Poucas mulheres tiveram a oportunidade de governar o Egito
Poucas mulheres tiveram a oportunidade de governar o Egito. Maneton, o historiador que escreveu no século III a.C., afirmou que em algum momento da II dinastia (c. 2770 a 2649 a.C.) ficou decidido que uma mulher poderia governar aquele país. Isso deve ter causado certa dificuldade de aceitação por parte dos egípcios. Eles estavam acostumados ao conceito de opostos: luz e sombra, bem e mal, ordem e caos, macho e fêmea. Se uma rainha é casada, presume-se que seu marido é o rei. Mas se ela não é casada, onde está o componente masculino, ou seja, o oposto sem o qual nada pode existir? Além dos casos bem conhecidos pelos arqueólogos de Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.), vista na foto ao lado, e de Cleópatra VII (51 a 30 a.C.), acredita-se que outras mulheres possam ter governado o país, mas as informações nesses casos são poucas e as dúvidas se realmente reinaram ou não, muitas.
Em nenhum lugar surge qualquer símbolo indicando que ela possa ter governado o Egito. Entretanto, qual poderia ter sido a razão de incluir o nome dela junto ao dos demais soberanos? Ela precisaria ter sido uma mulher excepcionalmente notável para merecer o privilégio de uma tumba nos cemitérios reais de Abido e Saqqara. De qualquer maneira, ficou suficientemente evidenciado que existiu na I dinastia uma rainha muito proeminente chamada Merneith. Se ela chegou a exercer ou não a função de soberana, isso já é outra questão. Merneith é um nome masculino e seu equivalente feminino é Merytneith, assim aparecendo grafado em alguns livros de língua inglesa. Sabemos que se tratava de uma mulher em virtude do título de Mãe do Rei que recebeu. Com base na duração dos reinados de seu marido Wadj, também chamado de Djet, e de seu filho Den, é possível que ela tenha atuado como regente do filho enquanto ele não atingiu a maturidade. Mas isso é apenas uma hipótese. Na III dinastia (c. 2649 a 2575 a.C.) a mãe do faraó Djoser (c. 2630 a 2611 a.C.), construtor da pirâmide de degraus em Saqqara, chamada Nimaethap, pode ter sido regente durante um certo período. Alguns estudiosos acreditam que ela pode ter exercido a função de faraó. Seu nome também é escrito como Ni-Maat-Heb. Uma lenda do período grego-romano nos fala que o Egito foi governado no final da IV dinastia (c. 2575 a 2465 a.C.) por uma cortesã loira. Embora possa ser apenas ficção, há indícios de que a filha de Kéops (c. 2551 a 2528 a.C.), Hetepheres II, tinha o cabelo loiro. Nos desenhos do túmulo de uma rainha da IV dinastia ela aparece retratada e seus cabelos estão pintados com uma cor amarela e finas linhas vermelhas, em contraste com o negro convencional que se vê no resto da tumba. Na foto ao lado, detalhe de uma estátua em pedra calcária na qual ela aparece. Khentkaus, mãe dos dois primeiros faraós da V dinastia (c. 2465 a 2323 a.C.), ou seja, Userkaf (c. 2465 a 2458 a.C.) e Sahure (c. 2458 a 2446 a.C.), aparece em seu túmulo numa pose régia, com uma barba falsa e um texto que pode ser traduzido com segurança como rei e mãe de um rei, o que levou alguns estudiosos a sugerirem que ela foi regente de um de seus filhos por algum tempo. Ela parece ter sido filha de Miquerinos (c. 2490 a 2472 a.C.), ou de Hordjedef, um filho de Kéops (c. 2551 a 2528 a.C.). Uma lenda conta que ela se casara com um sacerdote e que seus filhos eram filhos do próprio deus e, por isso, havendo herdado o direito ao trono, tinham iniciado a V dinastia. O nome dela jamais apareceu em um cartucho. O penúltimo rei da V dinastia chamava-se Djedkare Izezi (c. 2388 a 2356 a.C.). Em um templo mortuário escavado na década de 50 do século passado foram encontradas referências à esposa daquele faraó. Os indícios são de que o casal não teria tido filhos e de que ela teria exercido o papel de governante do Egito. Como o templo foi destruído quase totalmente, os detalhes dos fatos não estão claros e nem mesmo sabemos o nome dessa mulher. Na VI dinastia, Pepi II (c. 2246 a 2152 a.C.) herdou o trono enquanto ainda era criança e, sem problemas, sua mãe, esposa do falecido Pepi I (c. 2289 a 2255 a.C.), Ankhesenpepi, cujo nome significa ela vive para Pepi, atuou como regente e aparece com grande importância nas primeiras inscrições de seu filho. Na escultura em alabastro que vemos ao lado, ela aparece com o faraó ainda criança no colo. Ela se tornou a mulher mais importante daquela época e embora não tenha sido faraó, esteve bem perto disso. Detinha um poder efetivo e isso pode ser percebido em sua tumba. Hoje a pirâmide da rainha é apenas uma parede de pedra que sustenta um montão de rochas e areia. Na sala onde se encontra o sarcófago as paredes estão revestidas de hieróglifos pintados de verde, cor do renascimento. Trata-se dos Textos das Pirâmides e ela foi a primeira mulher a ser enterrada com textos dessa natureza, pois até então eles só poderiam figurar em tumbas de faraós. Ankhesenpepi deve ter sido uma mulher notável. As esposas reais antes dela tinham permanecido quietamente em segundo plano. De repente ela deu um passo adiante e reivindicou para si o mais forte dos textos mágicos reais. E isso não é tudo. Antigamente se pensava que o antecessor de Pepi II, o faraó Merenre (c. 2255 a 2246 a.C.), filho de Pepi I com uma irmã de Ankhesenpepi com a qual Pepi I também se casou, fosse meio-irmão de Pepi II por parte de pai. Entretanto, nas ruínas do templo mortuário da rainha, uma inscrição num bloco de pedra calcária branca declara, claramente, que Ankhesenpepi era esposa de Pepi I, esposa de Merenre e mãe de Pepi II. Como a viúva de um rei não era ninguém, Ankhesenpepi teria voltado para o harém depois da morte de Pepi I. Mas, ao que parece, ela conseguiu seduzir o filho de sua irmã com Pepi I, seu sobrinho Merenre, e com ele teve um filho, Pepi II. Portanto, Pepi II não era filho de Pepi I, como se pensava, mas sim, filho de Merenre. Ela foi enterrada perto de Pepi I, mas sua tumba está voltada na direção da de Merenre. O nome dela também aparece grafado como Ankhnesmeryre II ou Ankh-Meri-Ra. Um papiro conhecido como Cânon de Turim exibe uma lista de governantes egípcios desde o início dos tempos até a XVII dinastia (c. 1640 a 1550 a.C.). Falta-lhe, entretanto, a introdução e o final, sendo impossível marcar com total precisão seus limites temporais. Nitocris é um nome que aparece nesse papiro, que a situa após o reinado de Pepi II (c. 2246 a 2152 a.C.), de quem pode ter sido filha. Maneton, o historiador que escreveu no século III a.C., diz que ela era mais valente do que um homem, a mais linda das mulheres, com uma linda pele e bochechas vermelhas. Ele também afirma que um grupo de conspiradores assassinou o rei, um certo Metesouphis II, e instalou sua irmã e esposa, Nitocris, no trono. O historiador grego Heródoto (aprox. 480-425 a. C.) afirma que ela, para vingar a morte do irmão, fez perecer, por um artifício, grande número de egípcios. Mandou construir uma vasta câmara mortuária subterrânea e, aparentemente para inaugurá-la, mas na realidade com outro propósito, convidou para um banquete vários egípcios que ela sabia terem sido os principais autores da morte do irmão. Quando eles se achavam à mesa, fez penetrar até o recinto as águas do Nilo, por um grande canal secreto. Depois de afogar os assassinos, ela teria acabado com a própria vida precipitando-se num cubículo cheio de brasas ardentes, para escapar da vingança do povo. Nenhuma evidência arqueológica foi encontrada do seu reinado, nem os eventos relatados por Heródoto puderam ser confirmados. Se ela realmente reinou, isso deve ter ocorrido no final da VI dinastia (c. 2323 a 2150 a.C.). Seu nome também é grafado como Neithhikret, Neith-Iquerti ou Nitokerty. O penúltimo faraó da XII dinastia (1991 a c. 1783 a.C.) foi Amenemhet IV (c. 1799 a 1787 a.C.). Depois dele reinou sua meia-irmã, e provavelmente sua esposa, chamada Nefrusobk (c. 1787 a 1783 a.C.) e é possível que ela tenha começado como regente de alguma criança herdeira do trono antes de se declarar governante do Egito. A respeito dessa mulher pouco se sabe, mas é certo que reinou embora por curto período de tempo. Ela é mencionada na lista de reis deixada por Maneton e seu nome também aparece no Cânon de Turim. Além disso, existe um nilômetro na Núbia datado do terceiro ano de seu reinado e um selo cilíndrico, que vemos na foto acima, traz gravado seu nome e título. Três estátuas que a representam, infelizmente sem cabeças, foram encontradas no Faium e uma parte do labirinto construído por Amenemhet III (c. 1844 a 1797 a.C.) pode ser atrubuído a ela. Ao que parece ela ficou insegura pelo fato de ser uma mulher exercendo uma função masculina. Alguns artefatos com sua marca trazem uma titulatura feminina e outros, masculina, provavelmente para reforçar seu papel como governante do Egito. Uma das estátuas mostra-a usando um saiote masculino sobre uma roupagem feminina. Entre os títulos encontrados relacionados a ela estão os de Hórus Feminino, Filha de Rá e, ainda, Rei do Alto e Baixo Egito. Ao terminar seu reinado terminou também a XII dinastia pois, aparentemente, ela não deixou herdeiro. Sua tumba e sua múmia não foram encontrados e não sabemos como eram suas feições. Seu nome também tem várias outras grafias: Neferusobek, Nefrusobek, Sobeknefru ou Sebek-Nefru (Meryetre). A rainha Ashotep I era a mãe de Amósis (c. 1550 a 1525 a.C.), primeiro faraó da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.). Há um estela em Karnak que a elogia por defender o Egito, cuidar de seus soldados, pacificar o Alto Egito e expulsar os rebeldes. As ações dela parecem ir muito além do que era normal para a grande esposa de um rei comum, o que levou alguns estudiosos a especularem se ela teria sido, ou não, regente do filho. Alguns egiptólogos também sugeriram que Amósis-Nofretari (foto ao lado), irmã e esposa de Amósis, atuou como regente de seu jovem filho Amenófis I (c. 1525 a 1504 a.C.). Isso se baseia em poucos indícios, como a extensão do reinado do faraó e o fato de que um seu irmão havia sido apontado como herdeiro presuntivo cerca de cinco anos antes. No decorrer da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.), uma vez que o herdeiro de Tutmósis II (c. 1492 a 1479 a.C.), Tutmósis III, era muito jovem para reinar sozinho, a grande esposa real, Hatshepsut, tornou-se sua regente. Gradualmente ela foi ampliando seus poderes régios até que, finalmente, se declarou soberana oficial do Egito na qualidade de um Hórus Feminino. A datação do reinado de Tutmósis III, que vai de cerca de 1479 a 1425 a.C., abrange inclusive o período em que reinou Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.). O que ocorreu foi que, de repente, em determinado momento, por volta do sétimo ano do reinado do faraó, os nobres que apoiavam a rainha conseguiram proclamá-la "faraó" e ela assumiu toda a titulatura e a iconografia reais, o que incluía até uma falsa barba. Ela subiu ao trono e se paramentou com os atributos masculinos da realeza, mas nunca negou que Tutmósis também fosse rei. Apesar de tal reconhecimento, seu sobrinho e enteado foi mantido num papel secundário, assumindo a função de co-regente, mas exercendo apenas nominalmente o poder, vivendo numa obscuridade quase total, ignorado e insultado por Hatshepsut e seus partidários, até a morte dela, por volta do 21.º ano do reinado dele. Hatshepsut ordenou campanhas militares e uma histórica viagem ao país de Punt, mas seu nome desaparece de repente da história e, aparentemente, Tutmósis III ordenou a destruição das suas imagens e as menções ao seu reinado. A afirmativa de que Nefertiti reinou depois da morte de seu marido, Akhenaton (c. 1353 a 1335 a.C.), está baseada na teoria segundo a qual ela teria assumido o nome Semenkhkare (c. 1335 a 1333 a.C.) depois da morte de seu esposo. Mas mesmo que ela não tenha governado, durante o reinado de Akhenaton lhe foram outorgadas mais honrarias do que o habitual para uma grande esposa real e algumas vezes ela é mostrada oficiando as cerimônias em igualdade de condições com o faraó. Na dinastia seguinte, ou seja, a XIX (c. 1307 a 1196 a.C.), ao falecer Seti II (c. 1214 a 1204 a.C.), sua esposa principal, chamada Twosret, tornou-se regente de um menino, Siptah (c. 1204 a 1198 a.C.), que era filho do faraó com uma concubina síria. Quando a criança morreu, no sexto ano de reinado, não havia, ao que parece, outro herdeiro masculino e a rainha simplesmente assumiu toda a titulatura de faraó e continuou reinando. Ela havia agido como regente por seis anos e governou sozinha por apenas mais dois anos, entre 1198 e 1196 a.C. A história desse período é confusa. O verdadeiro poder no país parece ter sido exercido por um alto dignatário, chamado Bay, possivelmente de origem síria. Ele se intitulava chanceler de todo o Egito e é improvável que Twosret tenha exercido um grande poder. O declínio de autoridade central já havia começado no reinado de Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.) e no decorrer do reinado dela a turbulência social era muito comum. Ela iniciou a construção de um templo mortuário ao sul do templo de Ramsés II, mas não conseguiu terminá-lo. A tumba onde ela foi enterrada originalmente é conhecida, mas sua múmia lá não estava porque deve ter sido removida na antiguidade. O Museu Egípcio do Cairo tem uma múmia que poderia ser dela, mas que nunca foi identificada positivamente. Seu nome também é grafado como Tawosret, Tausret ou Tausert. Grega — e não egípcia — era a mais famosa mulher que governou o Egito e uma das mais famosas mulheres de todos os tempos. Filha de Ptolomeu XII (55 a 51 a.C.), foi a última soberana do Egito e a última da dinastia ptolomaica (304 a 30 a.C.). Ela reinou numa época em que Roma estava lutando para se tornar o poder dominante no mundo mediterrâneo. Cleópatra VII (51 a 30 a.C.) tentou encontrar o equilíbrio entre a independência e a cooperação com Roma, mas falhou na tentativa. Durante a dinastia dos Ptolomeus, várias outras mulheres chamadas Cleópatra ou Berenice atuaram como regentes. Clique aqui para conhecer detalhes sobre essa rainha. |
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