodeados de curiosos no bar da esquina, podíamos ver no rosto do Chico Lingüiça sua imensa satisfação em exibir a vistosa "Carteira Permanente". Apenas mostrava-a, sem largá-la da mão.
Nossa grande expectativa agora era aguardar o primeiro domingo de jogo no Atlético.
Almoçamos mais cedo nesse dia e o aguardamos a saída do seu Ervi-no.
Pouco depois de uma hora da tarde, lá saiu ele, todo vaidoso com sua roupa domingueira meio surrada, acompanhado dos cunhados e um séquito de admiradores.
Desceu pela Rua Bandeirantes até o campo na Rua Buenos Aires. Nós o seguimos de longe para gozar seu vexame.
Qual não foi nossa surpresa e decepção quando o porteiro, por certo analfabeto, perfilou-se respeitosamente a entrar.
Desde então, sempre nos domingos de jogo no campo do Atlético, lá estava o Chico Lingüiça, todo prosa assistindo o seu amado jogo de futebol.

Otto Hildebrando Doetzer é engenheiro civil e professor da UFPR.

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