O ritmo da pacata região era embalado pelo compasso do trem e seu apito, mas foi por conta dele que uma tragédia mudou a vida dos habitantes de Guajuvira. No dia 08 de dezembro de 1988 um trem carregado de combustível descarrilou, tombou e explodiu, ferindo pessoas, levando duas a óbito e também incendiando a área central.
Guajuvira em chamas
O Distrito de Guajuvira, criado em 1947, tem seu nome inspirado na grande quantidade da árvore de mesmo nome que existia na região, e que era muito utilizada pelos indígenas para a confecção de arcos de flecha, devido à sua capacidade de vergar e se recompor. Guajuvira se formou às margens do rio Iguaçu, cortada pelos trilhos do trem, e em 1891 recebeu uma estação que fazia a ligação entre as linhas Mafra - Rio Negro e Curitiba - Ponta Grossa. A Estação Guajuvira funcionou até o final da década de 1970, quando foi desativada, após os trens deixarem de servir como meio de transporte para passageiros, tornando-se exclusivos para o transporte de cargas.
Em torno da estação, ao longo do tempo, estabeleceu-se um núcleo movimentado, com igreja (construída na década de 1920 em louvor ao Senhor Bom Jesus), a Sociedade Operária Guajuvirense (construída em 1948), estabelecimentos comerciais como o Comercial Iguaçu (que pertence à família Nalepa desde 1958), a fábrica de palhões Koehler-Asseburg (construída em 1902, e que depois pertenceu a Bogdan Wagner), a fábrica de cerâmica Guajuvirense (construída em 1947), a Escola Pública Mista de Guajuvira (construída em 1902), a olaria pertencente a Jankoski e Zielinski, o açougue Guarani, a central telefônica, uma hospedaria, uma agência dos Correios, um cartório e uma delegacia.
O ritmo da pacata região era embalado pelo compasso do trem e seu apito, mas foi por conta dele que uma tragédia mudou a vida dos habitantes de Guajuvira. No dia 08 de dezembro de 1988 um trem carregado de combustível descarrilou, tombou e explodiu, ferindo pessoas, levando duas a óbito e também incendiando a área central. O cartório, a hospedaria, a agência dos Correios, o açougue e a fábrica de cerâmica foram destruídos e não mais reconstruídos. Da fábrica de cerâmica restou somente a chaminé, que traz aos moradores que testemunharam o ocorrido, a lembrança da altura em que chegaram as chamas.
Quem se lembra bem dessa data é o maquinista atualmente aposentado Dirceu Leal. Em entrevista ao Arquivo Histórico, ele contou que nesse dia foi chamado para levar, em uma locomotiva, uma comitiva para analisar a situação por lá. Ele lembra que era preciso cautela e olhar perspicaz, pois não se sabia onde exatamente o trem havia começado a descarrilar, o que havia nos trilhos que teria causado o descarrilamento, e nem em que estado o acidente os havia deixado.
Lá chegando, foi constatada a gravidade da situação e a ele coube a tarefa de trazer 22 vagões que ainda não estavam em chamas até o pátio de manobra de Araucária. Nessa arriscada missão, digna de filme de ação, ele deveria trazer pelo trilho quente os vagões, cuja integridade estava comprometida, carregados de combustível superaquecido e a ponto de explodir, situação que deixou 9 deles completamente sem freio. Pior: a locomotiva que ele conduzia não tinha o tamanho ideal para o peso dessa carga, então ele deveria vir com cuidado, porém, imprimindo velocidade suficiente para que a máquina chegasse com embalo, já que o trecho entre Guajuvira e o pátio de Araucária era composto basicamente por subida. No viaduto de Araucária, os bombeiros já estavam posicionados aguardando, porém, ainda existia o temor de que eles precisassem lançar espuma para resfriar os vagões, o que poderia prejudicar o atrito e fazer o trem descer descontrolado de volta para Guajuvira, causando outro acidente ainda pior.
Quando finalmente ele e um ajudante manobrador chegaram ao pátio de Araucária, Leal lembra claramente da sensação: “Ah, eu senti um alívio, né, não só pela gente (...) mas pela noção que a gente tinha do estrago que iria fazer, caso escapasse algum deles aqui, né. Você imagine se um vagão daquele que já está superaquecido escapasse, desengatasse ali, né, e fosse bater de volta lá onde já estava aquele.”
Guajuvira, aos poucos, se recompôs, assim como a madeira da árvore que lhe dá nome, mas ainda guarda em sua memória a tristeza daquele dia, sem ao menos saber que ainda mais perigo corria não fosse o trabalho silencioso desse verdadeiro herói dos trilhos.
(Texto escrito por Luciane Czelusniak Obrzut Ono - historiadora)
(Legendas das fotografias:
1 - Acidente com trem em Guajuvira, 1988
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
2 - Atendimento ao acidente com trem em Guajuvira, 1988
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
3 - Fumaça do acidente com trem em Guajuvira, 1988, coleção de Rogerio Jasiocha
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
4 - Maquinista Dirceu Leal, 2019
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.)
Acidente com trem em Guajuvira, 1988
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Atendimento ao acidente com trem em Guajuvira, 1988
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Fumaça do acidente com trem em Guajuvira, 1988, coleção de Rogerio Jasiocha
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Maquinista Dirceu Leal, 2019
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
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