22 dias a pé pela maior praia do mundo
Por Edson Sorrentino
“1º Dia – 14/01/2018 – Início da caminhada
Iniciei a caminhada às 8h da manhã, na Barra do Chuí, distrito de Santa Vitória do Palmar/RS, o pequeno trecho entre o camping e a praia o que me pareceu longo e penoso.
Fui ao Farol da Barra do Chuí, e segui por uma pequena trilha em meio à vegetação até os molhes. A visão do farol é fantástica e marca o início desta trilha que pretendo fazer.
Este lindo farol pintado com faixas brancas e vermelhas esta situado na desembocadura do Arroio Chuí (o qual recebe o nome) no balneário da Barra do Chuí, pertencente ao município gaúcho de Santa Vitória do Palmar, no extremo sul do Brasil, próximo à fronteira com o Uruguai.
O farol antigo foi fundado em 1910, logo sendo substituído por um novo em de 1949. Hoje em dia é considerado o farol mais avançado do Brasil.
A praia da Barra do Chuí é a primeira praia brasileira chegando do Uruguai. Faz fronteira com a Barra del Chuy, balneário uruguaio homônimo, separada desta pela foz do Arroio Chuí – de onde se origina o nome.
Adentrei os Campos Neutrais que foi a denominação dada, pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), a uma faixa de terra desabitada no Sul do Estado do Rio Grande do Sul cuja posse não seria de nenhuma das partes em conflito. Esta faixa se estendia dos banhados do Taim ao Arroio Chuí e até hoje, embora fazendo parte dos municípios de Santa Vitória do Palmar e Chuí, continua sendo conhecida desta forma.
A mochila devia estar pesando entre 23 a 25 kg. Estava levando alimentação para 7 dias o restante iria pegar no caminho (depois explico como foi isso).
O domingo estava lindo, mas na Barra do Chuí havia poucos banhistas e pescadores. Caminhando pela praia atravessei diversos arroios (riachinhos) e no fim da tarde estava na praia do Hermenegildo.
No caminho ganhei o carinho e o afeto de uma família da região, uma garrafinha de água, um potinho de salada de frutas de outro, e fui convidado para participar de um churrasco na casa de uma família muito simpática e festeira. De “bucho” cheio fui procurar um camping, onde passei uma noite tranquila.
2º dia – 15/01/2018 – Dia difícil
Amanheceu chovendo, enquanto comia o concreto pensava se deveria ficar ali abrigado ou sair na chuva. Por volta das 7h30 parou de chover e decidi sair a caminhar, rapidamente desmontei acampamento e me pus no caminho da praia.
Neste pequeno trecho da praia do “Hermena” a orla é estreita e se percebe muitas casas engolidas pelas ondas do mar. Logo depois, vem uma barreira de pneus e o que eles chamam de “concheiro”, mas não tem nenhuma concha (talvez no passado), já neste trecho a faixa de areia e ampla e no horizonte muitas dunas com mato em cima.
Neste percurso não conversei com ninguém, não existem arroios e tem muitos barracos que se avistam ao longe nas dunas.
Entre uma garoa e um sol bem anêmico fui avançando, queria acampar próximo a um arroio, em local protegido do vento, mas quando chegou 18h já estava super cansado e surgiu uma pequena casa de madeira e no seu topo uma caixa d’água, na verdade era um barril de 200 lts. de plástico azul, mudei de ideia e pra lá me dirigi.
Não havia ninguém na casinha, e foi deixadas ali diversas garrafas de dois litros de água. Armei a barraca na sua retaguarda, pensando em me proteger do vento, ledo engano. Fiz a janta no interior da barraca (com muito cuidado) e logo depois desmaiei no sono. O dia foi difícil, estava no segundo dia da caminhada e a mochila pesava muito.
3º dia – 16/01/2018 – Paciência
Apesar do vento e um friozinho na madrugada, à noite foi muito boa. Aprendi a conviver com muita areia dentro e fora da barraca.
Acordei por volta das 6h45, lentamente fui desmontando o acampamento, comendo concreto e montando a mochila. Desta vez coloquei na mochila 5 litros de água aproximadamente. O que foi minha sorte e meu azar.
Neste trecho não existe nenhum arroio, ao longe via diversos barracos, principalmente já próximo a ponta da lagoa da Mangueira.
A Lagoa Mangueira se localiza no interior do município, próxima à Estação Ecológica do Taim e ao Oceano Atlântico, separada deste apenas por uma estreita faixa de dunas de areia, da qual eu vinha caminhado.
A minha esperança, como no dia anterior, era achar um arroio, acampar, e descansar, mas não foi assim que aconteceu. Cheguei a uma boia verde e cinza e fui em direção ao continente e atrás de um monte de areia e mata, armei a barraquinha. Tentei carregar o celular com um carregador solar, mas não deu certo, paciência!
Aqui só fica escuro por volta das 21h. A noite foi de muito vento e entrou muita areia na barraca.
4º dia – 17/01/2018 – Solidariedade
O dia amanheceu com um sol muito forte. Durante a noite ventou uma barbaridade, bah!!!!
Desta vez ele vinha do norte e praticamente durou o dia inteiro, inclusive me atrapalhou a caminhada me empurrando para trás.
Às 8h30 já estava com a mochila pronta para caminhar. Sai somente com 500 ml. de água, minha expectativa era encontrar algum arroio ou alguma pessoa de passagem e foi o que aconteceu. Já vinha caminhando umas duas horas sem água, quando passou por mim um carro, fiz sinal com a garrafa na mão e eles pararam e me encheram o cantil. Eles iriam pescar logo à frente, achei ótimo, teria mais água também quando passasse por eles.
No transcorrer da caminhada, com vento de frente não rendeu muito, comecei a sentir uma dor nos pés direito. Meu objetivo neste dia era encontrar uma casa que tinha uma bandeira amarela.
Nesta caminhada encontrei diversas boias e objetos, e também muitos animais mortos, como tartarugas, peixes grandes, e dentre eles uma enorme baleia. Neste dia vi um o resto de um grande barco de madeira, provavelmente naufragado naquela costa. Existem relatos de muitos naufrágios na costa do Rio Grande do Sul.
Desde o início do século XVI, verificaram-se diversos naufrágios ao longo da costa entre a Barra da Laguna dos Patos e o Arroio Chuí. Considera-se como o naufrágio mais emblemático o do navio inglês Prince of Wales (Príncipe de Gales), nos idos de 1861, que provocou um conflito importante nas já estremecidas relações diplomáticas com a Inglaterra.
Muitos destes naufrágios foram decorrentes dos fortes ventos. Vale destacar que existem relatos de marinheiros que afirmam ter visto iluminação (fogueiras) e se aproximaram do continente, encalhando a embarcação. Posteriormente ficaram sabendo que “piratas terrestres” faziam fogueiras na praia, próximo ao mar e aos pouco mudavam a fogueira para o interior, com o objetivo e fazer encalhar a embarcação e pilhar ela, após matar sua tripulação.
No fim da tarde encontrei a referida casa e fiquei encantado. Tinha chegado a Fazenda Cascalho.
Além das pessoas maravilhosas que ali moravam, tinham de tudo um pouco, galinhas, patos, marrecos, ovelhas, porcos, cachorros e gatos, e uma linda horta. Finalmente pude tomar um banho e tirar o cascão e a crosta de areia que tinha sobre a minha pele, mas não foi fácil não.
Para tomar banho tive que colocar água num balde, depois e só puxar uma cordinha e pronto o chuveiro esta na sua cabeça, pronto você tem um belo banho frio.
No começo da noite fui convidado a jantar com esta família, e comemos arroz, com feijão e bolinho de peixe, ficou uma delicia (não me perguntem qual era o peixe, não sei dizer).
O vento continuou vindo do norte, não sei ate que horas da noite, contudo dormi como um bebê.
5º dia – 18/01/2018 – Fazenda Cascalho
À noite pude ver muitas estrelas no céu, lindíssimo! Por volta das 6h caiu uma tempestade, choveu, choveu, choveu muito e o vento virou, vinha agora do sul, quando o vento vem do sul o mar cresce, segundo o Sr Teixeira, morador da Fazenda Cascalho, as vezes fica impossível trafegar na praia.
Este era o dia do meu descanso, acho que foi providencial. Neste dia fizeram um peixe assado (tainha), e fui convidado novamente – já estava fazendo parte da família.
A tarde ficou para leitura, escrever e descanso numa sombra, até teve pipoca doce e salgada. Consegui carregar o celular 100%, mas não tinha sinal.
O vento sul ficou o dia inteiro.
Aproveitei e fui lavar as roupas e fazer o meu cajado. Descansei os meus pés, sinto dores nos dois pés agora, junto aos dedos.
6º dia – 19/01/2018 – Surpresas
Noite tranquila, acordei por volta das 6h30, quando clareou o dia. Comi meu concreto. Desmontei o acampamento e pé na areia. Queria chegar o máximo possível perto do Farol Albardão, que estava distante 30 ou 34 km da casa do Teixeira e da Sonia.
No percurso havia pouquíssimos carros vindo e indo, nenhum arroio, céu limpo e sol escaldante.
No meio do dia encontrei dois rapazes de Santa Maria caminhando no sentido contrario, tinham saído naquela manhã do Albardão. Eles caminhavam rápidos, tiramos uma self, por fim trocamos informações e cada um foi para o seu lado. (O relato da experiência deles está aqui).
No fim da tarde encontrei um casal que me informou ter consumido minha água, em alguns lugares lá para trás – explico o mencionado: Combinei com um amigo, o Nelson, da Federação Gaucha de Montanhismo que veio de Porto Alegre somente para me apoiar, deixando água e alimentos em alguns lugares (faróis).
Até fiquei chateado no momento, mas pediram desculpas, daí pensei: Se estavam com sede, fazer o que, não é verdade?! Tinham que beber mesmo, foi justo.
Durante este trecho passei por duas boias de ferro, sendo que na segunda resolvi acampar. Tinha andado uns 15 km, somente, porém meus pés já estavam me matando de dores.
Estava com pouquíssima água, tentei fazer um buraco na areia próximo as dunas, para pegar água, realmente tem água não salgada, o problema e pegar a água dentro do buraco. Desisti.
Neste dia tinha água somente para cozinhar meu arroz e beber um pouquinho, provavelmente amanhã iniciaria a caminhada sem água.
7º dia – 20/01/2018 – Mamão com Açúcar
Realmente iniciei a caminhada sem água, fui na fé.
Às 8h40 já estava andando, não passou de vinte minutos e dois carros passaram por mim e então chacoalhei a garrafa de água, forneceram o líquido preciso, e ainda prometeram um churrasco de linguiça – especial de origem santavitorence.
Eles se foram e eu continuei andando. Por volta das 11h45 encontrei-os novamente e com efeito, iriam fazer um churrasco em um buraco na areia. A linguiça e de carne de vaca – muito especial. Moradores de Santa Vitoria do Palmar, foram muitos atenciosos e gentis. Acabei saindo novamente para caminhar quase duas horas depois. Gostei muito de conhecê-los. Ah! ainda levei um lanchinho para comer no caminho e muita, muita água.
Hoje meus pés estavam sofrendo, sentia dor nos dedos e nos dois pés. Nem com remédios aliviavam a dor.
As horas foram passando e continuei a andar. O vento mudou de direção, antes vinha da terra, agora o vento vinha do mar, a tarde me pareceu que vinha do norte, andar com vento de norte e muito ruim. Já quase no finalzinho da tarde ganhei mais água de outro transeunte de carro, foi um alivio já estava algum tempo sem.
A primeira vez que avistei o Farol Albardão eram 15h Este era meu alvo do dia, mas só fui chegar nele por volta das 21h, já estava escurecendo.
Em frente ao farol estava havendo um evento de rara beleza. Um grupo muito grande de kitsurf estava voando com suas “pipas” e pranchas. É maravilhoso de se ver.
8º dia – 21/01/2018 – Do Farol Albardão ao Farol Vergas
Acordei por volta das 7h, dei uma olhada no acampamento e vi que a maioria das pessoas dormiam, aos poucos fui arrumando minha mochila e às 8h levei tudo para a frente do farol Albardão.
Os Fuzileiros Navais, da nossa gloriosa Marinha, serviam o café a todos, que estavam ali, serviram café instantâneo e bolacha club social. Inclusive ontem à noite, jantei uma deliciosa refeição feita por eles. Eu fiquei satisfeito e com a barriga cheia subi, não tenho ideia de quantos, os degraus do farol. E clic! tirei muitas fotos daquelas belas paisagens.
Observando lá de cima percebi que os esportistas do kitsurf estavam se movimentando, desmontando acampamento, alguns já na praia e outros já com suas pipas voadoras. Este evento foi organizado pelo Castilha da Wind Place, tinha aproximadamente um pouco mais de uma centena de pessoas, mais os motoristas que apoiavam os esportistas, tinha inclusive mulheres participando, todos os anos eles fazem este percurso de Rio Grande até o Chuí com suas pipas e pranchas, e lindo de se ver.
O farol do Albardão, inaugurado em 3 de maio de 1909 foi o primeiro de uma rede que complementaria a iluminação da costa entre Rio Grande e a divisa com o Uruguai. Esse trecho, conhecido como Praia do Cassino.
O primeiro farol tinha uma torre de ferro tipo da marca BBT com 35 metros pintada de roxo-terra.
A torre atual data de 1948, obra da construtora Christiani-Nielsen executada sob projeto de Ernst Schaffer. Com 44 metros de altura, o imponente espigão de concreto substituiu o anterior, vitimado como tantos outros pela ação abrasiva da maresia.
Na área foi criada a Estação Ecológica do Taim, conhecida como “o pantanal gaúcho”. A paisagem inóspita e solitária é frequentada ocasionalmente pelos amantes da pesca e off-road. Albardão, mesmo estando no continente, é um dos nossos faróis mais isolados.
Por fim me despedi de todos, esportistas, Fuzileiros e marinheiros responsáveis pelo farol.
Ah! Ganhei dos Fuzileiros Navais dois pacotes de ração.
Comecei a caminhada às 10h30, estava ventando muito, mais do que o normal, tinha dificuldade em caminhar, me apoiava no bastão para me equilibrar. No meio da tarde meus pés doíam muito, quando estava pensando em parar ali mesmo, passou um caminhão. O pescador ofereceu água e na conversa dera-me uma carona. Tinha caminhado uns 20 km. Faltavam ainda 10 km até o Farol Verga, aceitei de imediato, embarquei na carroceria e entre trancos e solavancos cheguei ao farolzinho desativado.
O Farol Verga possui 11 metros de altura e foi construído em 1964. O funcionamento do farol e automático e por isso esta desabitado e suas portas estão lacradas. O farol fica a 106 km dos molhes do Rio Grande, nosso destino final e a 40 km do nosso próximo objetivo, o Farol Sarita.
Tinha combinado com o Nelson da Federação Gaúcha de Montanhismo que deixaria ali um garrafão de água, mas nada encontrei, por sorte levei um litro comigo.
O vento não parava e armar minha tendinha exigia paciência, começou a esfriar, então abriguei-me rapidamente dentro e logo começou a chover. Através das pessoas no Farol Albardão soube que havia previsão de um “temporal” no meio da tarde (um dos motivos que fez aceitar a carona de 10 km).
A chuva e o vento foram piorando, tive que colocar areia nas saias da barraca, não adiantando muito, por fim tinha ali pedaços de tubos que no passado foi acredito uma improvisada churrasqueira, como estacas, foi o que salvou-me de sem querer passar de caminhante a kitsurfista maluco.
Neste dia não fiz comida quente, não queria utilizar o fogareiro dentro da barraca com aquele vento, também tinha pouca água. Adormeci sem perceber e durante a madrugada percebi a chuva parar, noutro momento foi o vento e finalmente o dia clareou lindo como sempre, para mais um ciclo de vida.
9º dia – 22/01/2018 – Tatus e Traíras
Depois de uma noite de tempestade junto ao Farol Verga, o dia amanheceu uma maravilha. Algum marinheiro diria que o mar estava liso, apesar de nublado.
Ficou assim o dia todo, o que para mim foi muito bom, possibilitando uma caminhada na sombra.
Andei uns 9 km, quando encontrei quatro pescadores amadores cozinhando peixe na praia, eles convidaram-me para participar daquela orgia gastronômica.
Ah meus amigos! O que vocês fariam? Continuariam a caminhada ou parariam ali para saborear um bom peixe, feito na hora, ter um bom papo e descansar os pés?
Fiquei, devorei muitos pedaços de traíra uruguaias (eles estavam voltando de uma pescaria nos rios do Uruguai). Agora voltavam para suas casas em Pelotas e resolveram se aventurar pelas praias do Cassino, para a minha felicidade. Com eles as horas passaram rapidamente, quando percebi tinha poucas horas de claridade e pouquíssima água, achei que iria chover de novo, solicitei a eles uma carona de 15 km até o próximo farol, o Sarita. Ainda ganhei um pedaço de pão uruguaio que se chama “gajeta”, parece uma massa folhada, mas é pão.
Minha meta naquele dia era uma casa ou posto do ICMBios, mas a carona possibilitou ir até o Farol Sarita e ganhar um dia de vantagem (na verdade fiquei traumatizado com a noite anterior, que batizei como “noite das tormentas”.
Já acampado no farol, que é super tranquilo, apesar de um monte de buracos no chão (acho que é toca de tatu – não coloquei a mão pra ver), fiz a janta pensando na traíra, e devorei meu pão folhado, delícia!
O Farol Sarita, aparentemente também está lacrado, fora de uso. Segundo as informações que tenho, recebeu esse nome em homenagem a um naufrágio de um navio italiano de nome Sarita.
Neste farol o meu amigo montanhista Nelson me deixou água e um pacotinho com comida para dois dias, o galão estava pela metade e no saquinho faltava um pacote de bolacha.
Acredito que os tatus foram os culpados. E segue a vida.
10º dia – 23/01/2018 – Estação Ecológica do Taim
Noite maravilhosa, nenhum tatu me atacou e dormi muito bem no Sarita. Desmontei acampamento, arrumei a mochila, e escondi uns 10 kg de alimentos e equipamentos nas imediações. Meu objetivo naquele dia era sair da praia e ir em direção ao continente, por estradas vicinais até a Estação Ecológico do Taim.
Estava dentro do planejado conhecer as trilhas e a flora e fauna daquela que é considerada o “Pantanal Gaúcho”. O Taim é a cereja do bolo daquela região.
Para chegar lá, tive informações “privilegiadas”, que deveria voltar um quilômetro e entrar numa estradinha vicinal, perpendicular a praia, dei alguns passos pelas dunas e quando cheguei na praia estava passando uma perua bandeirante, pedi informação ao motorista e ele me disse:
– Oia tá pertinho, só uns 5 km
Acho que ele percebeu minha cara de pastel e falou:
– Quer uma carona até lá?
Ele mal terminou a frase eu já estava subindo na carroceria de madeira. Junto comigo, ali em cima tinha dois cachorrinhos amarrados, no começo latiram para mim, mas viram que estávamos no mesmo barco, digo mesma carroceria.
O veículo percorreu na praia uns 5 km para o sul, logo que parou desembarquei e ali tinha uma placa com uma seta, no dia anterior está placa me passou despercebida.
Minha mochila estava super leve, uns 15 kg eu acho, com passadas largas fui andando por aquelas veredas, cheguei num portão, depois noutro, entrei a direita, ao meu redor muitas árvores, pínus, algumas sendo cortadas e outras pessoas retiravam sua seiva, quando percebi cheguei à BR 471, olhei a esquerda e lá estava meu alvo do dia. Devo ter andado uns 30 km, já era fim de tarde. Comi umas besteirinhas no caminho e bebi pouca água. A estradinha e boa de caminhar, passei num povoado onde obtive referias do caminho, foi supertranquilo.
Na Estação Ecológica do Taim fui recepcionado pelo chefe Caio que me levou ao alojamento destinado a estudiosos da flora e da fauna, me deixando a vontade ali.
Finalmente depois de 10 dias iria ter uma cama, chuveiro, internet, e celular à vontade.
Jantei alguma coisa, tomei banho e desmaiei no beliche.
A noite choveu muito.
11º dia – 24/01/2018 – Passeando pelo Taim
O dia amanheceu lindo, com sol, e um pouquinho ventoso. Tinha algumas obrigações caseiras antes de iniciar o turismo na Estação Ecológica do Taim.
Fui lavar roupas, enquanto secava atualizei a página da expedição no facebook. Depois coloquei barraca e saco de dormir para tomar sol no varal.
Na hora do almoço fui com o Caio almoçar num restaurante próximo a unidade de conservação, me lembro de ter comido muita batata neste dia.
Na sequência fui convidado pelo Caio conhecer o Taim. Primeiro fomos numa trilha utilizada por estudantes, onde vi uma figueira centenária, muitos cactos, bromélias e matas nativas do bioma do Pampa. Depois fomos até uma vila chamada de Capilha (capela em castelhano), ali tem uma capelinha muito antiga, que foi construída em 1844 pelo Tenente Faustino Correia. Em frente a esta capela existe uma rampa de madeira e ferro que dá acesso as praias da Lagoa Mirim.
A Lagoa Mirim é a maior lagoa do estado do Rio Grande do Sul. Faz a divisa entre o extremo sul do Brasil e o leste uruguaio. Pode-se acampar ali.
Regressamos a BR 471 e fomos ao banhado do Taim é cercanias. Conheci a Lagoa do Jacaré e Nicola. Não vi Jacaré, estava muito sol estavam escondidos. A vida selvagem ali é pungente existindo diversas aves, répteis e mamíferos exóticos, o local é magnífico. Já falei antes, mas vou repetir: O Taim é a cereja do bolo do extremo sul do nosso país. Era um sonho meu, muito antigo em conhecer este santuário. Este é o primeiro parque que ligará todos os outros numa longa trilha perto ou próximo ao litoral brasileiro, esperando que no futuro possa ser conhecido pelos brasileiros muito mais que uma torre de ferro colocada num país qualquer da Europa.
À tardinha choveu e refrescou o dia. De minha parte fui cuidas dos pés, a coisa tava feia. Por ter utilizado a mochila com muito peso meus pés doíam no calcanhar e na frente próximo aos dedos, comecei fazendo um “escalda pés” e depois coloquei gelo nos dois.
Comprei também remédio para aliviar as cores. Por favor, não levem a sérios as providências que tomei, não sou especialista no assunto. Passei também uma pomada.
Aparentemente nada disso resolveu, mas dormi sossegado achando que no outro dia, Deus me ajudaria nos próximos passos da Expedição Litorânea.
12º dia – 25/01/2018 – Farol Sarita
Acordei um pouco antes das sete da manhã, comi meu concreto. Meu pé, aparentemente estava menos dolorido, nos primeiros passos. Tinha combinado com o motorista da unidade uma carona até uma estrada diferente da que tinha vindo. Esta estrada deixaria-me a um quilômetro na frente do Farol Sarita.
Partimos às 8h10 andamos – acredito uns 12 km ou 16 km – chegamos a uma porteira. Desembarquei. Vesti a mochila, me despedi e passei o portão Subi na duma. Dali via praia na frente e a minha direita o Sarita, não mais que 800 metros.
Caminhei pelas dunas, queria ver como seria este deslocamento. Meu pé latejava assim como ele teria mais folga mais à tarde, continuei até chegar no farol, me senti no Deserto do Saara, como um beduíno ferido.
Acampai novamente no mesmo lugar de antes e fiquei a tarde toda moscando dentro da barraca.
À tarde ventou muito e na sombra até faz um friozinho. Na jantar tivemos arroz carreteiro e sardinha, o que não ficou muito boa.
O Farol Sarita, inaugurado em 12 de outubro de 1909, e leva o nome de um navio naufragado naquele local. Sua primeira torre era toda de ferro com de 26 metros de altura, equipada com um aparelho de luz, com um alcance de 15 milhas. Como outras torres desse tipo, foi vítima da ferrugem, sendo substituída em 1929 por outra torre metálica com sistema luminoso automático a gás acetileno.
Em 1952 foi inaugurada a atual torre de alvenaria, 11 metros mais alta que a original. Hoje a mesma esta inoperante e sua porta esta lacrada.
Segundo dizem o navio Sarita era procedente de Gênova, na Itália, e na primavera de 1897, com destino incerto e com ordens direta de sua proprietária, a italiana Dona Sarita, para dar sumiço a qualquer preço na embarcação, para receber o seguro e tentar salvar sua empresa, que estava falida.
O comandante italiano Cosmo Marasciulo, rumava para o sul e encalhou o navio na praia.
Toda tripulação se salvou, pegaram alguns mantimentos e pertences, partindo direto para o Rio Grande a pé, chegando somente no dia seguinte a cidade. O comandante radicou-se em Rio Grande, voltando a comandar navios brasileiros na rota costeira da América.
Fui cedo para o isolante. O dia foi bem solitário, à noite estava tranquila e sem vento.
13º dia – 26/01/2018 – Albernaz e o vento
Mais uma noite tranquila, a alvorada foi às 6h30 e às 8h já estava saindo para andar. O concreto estava horrível, acho que enjoei. Os pés melhoraram um pouco.
Logo na saída da praia encontrei dois motociclistas de Chapecó, tiramos fotos e cada um foi pro seu caminho.
Bem em frente ao Farol Sarita tem uma placa de um lado, esta mesma placa verde esta escrito em branco que é o fim do litoral de Santa Vitoria do Palmar e no verso que ali é o inicio do Município de Santa Vitoria do Palmar – Hermenegildo esta a 127 km e a Barra do Chuí a 140 km. Neste momento estava de verdade, entrando na Praia do Cassino, no Município de Rio Grande.
Neste dia foi o meu melhor tempo de caminhando na praia, que foi de 8 km em três horas. Comecei a usar esse tempo como referência para planejamentos futuros.
Depois das 13h o vento virou e comecei a sentir dor nos pés novamente, a progressão era lenta.
Passou por mim um carrinho à vela, muito bacana e veloz. Logo depois, o dono do “brinquedo de adulto” chegou ate mim de carro, conversamos, filmamos e tiramos fotos. Segundo o Paulo Albernaz, o dono do carrinho, aquele era o lugar ideal para esse tipo de prática, com muito vento e areia batida. Fiquei apaixonado por aquele carrinho. Ganhei do meu novo amigo uma garrafa de água é uma batata doce.
Passei por diversos arroios neste dia. Na minha segunda parada para descansar comi a batata doce sentado naquela enorme praia solitária, no entanto, passou outro carro por mim e me deu outra garrafinha de água, e tiramos umas fotos.
No finalzinho da tarde achei outro arroio e decidi ficar acampado naquele lindo lugar. Meu objetivo naquele dia era uma casa abandonado em algum lugar daquele trecho, mas devido as dores nos pés e o forte vendo não consegui.
Ali próximo muitas torres eólicas. O vento aumentou, estava muito forte, outro dia sem janta, fiquei com receio de acender o fogareiro dentro da barraca. Não estava com fome, a batata me encheu.
Ventou à noite toda me acordando diversas vezes.
14º dia – 27/01/2018 – Perrengues
Noite de ventania. O dia não foi muito diferente do dia anterior, mas o vento continuou forte dificultando a minha caminhada. Os pés doíam, por isso andei pouco neste dia, somente uns 13 km, por volta das encontrei outro arroio e acampei. O tempo esta fechando e ameaçando chover, então resolvi me antecipar. Sentei na grama e a mochila foi meu encosto, adormeci.
Acordei assustado com uns pontos de chuva no rosto, rapidamente armei a barraca e atirei-me dentro dela com a minha mochila.
A chuva ia e vinha, mas o vento foi aumentando, a ponto de começar a tirar as estaquinhas que prendem a barraca no chão. O negócio ficou medonho! Um barulho de pano batendo, achei que ia naufragar, teve um lado da barraca que levantou, dentro dela fiquei segurando um certo tempo e pensando o que fazer. A solução era prender com alguma pedra ou pau, sai no temporal entre as dunas procurando e nada encontrei; A barraca queria levantar voo.
Tinha meu cajado, tentei enfiar ele na areia e não consegui, fiz um buraco. Já chovia muito, estava ensopado e cheio de areia – me senti um bife a milanesa – coloquei o cajado no buraco e soquei areia tentando prender ele. Olha! Ficou uma porcaria de serviço, mas resistiu a noite inteira. Tirei a roupa molhada ainda fora da barraca, pelado e tremendo de frio entrei na barraca. Depois disso, dentro do saco de dormir e desmaiei de cansaço.
Na madrugada percebi que o vento tinha passado e não chovia mais.
15º dia – 28/01/2018 – Navio Altair
O dia amanheceu sem vento, mas nublado. Pensei: Será que é a calmaria antes da tempestade.
Fiquei pelado dentro da barraca. Comi o resto de uma bolacha ou um biscoito – como queiram chamar. Estava sem coragem de vestir a roupa molhada que estava jogada em algum lugar lá fora.
Lembrei que ontem seria o terceiro dia sem banho, por isso que choveu tanto, estava escrito: tinha que tomar banho de qualquer jeito. Abri o zíper da barraca, e lá fora avistei um monte de areia com minhas peças de roupas no meio, pelado como estava sai, lavei as roupas rapidamente no arroio e respirando fundo vesti a calça, só tinha aquela, peguei uma camiseta meio limpa, vesti a bota molhada e dei início ao desmonte do acampamento.
Caminhei sem vento de manhã, o que foi um alívio, não sentia frio. Na praia pouco movimento.
À tarde, o movimento de carros aumentou muito, indo e vindo, e o vento voltou, agora ele vinha do sudeste, achei bom porque me empurrava para frente.
Depois de duas paradas para descanso, cheguei finalmente ao navio naufragado Altair – mais abaixo falo deste navio naufragado. Conheci ali um grupo de amigos brasileiros e uruguaios, tiramos fotos e conversamos.
O Navio Altair encalhou nesta praia no inverno de junho de 1976, após uma forte tempestade. O navio de carga não suportou os vendavais daquele inverno e acabou enterrado na costa. Nos dias de hoje, o navio está literalmente desaparecendo com a ação do tempo, maresia e afundamento nas areias da praia, mas ainda é um ponto de visitação, virando atração turística. A ferrugem nas últimas três décadas, já corroeu boa parte da estrutura do Altair. Tive a oportunidade de subir no navio e tirar muitas fotos. Ficou show!
Voltando a caminhar parou um senhor ao meu lado de carro, ofereceu-me um pão, um pedaço de frango e meia garrafa de suco de laranja, aceitei, sentei na areia e devorei este manjar, estava delicioso.
Minha caminhada prosseguiu, ver pessoas me animava a caminhar mais. Já estava a quase 12 horas caminhando e cheguei a um lugar chamado de Querência. Naquele dia estava acontecendo uma festa na praia, tipo heave, passei batido e andei uns 200 metros a frente e joguei-me no chão de tão cansado que estava. Fiquei ali sentado vendo o movimento, era quase 8 da noite, mas ainda estava claro, parou um rapaz e veio falar comigo, sobre a caminhada.
Faltava pouco tempo para escurecer precisava chegar ao Balneário Cassino, quando me levantei senti muitas dores e voltei a sentar na mochila. E agora José?
Consegui contato com minha esposa por telefone e ela ligou para o Paulo, o rapaz que faz os carrinhos à vela. Ele viria me resgatar. Em menos de uma hora ele chegou com um amigo e me levaram para o Camping Neve Sul, já no Balneário do Cassino. Chegamos já estava escurecendo, armei a barraca no escuro com ajuda de uma lanterna de cabeça, aí sim pude respirar aliviado, estava seguro e feliz por ter chegado até ali.
16º dia – 29/01/2018 – Pumas e Praia
Dia de descanso para os pés e as costas. À noite passada foi boa e calma no Camping Neve Sul no Balneário Cassino. Pertinho tem uma padaria aconchegante e lá tomei o café da manhã.
Logo cedo recebi a visita de um amigo que fiz pela página da expedição, Leandro, agora um amigo pessoal, trouxe com ele o seu estiloso Puma (um clássico), branco e lindo de “morrer”.
Conversamos muito e ficamos de sair à tarde para fazer uns serviços externos.
Próximo a hora do almoço recebi outra visita, desta vez o Gian e o Jair, sendo que o Gian frequenta a mesma igreja que eu na cidade dele, em Quinta/RS. Ele me trouxe um suco e uns cachos de uvas deliciosos.
Na parte da tarde fui junto com o Leandro (que foi meu cicerone) fomos ao banco, correios, comércio local e lan hause. E na volta ao camping passamos num terreno que no passado foi Base de Lançamento – Projeto Eclipse – da NASA em 1966.
O Balneário Cassino me pareceu tranquilo, poucas ruas, onde tem na praia sua maior vocação. Ela é distrito de Rio Grande.
Voltando ao camping fiz uma tentativa de fazer uma janta, mas não ficou boa, o arroz ficou duro. Fui dormir com um pacote de bolacha.
17º dia – 30/01/2018 – Vagonetes ao vento
Quando vou dormir encho com a boca o meu isolante inflável, mas ele aos poucos vai perdendo o ar e ficando parcialmente vazio, ou parcialmente cheio. Quando acordo estou quase deitado no chão da barraca, um fato que não tem incomodado, tenho até dormido bem.
Neste dia fui tomar café novamente na padaria e lentamente fui desmontando o acampamento. Minha caminhada hoje seria curta, por volta de 10 km. Sairia do Camping Neve Sul e chegaria aos Molhes da Barra do Rio Grande. A minha mochila estava mais leve, os pés estavam razoáveis e o meu prazer em caminhar era muito grande.
Comentaram comigo que a praia do Cassino, além de ser imensa, tem uma característica (não sei se única), os banhistas colocam seus carros na praia, um ao lado do outro e ficam na frente deles, às vezes ao lado.
Os guarda-vidas ficam em cabines elevadas, na cor vermelha, todas numeradas, no sul começa com o 21 então ordem decrescente até chegarmos aos Molhes da Barra. Até onde me lembro para no 8º e quando a praia acaba tem o número 4.
Finalmente cheguei aos Molhes da Barra do Rio Grande.
Ali fica também os condutores de vagonete que cobram R$ 10,00 por pessoa para ser transportados num carrinho que roda sobre os trilhos e utilizam velas ou a força humana quando não tem vento. São 4,5 km até a ponta dos Molhes. No final tem uma estrutura de ferro e em cima uma foca. O passeio é emocionante, eu gostei muito, principalmente da engenharia para construir aquela super obra, que permitiu a Rio Grande ter um porto abrigado e de grande interesse nacional.
Os molhes do Rio Grande são considerada uma das maiores obras de engenharia oceânica do mundo, foram construídos para dar segurança à navegação. A construção aconteceu entre 1909 e 1915, depois de várias décadas de estudos e projetos para controlar as condições adversas da entrada do único porto marítimo do Estado do Rio Grande do Sul. São constituídos por dois quebra-mares construídos com gigantescas pedras que avançam 4, 5 km no Oceano Atlântico, sendo um deles localizado no município de Rio Grande (molhe oeste) e o outro em São José do Norte (molhe leste).
Além de essencial para a navegação, a obra é hoje um dos maiores atrativos turísticos da cidade. Nela os turistas e visitantes podem realizar o passeio de vagonetas, adentrando o oceano. As vagonetas são carrinhos movidos à vela, que deslizam sobre trilhos, controlados por trabalhadores conhecidos como vagoneteiros. O passeio dura cerca de 20 minutos e em época de temporada cada vagoneta realiza cerca de cinco viagens por dia.
Eu paguei R$ 10,00 reais e adorei o passeio, no caminho muitas pessoas pescando e caminhando. Vale a pena conhecer e senti o vento no rosto.
Neste dia conheci muitas pessoas que me deram água, cachorro quente e muitas conversas legais, jamais esquecerei a afinidade que tive com o povo gaúcho.
Após o passeio fiquei aguardando um novo amigo, que conheci no Farol Albardão, o Gunther, praticante de kitsurf. Ele me levaria até a Guarderia Wind Place, onde iria acampar.
O local é bonito e todo gramado, as construções são container reformados, neste local os praticantes de esportes náuticos deixam guardados seus equipamentos e barcos. Um lugar pra lá de legal é bonito. Ali acontece todos os dias, o por do sol mais lindo da região, com vista privilegiada da Lagoa dos Patos.
18º dia – Turistando em Rio Grande
Noite boa tranquila.
A cidade do Rio Grande foi fundada em 1737 pelo brigadeiro José da Silva Pais, e elevada – com substancial ajuda de Francisco Xavier Ferreira – à condição de cidade em 27 de junho de 1835, ano em que o coronel da guarda nacional Bento Gonçalves iniciou a Revolução Farroupilha. Está situada no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul, entre a Lagoa Mirim, a Lagoa dos Patos (a maior laguna do Brasil) e o oceano Atlântico.
Rio Grande é considerada a cidade mais antiga do Rio Grande do Sul. É a mais rica da região sul do estado, principalmente devido ao seu porto (o segundo em movimentação de cargas do Brasil), e à sua refinaria (a cidade é a sede da Refinaria de Petróleo Riograndense, antiga Refinaria Ipiranga). A cidade de Rio Grande é considerada um patrimônio histórico, e existem diversos pontos a serem visitados.
Após fazer um delicioso cafezinho, iniciei a visita no Museu Oceanográfico “Prof. Eliezer de Carvalho Rios”. Pertence à FURG: Fundação Universidade do Rio Grande e foi inaugurado no dia 8 de setembro de 1953.
O museu mantém uma exposição pública sobre a vida e a dinâmica do ecossistema marinho e sua relação com o meio ambiente, apresentada em painéis, maquetes e diversos equipamentos utilizados em pesquisas oceanográficas. Nestes painéis são apresentadas várias conchas, que fazem parte da coleção de moluscos do museu. Esta coleção, considerada a mais importante da América Latina, foi organizada pelo diretor fundador do Museu Oceanográfico, o professor Eliézer de Carvalho Rios.
Atualmente, o acervo abriga mais de 51 mil lotes e aproximadamente 50% do acervo representa a malacofauna (estudo de moluscos) brasileira. Os espécimes são preservados inteiros secos, inteiros em líquidos e partes de espécimes secos (peles, esqueleto, conchas, ossos, crânios, ovos, penas).
Ali também pode-se conhecer o Museu Antártico Brasileiro, onde podemos ver a reprodução da estação Comandante Ferraz, estação que o Brasil mantém na Antártida e é usada para pesquisas sobre o continente gelado. O museu Antártico também é coordenado pela FURG. Entrei nos contêineres pintados de verde e me senti na Antártida, fazendo parte da expedição de exploração. Sonhar é sempre possível, mesmo estando acordado.
Dali segui a pé para o centro da cidade e fui conhecer o Museu de Arte Sacra.
Em 1997 a Coleção foi fechada para as obras de restauração da Catedral de São Pedro e da Capela de São Francisco de Assis. A sua reabertura ocorreu em 17 de maio de 2000, com uma exposição adaptada as novas instalações do museu, que ocupa a partir de então, a nave da Capela e a parte superior do consistório, proporcionando assim, uma visibilidade maior do acervo e da Capela em si.
Formado no início por cerca de 200 peças, na sua maioria doadas pela própria igreja, o acervo do Museu Sacro, como é conhecido na cidade, conta hoje com aproximadamente 2,5 mil peças.
Entre as suas preciosidades destaca-se a imagem de São Francisco de Assis, do século XVIII, em madeira policromada e com estilo barroco legítimo, restaurada recentemente. Também é importante destacar a existência de vários livros de registro da Colônia de Sacramento; ostensórios, resplendores e cálices de ouro, prata e pedras preciosas; crucifixos de jacarandá; moveis de devoção remanescentes dos séculos passados; e livros sagrados, como bíblias, livros de oração e missais.
O prazer foi imenso em conhecer estes museus, até pretendia continuar, pois tinha mais lugares que eu queria conhecer, mas meus pés começaram a latejar de dor. Achei melhor voltar a Guarderia. O fim de tarde foi reservado para observar o sol morrendo na lagoa.
19º dia – Novamente turistando em Rio Grande
Dia de atualizar a página da expedição, fiquei praticamente a manhã inteira digitando um resumo da nossa caminhada até o momento.
À tarde fui conhecer o Acervo Histórico do Porto do Rio Grande.
A história do Museu do Porto, confunde-se com a memória do Cais do Porto Velho e a construção dos molhes oeste, na cidade de Rio Grande. Inaugurado em 1991, ocupa o armazém 1, do Cais do Porto Velho, com dimensões de 6.552 m³. Conta com um diversificado acervo, constituído de fotografias que contam a construção dos molhes, o desenvolvimento econômico do cais do porto, documentos referentes as tratativas do acordo entre Estados Unidos e França, que permitiu a construção da obra.
Neste museu visualizamos réplicas de rebocadores, vagão leito, instrumentos utilizados pelos trabalhadores, que vencendo fronteiras chegaram para compor a massa de mão de obra, que desde a retirada de pedras no município de Pelotas, até atividades mais especializadas, realizaram aquela que seria a maior obra de engenharia náutica do mundo à época.
O Museu do Porto pela memória que representa, teve sua história ligada desde sua criação a Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG), sendo seu mantenedor. Os objetos encontram-se em exposição permanente, sem custo.
Encantei-me com a grandiosidade da obra e a utilização que fazem com as vagonetes e a apresentação neste museu dos equipamentos e matérias utilizados quando da construção dos molhes.
Quase em frente existe um belo edifício histórico, a antiga Alfândega, onde abriga o Museu Histórico da Cidade do Rio Grande, e para lá me dirigi.
O Museu da Cidade do Rio Grande, mantido pela Fundação Cidade do Rio Grande É uma instituição que visa apresentar, documentar, pesquisa e a preservar da história as memórias do município.
A Coleção Histórica foi instalada oficialmente em fevereiro de 1984 e, atualmente encontra-se no prédio da Alfândega. O acervo do Museu, que é composto por mais de nove mil peças em diferentes tipologias e coleções, apresenta mais de duas mil e duzentas imagens fotográficas, as quais registram o século XIX e XX no município do Rio Grande. Estas imagens que se apresentam em diferentes processos fotográficos, documentam momentos do modo de vida na cidade, os serviços, as indústrias, comércios, paisagens urbanas e rurais, representações de casarios como vestuários e mobiliários pertencentes a varias famílias de Rio Grande.
Em segui fui visitar o Museu Náutico. Este lindo museu foi inaugurado em 9 de abril de 2003 e revitalizado em 13 de junho de 2007, sua exposição destaca o Rio Grande como uma cidade histórica e marítima, realçando sua íntima relação com o mar e com o estuário da Laguna dos Patos.
Tem como objetivo resgatar, preservar e divulgar a cultura e o conhecimento náutico local, valorizando o trabalho humano vinculado a esta cultura e dignificar a atividade daqueles que vivem do mar.
Seu acervo se constitui de embarcações, equipamentos de navegação, pesca e sinalização náutica, mapas e maquetes, que nos ensinam como vivem os homens que buscam os mares como esporte e/ou lazer e os profissionais práticos da marinharia.
São promotores do Museu Náutico a Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), o Comando do 5o Distrito Naval, a Superintendência do Porto do Rio Grande e a Fundação Cidade do Rio Grande.
Entre as peças de seu acervo, um navio de guerra utilizado pela Marinha está na área das embarcações do museu. Incorporado à Marinha em 1955, a corveta Imperial Marinho consegue transportar até 900 toneladas e possui enorme poder bélico com metralhadoras e canhões, além disso, mede 56 metros de comprimento, podendo abrigar até 64 marinheiros. O navio está aberto à visitação do público desde agosto de 2015, tornando o Rio Grande a terceira cidade a possui um navio-museu no país, atrás apenas de Rio de Janeiro e Belém.
Gostei demais desta visita, um marinheiro acompanha o visitante e mostra todo o navio, inclusive apresenta um filme sobre esta bela embarcação.
No fim da tarde, ainda passei num grande mercado e comprei alimentação para os próximos 10 dias. Retornando novamente a Guarderia.
À noite chegou. Fui tomar banho e saborear uma gostosa sopa.
A partir de amanhã vamos adentrar uma região pouco explorada por trekkes no litoral gaúcho, vamos atrás de novos faróis, nesta trilha que deverá ser uma das mais percorridas por caminhantes no futuro: A Trilha dos Faróis.
Todos os três museus visitados neste dia apresentam boas exposições, bem montadas é que vale a pena conhecer. Recomendo.
20º dia – 02/02/2018 São Jose do Norte
Na noite anterior fui dormir super tarde, pois fiquei digitando os dias anteriores da expedição. Acordei por volta das 07:30 hs., fiz um cafezinho e comi umas bolachas salgadas.
Às 9h30 já estava partindo. Percorri a orla da Lagoa dos Patos e cheguei à hidroviária.
No caminho encontrei um leão marinho, perto do local onde se vende peixes na cidade. Grandão e super fotogênico, este mamífero, fico ali esperando uns pedaços de peixes e além de ser fotografado pelos turistas.
Na hidroviária paguei R$ 3,20 reais na barca que faria a travessia de aproximadamente 6 km de Rio Grande até São José do Norte/RS, levamos aproximadamente meia hora para concluir o trajeto aquático. Como neste dia era feriado, e teria ali uma comemoração a Nossa Senhora dos Navegantes a lancha estava lotada de fiéis, tive que ir em pé, o que aproveitei e filmei a viagem.
Ao desembarcar em São José do Norte, percebi uma enorme quantidade de pessoas andando para todos os lados, nas ruas estreitas próximas à hidroviária.
Obtive informações sobre a rodoviária e para lá fui, estava fechada para almoço. Assim que abriu, comprei uma passagem para a Barra, onde têm os molhes, semelhantes aos de Rio Grande, porém diferente, não tem vagonetes e nem tantas pessoas ali circulando.
Paguei na passagem R$2,50 reais e este ônibus levou aproximadamente uma hora para chegar na barra . A estrada com piso de bloquetes de concreto, com muitas ondinhas, faz com que o ônibus siga vagarosamente.
Finalmente chegamos à barra, no caminho vi rapidamente o Farol Atalaia. Ele está bem distante da praia e do mar e está bem próximo a lagoa.
Desembarquei, vesti a mochila e animadamente avancei pela estradinha de areia em meios as dunas, uns 500 metros à frente vi os molhes, com suas pedras. Lá longe um farolzinho branco e a minha esquerda o mar, com suas ondas. Ali seria o reinício de minha caminhada pelo litoral brasileiro. Com exceção de alguns banhistas e três cavalos na praia, ela estava totalmente deserta.
Existe um grande fluxo de carros nos dois sentidos, no caminho encontrei alguns pescadores, que nem me notaram.
A mochila estava pesando uma barbaridade, meus pés sentiram o peso extra dos alimentos. Também neste dia comecei a sentir um desconforto no ombro e braço direito.
Caminhei nesta praia uns 7 km, pois localizei em meio as dunas um arroio, parecia um oásis, onde acampei. Vim a saber depois que esta praia chamar-se Praia do Mar Grosso.
À noite fiz arroz a grega e atum, com suco de uva. Lavei as panelas e fui dormir. Uma observação: neste trecho não encontrei outro arroio e o vento vinha do mar. Nesta noite o vento aumentou de intensidade.
21º dia – 03/02/2018 – Praia do Mar Grosso
Acordei tarde neste dia, por volta das 07:45 hs., e quando abri o zíper da barraca para ir ao “banheiro” estava passando dois cavaleiros, acompanhados por dois cachorros. Cumprimentei e eles nem ligaram para mim, continuaram a sua cavalgada, parecia que estavam verificando as cercas. Bah!
Já alguns dias vinha sentindo um desconforto nas costas, e este desconforto aumento e começou a doer o cotovelo direito.
Às 9h30 hs. estava partindo na caminhada. O dia estava nublado, e no entardecer as nuvens foram sumindo deixando o sol livre e desimpedido para lançar seus raios sobre a minha cabeça.
Neste dia deu praia, pois fui encontrando muitas pessoas pelo caminho, banhista e pescadores. O trânsito de veículos era intenso na praia.
Caminhei 6 km e cheguei à rua principal da praia do Mar Grosso. Está rua ou estrada vai até São José do Norte.
Era meio dia. Logo na entrada desta rua tem o Restaurante Atalaia (mesmo nome do farol), onde servia um almoço delicioso, como não aceitavam cartão e eu não tinha quase dinheiro, o proprietário sugeriu que fizesse uma transferência bancária, liguei para minha secretária (minha esposa) e ela pagou as despesas do marajá aqui. Resolvida esta questão logística, posso dizer que passei mal de tanto comer.
Ganhei do proprietário muitas garrafinhas de água. O difícil era carregar o peso adicional, que aumentou uns 2 kg, mas precisava levar, não sabia as condições mais para frente. Descansei bastante ali e às 15h. Parti novamente. A praia estava bem movimentada, tirei fotos com uma família. Na praia existem algumas cabines de guarda vidas, as ondas são tranquilas, uma grande faixa de areia, muitos carros transitando, banhistas, pescadores, e jovens jogando bola, e um paulista se arrastando pela praia com seu bastão.
Do lado esquerdo as dunas baixas com mata de restinga, dá para perceber onde tem arroios, apesar de não vê-los da praia, caminhei mais uns 4 km subi uma pequena duna e vi um bom lugar para acampar, olhei em volta para ver se estava sendo observado, vi que tinha quatro pessoas olhavam para mim , longe de onde eu estava, mas achei natural, não me pareceu perigoso, tinha visto eles andando anteriormente na praia.
Pelas minhas contas neste dia andei uns 10 km somente, estava satisfeito, porque rendeu bem e apesar do excesso de peso (acredito que neste dia estava carregando uns 25 km incluindo, equipamentos, água e alimentos).
Armei minha barraquinha e fiquei ali descansando. Por volta das 19:30 hs recebi a visite de duas pessoas muito especiais (duas das que ficaram vendo eu subir nas dunas, lembram?). Pois é, eles viram as reportagens sobre a expedição na tv e jornal e queriam me conhecer. Para mim foi um alento, fiquei lisonjeado e agradecido, trocamos poucas palavras e tiramos fotos. Adorei a visita naquele lugar tão ermo, o Valdemar e a Mara, me fizeram acreditar e reforçar o que eu já sabia, o ser humano pode ser bondoso com o seu semelhante, só devemos praticar mais esta bondade.
Combinamos que no dia seguinte eles voltariam, para me trazer um café e um pão com manteiga e viriam com mais dois parentes, que também queriam me conhecer.
Tive uma noite agradável, apesar do vendo e a dor no ombro.
22º dia – 04/02/2018 – O fim da caminhada
Como disse anteriormente a noite foi boa, acordei algumas vezes, ficava incomodado ao dormir do lado direito. Lembrei-me que era o aniversario de minha mãe.
Às 6h resolvi ir no “banheiro” fui abrir o zíper da barraca e levei um choque devido a dores no braço direito, sentei no chão e correu lágrimas de meus olhos de tanta dor. Era só o que faltava, além dos pés doloridos, agora o tendão lesionado que tenho. Ele esta querendo que eu volte para casa, sem concluir meu objetivo.
Aos poucos consegui desmontar o acampamento, choveu e parou, ventava pouco. Peguei minha mochila e fui para a praia, sentei em cima dela é fiquei ali questionando as possibilidades.
Neste ínterim as nuvens se foram e o sol brilhou com força em cima do oceano.
Conforme combinado, o Valdemar e a Mara voltaram e trouxeram mais visitas, a Denise e a Marisa, além do meu café com pão e manteiga, conversando com estes novos amigos cheguei a conclusão que iria procurar um médico.
O Valdemar se prontificou a me levar até São José do Norte, onde pegaria um ônibus na rodoviária até a cidade de Mostardas/RS. E assim foi feito, antes passamos numa farmácia e comprei remédios para aliviar a dor. Na rodoviária comprei passagem para Mostardas e enquanto aguardava o ônibus meu ombro lateja com uma dor constante e insuportável.
Antes de continuar, se faz necessário explicar este meu problema: Alguns anos atrás tive esta mesma dor no ombro que se irradiava para as costas, cotovelo e pulso, meu braço começou a congelar, perdi os movimentos, consultando um médico e fazendo ressonância descobrimos que 1/3 do tendão que une meu braço ao ombro estava inflamado e rompido. Posteriormente fiz fisioterapia e os movimentos voltaram noventa e cinco por cento, as dores era esporádicas tomava injeção para parar a dor que sentia, e com o tempo ela foi diminuindo. E a dor sumiu, mas agora resolveu dar o ar da sua graça.
O ônibus rodoviário levou três horas para fazer esta percussão, cheguei em Mostardas no meio da tarde. Deixei minha bagagem no alojamento do Parque Nacional da Lagoa do Peixe e um funcionário me levou ao médico no hospital.
Fui medicado superficialmente e resolvi descansar numa cama com colchão. Fiquei alguns dias ainda em Mostardas, tomando injeções para dor, mas ela persistia e não passava de jeito nenhum.
Este era o fim da minha caminhada pelo litoral brasileiro e do Rio Grande do Sul. Andei aproximadamente 350 km em 22 dias. Teve dias que carreguei 25 kg de peso na mochila. Conheci muitas pessoas maravilhosas, passei por algumas dificuldades e vivi uma grande aventura, sonhada e acalentada durante anos. Se não tivesse essa dor com certeza continuaria sem problemas. De qualquer forma consegui cruzar a “maior praia do mundo” a praia do Cassino em solitário, que para mim foi um grande feito. Volto outro dia! Quem sabe? O litoral vai continuar ali e a minha vontade continua crescente em meu coração.
Volto ferido para casa, porém volto feliz por ter chegando tão longe, estou realizado.
Você pode acessar meu canal no YouTube ou meu perfil no Facebook para ver vídeos e fotos desta e outras aventuras.
Obrigado e até breve!”
*Edson Sorrentino, tem 58 anos de idade e pratica excursionismo, montanhismo e escalada em rocha e gelo há pelo menos 30. Sua primeira grande aventura foi escalar o Pico da Neblina (2.995m) em 1988.
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