domingo, 1 de janeiro de 2023

Histórias de Curitiba - A Boiada

 

Histórias de Curitiba - A Boiada

A Boiada
Juracy Borges Contin

Oia boi! oi...oi...oi...
- Meu Deus! A boiada!
Ao longe, numa nuvem de poeira, erguiam-se ameaçadores chifres tomando toda a largura da estrada.
E agora? Onde se refugiar?
As casas mais próximas eram de gente desconhecida e sua casa havia ficado para trás já algumas quadras.
Correr? Seria alcançada com certeza.
Oia Boi!...
A voz do boiadeiro, agora bem mais perto, aliada ao tropel dos cascos no macadame, forçaram-na a tomar rápida decisão - a guarita do quartel do 5o Batalhão de Engenharia, nome da unidade militar do exército sediada no Bacacheri, naquele tempo.
A menina não teve dúvidas.
Um segundo após e já estava encolhida atrás da atônita sentinela.
Na década de 30, os moradores do Bacacheri, vez por outra, eram colhidos por imprevistos desse tipo nas longas caminhadas que precisavam fazer para tomar sua condução - o bonde - a fim de cumprir suas obrigações de trabalho, estudo ou lazer.
A boiada chegara por trem da Rede Viação Paraná Santa Catarina, desembarcando no cruzamento da via férrea com a estrada que dava início ao "arrabalde"do Bacacheri, local denominado Colônia Argelina.
Havia, nesse ponto, somente uma plataforma descoberta onde se efetuavam os embarques e desembarques de passageiros de Almirante Tamandaré e Rio Branco do Sul, mercadorias e animais vários.
Os bovinos, após o desembarque, eram levados por boia-deiros pela estrada do Bacacheri, rumo ao matadouro e frigorífico Jorge Bon que ficava no final da reta entrando à direita.
Era comum, durante esse trajeto se desgarrar da manada algum boi, geralmente "brabo", levando o pânico às pessoas que seguiam pela estrada, principalmente as crianças que se dirigiam à escola.
O pavor da menina a bois, não tinha outra origem.
Certo dia, enveredou pelo portão aberto de sua casa um fu-ribundo animal, levando o pânico às crianças que, distraidamente, brincavam no quintal.
Entretanto, não eram só bois que desembarcavam do trem nesse local.
Havia também os porcos, só que estes não infundiam o pavor daqueles.
Os suínos eram tangidos por homens que seguiam à pé, ao lado da vara.
Alguns porcos, muito gordos, cansados da viagem, não suportavam a longa caminhada, teimavam em chafurdar na valeta que corria ao longo da estrada, levando ao desespero os tocadores.
Quando isto acontecia, eles deixavam para trás os animais atolados na lama voltando depois, com um caminhão para levá-los.
Hoje o Bacacheri está em
outra.
O trem continua a cruzar a avenida - não mais estrada - mo-vimentadíssima.
Os produtos transportados são outros. Não se fala mais em Colônia Argelina, denominação que as gerações a-tuais até desconhecem, nem em arrabalde - palavra que, na época, designava bairro.
O quartel do 5o Batalhão de Engenharia passou a sediar o 20° RI e, atualmente, o 20° BIB.
Somente as guaritas, embora reformadas, permanecem nos antigos lugares onde, num passado que já vai longe, uma criança apavorada procurou abrigo.

Juracy Borges Contin é professora de geografia.

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