quarta-feira, 6 de setembro de 2023

78 ANOS DE MONTESE: BATALHA FOI SANGRENTA E TEVE ATÉ SNIPER DERRUBADO POR BRASILEIRO

 78 ANOS DE MONTESE: BATALHA FOI SANGRENTA E TEVE ATÉ SNIPER DERRUBADO POR BRASILEIRO


Montese 1Dia 14 de abril de 1945. Desde 21 de fevereiro, quando caiu Monte Castelo, os brasileiros vinham avançando em terras italianas. O Comando Aliado dera ordem da Ofensiva de Primavera para espantar de vez os alemães do Norte da Itália. O primeiro dia da operação era justamente esse dia, 14 de abril e os brasileiros ficariam com a missão de capturar Montese.

O pedido, segundo o Oficial de Ligação S3 da FEB, Adhemar Rivermar de Almeida, foi um pedido do próprio comandante da FEB, General Mascarenhas de Moraes, que se adiantou ao comando da 10ª Divisão de Montanha e pediu a missão ao general Mark Clarck, do V Exército. Atendendo ao pedido, as tropas brasileiras foram postas nas proximidades da cidadela com traços medievais.

Segundo o tenente alemão, Heinrich Boucsen, da 232ª Divisão de Infantaria, ali ficaram as peças de artilharia e carros de combate por alguns meses. O ataque brasileiro à Montese já era esperado na véspera, no dia 13, quando dois observadores brasileiros teriam sido mortos por snipers alemães, perto do cemitério da cidade. Um partigiani, da Resistência teria conseguido escapar. As informações estão no livro pró-alemão do escritor William Waack.

Vai começar

Montese 3A missão do primeiro dia era tomar a linha Casone – Il Cerro – Possessione – Cota 745. A movimentação brasileira começou às 10h15. Pela direita, partindo de Sassomolare, brasileiros da 6ª Companhia do 2º/1º Regimento de Infantaria tomaram Possessione. Creda e Pavarento, ao lado de Montese também caíram frente aos Pracinhas. Os alemães reagiram com três quartos de sua artilharia na região, conforme conta o historiador Dennison de Oliveira no documentário V de Vitória (em fase de edição).

Às 13h30 o ataque principal à cidade foi iniciado. A artilharia derrubou mais de 800 das 1.121 casas existentes na localidade, conforme dados da historiadora Carmen Lúcia Rigoni. O 3º e o 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria atacaram primeiro, assim que o fogo de artilharia cessou. Em Serreto, tanques americanos deram suporte aos infantes. A Artilharia entrou em ação de novo para calar a resistência alemã. Quando o relógio marcou 15h15 Serreto estava em posse dos brasileiros.

Em uma missão ao lado dos brasileiros, os americanos se batiam em Monte Buffone, que era mais alto que o Serreto. Os brasileiros começaram a levar tiros de Buffone também e não avançaram mais naquele lado do combate.  Desviando caminho e se aproveitando dos avanços iniciais da parte da manhã pelos lados de Possessione, entraram em Montese os brasileiros. Foram pegos 107 prisioneiros entre grande número de mortos inimigos. Ao final da jornada seriam contados 453 nazistas presos, entre eles o comandante em Montese. O número de mortos do inimigo se desconhece e quanto aos feridos não há dados.

E se eles voltarem?

Montese 4O medo dos Aliados era que os alemães tentassem um contra-ataque, como já ocorrera em outras ocasiões. Por isso o avanço foi interrompido e o General Mascarenhas no livro “A FEB pelo seu comandante” dá a entender que como os objetivos haviam sido atingidos parcialmente, pensavam em parar por ali mesmo, mas que os oficiais do 11º Regimento de Infantaria queriam continuar. Por isso, no dia 15 para Monte Buffone e dali não arredaram pé, expulsando os alemães e completando a missão que antes era dos americanos.

Porém, os tedescos se reorganizaram e em Montello e cota 758 resistiram aos brasileiros, que tentavam entrar cada vez mais nas linhas deles. Nas palavras de Mascarenhas de Moraes, na obra já citada, as defesas pareciam cada vez mais cerradas. Para rompê-las os brasileiros despejaram só no dia 15, 9.600 tiros de artilharia nos alemães. As baixas brasileiras já estavam altas, em torno de 130, entre mortos e feridos. Por isso o 11º Regimento de Infantaria começou a ser substituído de noite por batalhões do 6º Regimento de Infantaria. As posições brasileiras iam da cota 753 até a cota 913.

O flanco nordeste estava um pouco desprotegido porque os americanos não tinham avançado o necessário. A maior resistência alemã estava nas cotas 888 e 927, de onde não saíram antes da noite de 16 de abril, quando recuaram.

Montese estava revirada, com tiros para todo lado e morteiros explodindo em ruas e prédios, no meio dos escombros. “Um verdadeiro inferno”, escreveu Mascarenhas de Moraes. Reorganizar as linhas brasileiras era um desafio, pois a cada quadra as bombas caíam mais perto.

O 1º Regimento de Infantaria, no dia 16, entrou no lugar da 10ª Divisão de Montanha em Famaticcia e com isso os brasileiros e americanos resolveram o problema do flanco descoberto no Nordeste. O cerco estava fechado.

O começo do fim

Quando amanheceu o dia 17, o dispositivo brasileiro foi reajustado e no terceiro dia de batalha os alemães foram sendo expulsos de Montese de vez, rumo a Zocca. Os Engenheiros do 9º Batalhão e os homens do Esquadrão de Reconhecimento da FEB foram para a cidade, era hora de capturá-la por completo.

Batalhões do 11º Regimento de Infantaria foram junto, tiveram que verificar casa por casa, rua por rua aonde estavam os alemães. Campos minados eram muitos e tiveram que ser limpos ainda com morteiros inimigos caindo ao redor. Segundo Mascarenhas, somente o maciço de Montese recebeu mais tiros da Artilharia inimiga que o restante da frente do IV Corpo de Exército todo e olhe que o IV Corpo era formado por outras quatro divisões.

Dennison de Oliveira, na entrevista já citada, atribui esse grande número de fogos inimigos à uma leitura errada do Comando Alemão, que achou que Montese era o ataque principal, quando na verdade eram os americanos que estavam encarregados de ações principais, nas montanhas ao lado. Por isso a FEB teve bem mais dificuldades que os americanos, porque os nazistas destacaram mais tropas e mais artilharia para o setor brasileiro.

O fato é que só em Montese foram disparados 21.200 tiros de artilharia brasileiros. As baixas por unidade foram as seguintes, segundo Agostinho José Rodrigues, no livro “O Paraná na FEB”: o 11º Regimento de Infantaria teve 12 mortos, 224 feridos e sete extraviados; o 6º Regimento de Infantaria teve 14 mortos, 131 feridos e três extraviados e o 1º Regimento de Infantaria teve oito mortos e 22 feridos. Outras unidades juntas tiveram cinco feridos. O total geral de Montese foi de 426 baixas brasileiras.

Quem esteve lá conta que…

Montese 5Joel Silveira, correspondente de guerra, entrou na cidade no dia 17, com a batalha ainda acontecendo e diz que não dava para andar descoberto, pois corria-se o risco de ser alvejado por balas e estilhaços.

Heinrich Boucsen fala que muitos colegas alemães ficaram feridos em frente à cripta de Montese por conta dos bombardeios brasileiros. Ele fala ainda que os homens que ficaram para trás eram as tropas de proteção deles e que conseguiram salvar bastante material antes que os brasileiros chegassem. Mesmo assim, mais de 450 deles foram pegos vivos, fora outras dezenas de mortos, enterrados do lado de fora do cemitério de Montese.

Os autores italianos do livro “Dolore e libertá: fotografie della linea gótica”, Aniceto Antilopi e Adelfo Cecchelli mostram dados de Montese antes da guerra e de como a população civil sofreu. Contam que todos saíram das casas e tinham que escolher ir para o lado dos aliados ou dos alemães, não podendo voltar até a conquista da cidade. Para completar, os alemães tinham levado o que puderam de suprimentos já escassos que eles possuíam. No local em que hoje é a biblioteca de Montese, os alemães montaram uma feirinha de produtos roubados para venderem entre si. (falaremos mais desse caso em outra ocasião). Talvez por isso tenham sido enterrados do lado de fora do cemitério.

A Cia O tenente José Góes Xavier de Andrade, da 7ª Companhia do 6º Regimento de Infantaria, que saiu do Depósito de Pessoal para assumir o um grupo de combate em Montese, disse que seus homens, após o combate, sentaram-se como uma família e começaram a tirar sarro um do outro sobre os feitos na batalha. Um correu ligeiro, outro se desviou de balas… Góes Andrade escreveu isso no livro “Depoimento dos Oficiais da Reserva sobre a FEB”.

Três pequenas histórias de Montese

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Mário Müller, já depois da guerra, como sargento

O Cabo Mário Müller, de Curitiba, Paraná é o autor de um dos mais conhecidos causos de guerra, imortalizados nas palavras dos correspondentes Rubem Braga e Joel Silveira. Na limpeza da cidade, buscando os últimos focos de resistência, ele escutou alguém falando alemão em um porão. Pediu silêncio para os colegas que o acompanhavam. Em alemão teria dito que saíssem porque os brasileiros já tinham partido. Quando o grupo saiu, deram de cara com os homens de Müller e se entregaram. Na versão de Agostinho José Rodrigues, ele apenas falou em alemão para o grupo de sete tedescos se render e eles viram que estavam cercados e se entregaram.

Engenheiro faz prisioneiros! Isso foi o que mostrou o tenente Edson Giordano Medeiros. Ele era da Engenharia, limpava campos minados quando machucou a mão e ainda assim continuou. Lá pelo fim da tarde veio o tenente com um monte de prisioneiros, segundo Agostinho José Rodruiges em “Terceiro Batalhão, o Lapa Azul”, eram dezenas.  Na foto registrada aparecem cinco prisioneiros. Junto dele o mesmo Cabo Mário Müller. Agostinho, que também era tenente, bricou com o colega dizendo que fazer prisioneiros era papel da infantaria, “dos pés-de-poeira”. Edson respondeu:

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Tenente Edson na Itália-Ser macho não é privilégio de infante! – e seguiu seu caminho dando risada. Mário riu também, sem descuidar dos prisioneiros.

Em outro ponto, Manoel Antônio Fernandes, de Guarapuava, Paraná, estava com seus comandantes de Seção em uma garagem quando foram encurralados por um sniper. Segundo ele, um alemão cercar dez brasileiros era um desaforo, um vexame. Os tiros vinham de uma janela mais alta do outro lado da rua. Então, o soldado subiu no telhado das ruínas da casa em que se encontravam. Fez a mira com cuidado e o pessoal lá de baixo fez o atirador se mexer. Nessa hora ele acertou o alemão. “O podre coitado tombou na arma. E o pessoal saiu de lá”, disse ele contando para Agostinho José Rodrigues e outros oficiais o acontecido. Estava sem jeito em fazê-lo, pois, para ele era só uma missão.

O elogiaram bastante e disseram que ele era muito valente. “Valente nada. Aqui não tem valente. Todos procuram salvar sua pele. Se não mata, morre! (…) No front não tem macho”, disse já meio nervoso com os elogios, não queria exageros.

Depois de Montese, no final do mês, a FEB venceria a guerra na Itália, cercando toda uma divisão alemã. Mas, essa é outra história…

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Foto de Edson (soldado da direita) com os prisioneiros alemães

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