domingo, 1 de janeiro de 2023

Histórias de Curitiba - Os três Ermelinos

 

Histórias de Curitiba - Os três Ermelinos

Os três Ermelinos
Valério Hoerner Júnior

No Paraná, são fartas as referências a Ermelinose Agostinhos de Leão, a começar da velha para as novas gerações.
Na velha, atuaram, cada qual, numa determinada época, mas nem sempre são identificados com facilidade e clareza.
Os prenomes comuns, Agostinho e Ermelino, alternam-se de modo que passam a constituir um prenome composto.
Estes substantivos compostos próprios, Agostinho Ermelino e Ermelino Agostinho, que denunciam por característica uma linhagem própria embora vinculada por afinidade aos patriarcados parnan-guaras dos Correia e dos Pereira, nomearam no século passado três personalidades singulares que, por tradição, amor e orgulho familial, e ainda uma pitada de capricho, serviram de estímulo aos descendentes para que prosseguissem nessa direção, registrando, obedecida a alternância circunstanciada, quase uma dezena de rebentos posteriores com o mesmo nome.
Para que se situem essas três personalidades originais que por motivo de desempenho histórico transcenderam o anonimato, têm-se que a nobre e tradicional estirpe dos Leão, para nós, paranaenses, começou na Bahia com Agostinho Ermelino de Leão (Salvador, Bahia, 28/8/1797
- Recife, Pernambuco, 16/1/1863), filho do inspetor de Alfândega Miguel José Bernardino Lopes de Leão e Maria da Expectação Álvares de Leão.
Formou em Coimbra, Portugal, em 1823, e doutorou-se no ano seguinte, conforme posturas da época.
Foi o primeiro e único juiz-de-fora de Paranaguá, nomeado em 1825 por Dom Pedro I. Tão logo chegou, enamorou-se perdida-mente de Maria Clara da Costa Pereira, segunda filha do capitão-mor de Paranaguá, Manoel Antônio Pereira, irmã portanto de Gertrudes Antônia da Costa Pereira, mãe do comendador Manoel do Rosário Correia, do Dr. Leocádio José Correia e de Maria José Correia, a baronesa do Serro Azul.
Entretanto, para casar-se nas comarcas em que exerciam jurisdição, os juizes deviam ter a licença expressa do imperador: esta chegou num sábado e no seguinte deu-se o casamento, sem os festejos que haveriam de ser naturais por tratar-se da filha da mais alta autoridade do local e um dos mais ricos e influentes patriarcas.
(Maria Clara nomina um logradouro do bairro do Alto da Glória, em Curitiba, rua que tem início na avenida João Gualberto e fim na rua Ubaldino do Amaral, ao lado da igreja do Perpétuo Socorro) .
Em 1827, foi nomeado provedor da Fazenda, Defuntos, Ausentes, Capelas e Resíduos como ouvidor da comarca de Jacobina, Bahia.
Em 1835, passou a juiz de direito da comarca de Paranaguá e Curitiba e assim ficou até a emancipação da Província (1853), quando transferiu-se, como desembargador, para a Relação do Maranhão e depois da de Pernambuco, onde faleceu em 1863.
Foi o fundador, juntamente com Manoel Francisco Correia, o Moço, da Santa Casa de Misericórdia de Paranaguá e seu primeiro provedor.
Seu filho, também Agostinho Ermelino de Leão (Paranaguá, 25/3/1834 - Curitiba, 28/6/ 1901) casou-se em 1856 com Maria Bárbara Correia, nascida em 1835, quarta filha de Manoel Francisco Correia, o/Wofo(1809- 1857). Formou-se em direito pela Faculdade do Recife e foi juiz em Olinda, Caçapava e Santa Maria da Boca do Monte.
Em Curitiba, exerceu a judicatura e chegou a vice-presidente da Província.
Fundou com o Dr. Muricy o Museu Paranaense e com o Barão do Serro Azul o Clube Curitibano.
Instalou o Teatro São Theodoro, atualmente Guaíra, e a capela de Nossa Senhora da Glória, até hoje cumprindo suas funções pastorais, então no Caminho da Marinha - antigo segmento da estrada da Graciosa que se iniciava ao lado da Matriz - depois Boulevard 2 de Julho, hoje avenida João Gualberto, trecho entre a praça 19 de Dezembro e a conexão da rua Fontana, hoje descaracterizada pela trincheira ali construída.
Testemunha ocular da invasão de Curitiba pelos maragatos, em 1894, e deles vítima de furto aparentemente inexpressivo na qualidade de diretor do museu, que o era na ocasião, personificou o indignado cidadão quando soube ter sido da instituição surripiadas valiosas moedas de coleção. Não se fazendo de rogado e com atitude de certa forma temerária, apresentou-se ao general Gumercindo Saraiva, comandante-chefe revolucionário, com fama então de malvado e perverso.
Formulou queixa, até com alguma severidade.
Gumercindo compreendeu a indignação do diretor do museu.
Respondeu-lhe, porém, que nada podia fazer, pois na verdade não havia como encontrar, entre tantos homens nas suas fileiras, o autor de tamanha ousadia.
Mas concordava com ele, dava-lhe toda a razão. E para compensar, desabotoou a cinta que prendia sua espada e, tomando-a, ofereceu-a na bainha ao reclamante.
Era o que podia fazer, justificou.
Insatisfeito por não ver no gesto compensação de justo valor, mas compreendendo também as razões do comandante maragato, deu entrada da peça como patrimônio do museu. E lá está até hoje, valendo, talvez, pelo seu significado histórico, mais do que as moedas objeto da pilhagem.
Este Agostinho Ermelino de Leão é pai do historiador Ermelino Agostinho de Leão (1871 - 1932), prenomes invertidos, casado com Deocleciana Augusta da Rocha, autor do Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná e diretor do museu fundado por seu pai.
Era também formado em direito.
Foi nomeado promotor público em Palmeira, mas logo pediu exoneração para dedicar-se ao comércio de erva-mate e às pesquisas históricas.
Ermelino de Leão, forma nominal pela qual se apresentava literariamente, publicou seu dicionário com o maior dos sacrifícios.
No fim da vida, sentindo que não concluiria a publicação dos fascículos, pediu ajuda a Francisco Negrão, autor da Genealogia Paranaense.
Este foi quem, após a morte do amigo, promoveu o encaminhamento conclusivo ao notável trabalho. O autor possui documento que registra a comunicação havida entre Ermelino de Leão e Francisco Negrão.
Essas consignações escritas mostram os sofrimentos e temores do primeiro, face à doença, e a boa-vontade e lealdade do segundo quanto ao prosseguimento das gestões no tocante à publicação dos capítulos que acabaram por restar inéditos.

Valério Hoerner Júnior é escritor.

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