sábado, 31 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - O mito Maria Bueno

 

Histórias de Curitiba - O mito Maria Bueno

O mito Maria Bueno

1a parte
Valêncio Xavier

As certezas sobre Maria Bueno, santa canonizada pelo povo, repudiada pela Igreja, se resumem nas notícias publicadas nos jornais após seu trágico assassinato na madrugada de 29 de janeiro de 1893, em Curitiba.
Segundo o "Diário do Comércio"de 30 de janeiro de 1893, Maria Bueno era "uma dessas pobres mulheres de vida alegre", (um eufemismo para prostituta) e fora assassinada a navalhadas numa cena de ciúmes.
O assassino teria sido seu amante, o anspeçada (na época, o primeiro posto acima de soldado) e barbeiro do 8o Regimento de Cavalaria, Inácio José Diniz.
Nos autos do processo hoje desaparecido, o laudo do médico legista daria Maria Conceição Bueno como de cor parda (não branca como sua imagem no túmulo), 30 anos presumíveis, de profissão lavadeira.
Nunca antes em Curitiba acontecera crime tão brutal, a cabeça quase separada do corpo e as mãos de Maria Bueno cheias de cortes pelos golpes de navalha ao tentar defender-se.
O motivo do crime teria sido ciúmes e aqui entram as duas versões sem provas, pois tanto o inquérito policial, quanto aos autos do processo não mais existem.
Na versão dos detratores de Maria Bueno, Diniz havia proibido que ela fosse ao bordel naquela noite.
Ela foi e Diniz matou-a pela desobediência.
Na versão dos devotos, Maria Bueno ao entregar roupa lavada foi morta ao resistir à tentativa de Diniz estrupá-la.
Diniz foi preso, julgado e, no julgamento, absolvido.
Isso está documentado pela imprensa.
Em 'A República "de 13 de julho de 1893, o repórter qua acompanhou o julgamento protesta contra a absolvição: "um grave perigo para a sociedade e incentivo à reprodução de novos crimes". Mas, o repórter não nos diz sob quais alegações a defesa conseguiu a absolvição.
Para os retratores de Maria Bueno, a absolvição seria prova bastante de que ela não era nenhuma santinha.
Inácio José Diniz comete um latrocínio em 1894, quando Curitiba estava invadida pelas tropas fe-deralistas.
Pelo crime teria sido degolado por ordem de Gumercin-do Saraiva, comandante federalis-ta.
Para os devotos de Maria Bueno, este foi o primeiro milagre da santa: seu assassino morreu degolado como a degolou.
Dizendo ter visto os autos deste processo, Euclides Bandeira cita o novo crime de Diniz em "Crônicas locais", de 1941. Mas não se tem registro de sua degola.
David Carneiro, em seu "Os Fuzilamentos de 1894", confirma o fuzilamento, não a degola, dos criminosos e não cita Diniz entre eles.
O local do crime virou ponto de devoção, porém os padres da Matriz teriam se recusado a encomendar o corpo e rezar missa por ser Maria Bueno prostituta.
Em 1992, em fundamentada pesquisa publicada no "Nicolau"n° 45, Ruy Wachowicz sugere que a recusa dos padres fora por ser ela praticante de outra religião.
Que outra religião seria? Macumba? Nas peças "Os Fuzis de 1894"(1970), de Walmor Marcelino, e Maria Bueno"(l975), de Oracy Gemba, essa visão de Maria Bueno um-bandista "pomba-gira"já fora ane-cipada.
Maria Bueno, santa ou prostituta? Mais detalhes na sequencia.

Valêncio Xavier é escritor.

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