A Casa que Habitou a Era: A Residência do Dr. Flávio Suplicy de Lacerda e o Legado de Eduardo Fernando Chaves
Em meio ao fervilhar arquitetônico que marcou Curitiba na década de 1930 — uma cidade em transição entre o provincianismo do século XIX e os primeiros impulsos de modernização urbana — ergueu-se, com elegância discreta e solidez construtiva, uma residência que simbolizava o gosto burguês da elite local: a Residência para o Dr. Flávio Suplicy de Lacerda, projetada pelo arquiteto Eduardo Fernando Chaves em 22 de setembro de 1936.
Localizada na nobre Avenida 7 de Setembro, uma das artérias mais prestigiadas da capital paranaense na época, a casa representava não apenas um lar, mas uma declaração de status, cultura e pertencimento. Seu proprietário, Dr. Flávio Suplicy de Lacerda, era figura de destaque na sociedade curitibana — provavelmente ligado à medicina, advocacia ou administração pública, como sugerem os títulos honoríficos comuns à época. Sua residência deveria refletir, com modéstia refinada, essa posição: nem ostentação exuberante, nem simplicidade rústica, mas equilíbrio, proporção e permanência.
O Arquiteto e seu Tempo
Eduardo Fernando Chaves inscreve-se entre os profissionais que ajudaram a moldar o tecido urbano de Curitiba nas primeiras décadas do século XX. Embora menos celebrado hoje do que contemporâneos como José Ferreira Godinho ou Oscar Niemeyer (cuja influência viria mais tarde), Chaves foi peça-chave na consolidação de uma linguagem arquitetônica híbrida, que fundia elementos neocoloniais, ecos do eclético e os primeiros traços do racionalismo emergente.
Seu projeto para a residência de Flávio Suplicy de Lacerda é um testemunho desse momento de transição. A edificação — de dois pavimentos, com 300 m² distribuídos em planta compacta, mas funcional — foi erguida em alvenaria de tijolos, técnica tradicional e duradoura, que garantia solidez e isolamento térmico adequado ao clima paranaense. Apesar de possuir dois andares, a área total construída é descrita como 300 m², sugerindo que o segundo pavimento talvez fosse parcial ou destinado a dependências secundárias, como quartos íntimos ou área de serviço — configuração comum em residências médias da época.
O Projeto Arquitetônico
O projeto, preservado em microfilme no Arquivo Público Municipal de Curitiba, contém:
- Planta do pavimento térreo e superior
- Fachadas principal e lateral esquerda
- Implantação no terreno
- Detalhamento do muro de fechamento
Esses elementos revelam um cuidado com a integração entre privacidade e representação social. A fachada principal, voltada para a Avenida 7 de Setembro, provavelmente apresentava janelas simétricas, caixilharia de madeira, talvez um pequeno alpendre ou varanda — traços que evocavam a tradição residencial brasileira com toques europeus, talvez franceses ou luso-brasileiros.
Já o muro de fechamento, detalhado na prancha, não era mero elemento de delimitação, mas parte da composição estética do lote, reforçando a ideia de um recinto familiar fechado, íntimo, protegido — em contraste com a vida pública da avenida.
O Alvará de Construção nº 2206/1936, emitido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, atestava a legalidade da obra e sua conformidade com as normas urbanísticas da época, que ainda eram incipientes, mas já buscavam regular a expansão desordenada da cidade.
Um Fragmento de Memória Urbana
Infelizmente, como tantas edificações do período pré-modernista em Curitiba, a residência foi demolida antes ou durante 2012. Seu lugar, provavelmente, foi ocupado por um edifício comercial, um prédio de apartamentos ou um estacionamento — testemunho da constante transformação do tecido urbano, muitas vezes à custa da memória construída.
Sua ausência física, no entanto, não apaga seu valor histórico. Pelo contrário: sua documentação arquivística — rara e preciosa — permite que historiadores, arquitetos e genealogistas reconstruam, ao menos mentalmente, como vivia a elite curitibana nos anos 1930, quais eram seus ideais de lar, como se organizava o espaço doméstico e como a arquitetura servia como extensão da identidade social.
Legado e Reflexão
A residência do Dr. Flávio Suplicy de Lacerda não foi revolucionária. Não antecipou o modernismo nem desafiou convenções estilísticas. Mas foi representativa. Representa uma fase em que Curitiba ainda construía sua identidade urbana com tijolos, cal e memória — antes que o concreto armado e o automóvel redesenhassem radicalmente a cidade.
Eduardo Fernando Chaves, ao projetá-la com rigor técnico e sensibilidade formal, deixou um documento silencioso da vida burguesa paranaense — um monumento cotidiano, agora perdido, mas não esquecido.
Hoje, ao caminhar pela Avenida 7 de Setembro, poucos imaginam que ali, entre lojas e arranha-céus, já existiu uma casa de dois andares, com janelas que se abriam para o vento do Pinhão, onde uma família viveu, amou e envelheceu — e onde um arquiteto, com prancheta e compasso, escreveu, em tinta e alvenaria, uma página da história de Curitiba.
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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto
Denominação inicial: Residência para o Dr. Flavio Suplicy de Lacerda
Denominação atual:
Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Médio Porte
Endereço: Avenida 7 de Setembro
Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 300,00 m²
Área Total: 300,00 m²
Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos
Data do Projeto Arquitetônico: 22/09/1936
Alvará de Construção: N° 2206/1936
Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de residência e Alvará de Construção.
Situação em 2012: Demolido
Imagens
1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.
Referências:
1 - CHAVES, Eduardo Fernando. Residência para o Dr. Flavio Lacerda. Planta dos pisos térreo e superior, fachadas principal e lateral esquerda, implantação e muro representados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
2 - Alvará n.º 2206
1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.
2 - Alvará de Construção.
2 - Alvará de Construção.
2 - Alvará de Construção.
2 - Alvará de Construção.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.





