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domingo, 5 de fevereiro de 2023

O PARNANGUARA QUE ENGANOU OS FEDERALISTAS

 O PARNANGUARA QUE ENGANOU OS FEDERALISTAS

"Falar sobre a Revolução Federalista, é relembrar dias amargos por que passou a nossa terra. Sim, porque Paranaguá foi o palco da célebre tomada de 15 de janeiro de 1894...
Embora alguns historiadores tenham feito referências sobre os episódios aqui ocorridos, raros os que se alongaram nos detalhes mais importantes, imprescindíveis mesmo à História do Paraná , nessa grande luta inglória...
Muito se tem falado sobre os acontecimentos realizados em Florianópolis, em Curitiba e na legendária Lapa; aliás com muita propriedade. Mas, em PARANAGUÁ, quase nada se há dito.
Todos sabem do fatídico dia 20 de maio, em que foram sacrifi- cados seis paranaenses de valor; entre eles, o Barão do Cerro Azul (Ildefonso Pereira Correia) e o respeitável cidadão Presciliano da Silva Correia... (ambos paranaguaras)... porém... isso foi depois da retirada dos revoltosos...
Relatemos então o que ouvimos de nossos pais, do saudoso coronel Agostinho Pereira Alves e do inesquecível historiador amigo Vicente Nascimento Junior; testemunhas oculares de tão tristes acontecimentos...
A Revolução Federalista havia irrompido, em 1893, nos campos do Rio Grande do Sul, preocupando bastante o Governo da República. O levante da esquadra, nesse mesmo ano no Rio de Janeiro, chefiada pelo Contra-Almirante — Custódio José de Melo — veio piorar a situação, pois os revoltosos se apoderaram dos navios mercantes que se achavam ancorados no porto e cruzaram a Barra, em direção ao Sul, ao encontro das Forças Federalistas.
Ao passar em São Francisco do Sul, inutilizaram a rede telegráfica. Continuando a marcha, surgiram na Barra do Norte da ilha do Desterro (hoje Florianópolis). Contornaram a ilha e entraram pela Barra do Sul, obrigando as Forças Legais a se renderem. Os revolucionários, de posse da ilha, instituíram o Governo Provisório ório da República, nomeando como chefe o Capitão de Mar e Guerra — Frederico Guilherme de Lorena...
Para que o leitor possa compreender que, no próprio Estado do Rio Grande do Sul havia a corrente fiel ao Governo Legal, pas- saremos a relatar, com a devida vênia, as palavras do eminente historiador — Professor Walter Spalding:
"Quando os federalistas em armas, chefiados por Gumercindo Saraiva, acossados pelas circunstâncias, resolveram, contra a opinião de alguns chefes militares, atravessar Santa Catarina, invadir o Paraná e levar, se possível, suas hostes até ao Rio de Janeiro com intuito de derrubar o Marechal Floriano, papel saliente desempenhou no ataque às Forças Revolucionárias a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Infelizmente, para legalidade, a Milícia Gaúcha, apesar de aguerrida, valente e resistente, pouco pôde fazer, pois tudo ou quase tudo lhe faltava, graças à incúria em que a deixou o próprio Governo".
Em vista desses acontecimentos, o GOVERNO LEGAL tomou as necessárias providências, a fim de defender o litoral paranaense. É então quando a nossa Paranaguá aparece no cenário dessa guerra civil. Foi logo convocada, em nossa terra, a Guarda Nacional, com 400 homens de Infantaria, sem nenhum adestramento militar; mas assim era preciso. Esse efetivo foi distribuído em 4 companhias:
A primeira, era comandada pelo oficial honorário do Exército — Capitão Randolfo Gomes Veiga. Havia também 3 canhões "Krupp" 75, de tiro lento, com a respectiva guarnição. Estavam eles postados em toda a orla costeira: O primeiro canhão foi colocado nas imediações da "casa baleada". O segundo, na então "chácara do Barão". O terceiro, onde se acha hoje o prédio da antiga Alfândega. Essas três guarnições ficaram de prontidão, a espera da Esquadra revoltosa.
Os "oposicionistas" locais, simpáticos à causa Federalista, procuraram entrar, ocultamente, em contato com os soldados da Guarda Nacional e incutir no ânimo deles a idéia de um movimento local. Assim, quando a Esquadra revoltosa entrasse em nosso porto, a Cidade não seria bombardeada. Apenas tomada sem resistência. Foi um trabalho de sapa feito no maior sigilo. No dia aprazado, os soldados se revoltariam, aderindo à revolta. Estava pois, tudo pronto. ..
Veio, por fim, um "emissário" do Sul, trazendo, para os oposicionistas, a notícia de que os "navios federalistas" chegariam à nossa baía na madrugada de 11/01/1894. Assim sendo, logo depois da meia noite dessa data marcada, os soldados da Artilharia, não mais se contendo, revoltaram-se, prendendo os 4 oficiais que os comandavam — tenentes Anibal Carneiro, Antonio Bittencourt, Henrique Veiga e Antonio Tupinambá Bittencourt — por não aderirem a esse movimento de revolta. Foram eles recolhidos à "chácara do Joaquim Lucinda" (casa baleada) e presos sob guarda. (Essa chácara era de propriedade da Família Sant'Ana Lobo).
A seguir, os artilheiros e demais soldados rumaram para a Cdade até a Cadeia Pública, intimando a Guarda a se render. A Cadeia era um velho sobrado colonial, com paredes de mais de meio metro de largura, situado à rua 15 de novembro, bem em frente ao jardim "Leocádio Pereira", onde está o busto do professor Cleto. Prédio que depois foi demolido e no local, levantado o "Palais Royal", hoje também em ruínas.
Repelidos energicamente pelo Batalhão de Guarda, retornaram à Costeira, que ficou sendo o seu reduto. A repressão do Governo Estadual começou então desse momento em diante, fazendo descer tropas de Curitiba para eliminar os revoltosos locais. Chegou logo o batalhão "23 de novembro", comandado pelo 1.° Tenente Domingos Nascimento; depois, a Artilharia do Exército sob o comando do Capitão Faria de Albuquerque; tudo isso pela manhã.
Além disso, o delegado de polícia — Capitão Narciso de Azevedo — com seus praças, começou a fazer prisões, recolhendo à Cadela Pública todos os paranaguaras suspeitos de aderirem à revolta local. Foram presos 110 cidadãos. Os principais elementos considerados os mais perigoso para o Governo, foram recolhidos a uma sala separada e eram em número de 42. Os demais suspeitos ficaram detidos em outras salas...
E tudo isso aconteceu, porque, a Esquadra revoltosa esperada nessa madrugada de 11, não chegara. Devia ter havido algum impecilho, e de fato, houve. Fora o mau tempo em São Francisco do Sul. Não foi possível sair Barra à fora...
Mas, continuemos:
Ao meio dia, a tropa governista, já aquartelada, partiu da Cadeia, puxada pela Banda "Progresso Musical", para o ataque aos revoltosos da Costeira. A guarnição local da Guarda Nacional que se mantivera fiel ao Governo, também acompanhou. Seria o fim dos nossos infelizes paranaguaras que se achavam encurralados na Casa Baleada...
O ataque então começou, e a resistência, firme ! . . .
Esses acontecimentos para os lados da Costeira, deixaram a população bastante alarmada e mesmo apavorada. O Comércio, como era de se esperar, fechou as suas portas. A Cidade então, num ambiente de terror, tornou-se uma verdadeira praça de guerra.
O dia se escoara; entrou a noite e a resistência foi curta; porquanto, sem o auxílio que esperavam dos Federalistas, os revoltosos locais nada mais podiam fazer; mas não se entregaram!... Fugiram, através dos mangais que existiam para os lados do "porto do Gato" (hoje, o Porto D. PEDRO I I ). Os quatro oficiais presos, com a fuga dos revoltosos, também escaparam, aproveitando-se da confusão.
O dia 12, foi todo de trabalho, no preparo de trincheiras, desde a Casa Baleada até ao Rossio. As tropas legalistas se entrincheiraram então em toda essa orla marítima, a espera da Esquadra revoltosa, que devia chegar a qualquer momento.
Na manhã do dia 13, o semáforo do morro da Cotinga, com suas bandeiras, deu o sinal da aproximação dos navios de guerra federalistas... A população ficou mais apavorada ainda. Quanto às forças legais, esse fato tornou a situação mais complicada.
Com essa notícia, o Dr. GASTAO CERJAT, diretor da Companhia Francesa da Estrada de Ferro, içou a bandeira francesa na fachada da Estação local.
Nesse dia, os navios fundearam na enseada das Conchas; tomaram o Farol das Conchas e depois a Fortaleza da Barra, cujo comandante — Major José Ricardo da Cruz — natural de Morretes, achava-se em nossa Cidade.
No dia 14, vieram ancorar na ilha das Cobras; só levantando ferro no dia 15, para atacar a Cidade (isso pela manhã). Comandava a Esquadra o valente Contra-Almirante — Custódio José de Melo.
Às 7 horas desse dia 15, o semáforo da Cotinga ainda pôde anunciar o movimento dos três navios. Pouco depois, apareceram eles na Ponta da Cruz, e, já a descoberto, continuaram sua marcha em direção do Rossio. Ao passar bem em frente da "Chácara do Lucinda", os três canhões de terra abriram fogo.
Nessa ocasião, o comandante do cruzador "República", que já estava esperando por esse ataque-defesa, ordenou a resposta com os possantes canhões de sua artilharia, em certeiras pontarias contra os entrincheiramentos e a célebre "chácara"; pois que ficavam a menos de uma milha dos grossos canhões da Esquadra, cujos tiros feriram a Cidade em alguns pontos; principalmente no desaparecido "Campo Grande" e na Fonte Velha.
Uma das granadas matou dois jovens — José Rufino, marceneiro e músico, com 18 anos de idade, e Olívio Teófilo, pintor, com 16 anos. Ambos fugiam da Cidade e já se achavam no Campo Grande. Foram as únicas vítimas civis.
Um popular de meia idade, por nome Manoel, que também se achava nas imediações do Campo Grande; ao assistir esse desastre e ouvir o estrando dos canhões, perdeu completamente o uso da razão. Viveu ele ainda por muitos anos; percorrendo as ruas da Cidade a dizer: PUM BUM (imitando os tiros dos canhões). Chamavam-no, Mané Pum Bum". Conheci-o muito...
Continuemos porém a narrativa:
O grande ruído produzido pelo tiroteio, apavorou e sobressaltou ainda mais os habitantes; abalando também, em parte, o ardor da defesa... Houve então um período de tréguas de quatro horas.
Nesse espaço de tempo, as famílias que não puderam sair da cidade, refugiaram-se no sobrado do Capitão Tiago Pereira de Azevedo — Cônsul do Uruguai — como único abrigo. As mais importantes ficaram no pavimento superior; as demais, no pavimento térreo.
Meus pais, com meus dois irmãos (Braulio, de 6 anos e Alfredo, de 5 anos), mais meu tio Antonio de 10 anos, abrigaram-se no pavimento térreo desse sobrado. Minha mãe, sentada numa cadeira, com os dois filhos no cólo; meu tio sentado no chão e meu pai de pé, passaram assim a noite, sem se poder mexer, dado o grande número de pessoas ali recolhidas. Além de tudo, o tiroteio ensurdecedor durante toda essa memorável noite de pavor, amedrontava mais ainda as senhoras ali abrigadas. Ninguém podia dormir e nem rezar, tal o estado de alma de cada pessoa...
Minha mãe jamais pôde esquecer essa horrível noite de 15 para 16 de janeiro... e quando me contava os pormenores (por várias vezes), fazia as suas ponderações: "por quê tanta luta entre irmãos, acaso não somos filhos da mesma Pátria?" . . .
O cruzador "República" era comandado pelo Capitão-Tenente — Cândido dos Santos Lara — e nele vinha o comandante em chefe da Esquadra — Contra-Almirante Custódio José de Melo. O cruzador "Urano", sob o comando do 1.° Tenente Francisco César da Costa Mendes (filho de Paranaguá), e o cruzador-auxiliar "Esperança", comandado pelo 1º Tenente da reserva Álvaro Ribeiro Graça.
Nessa manhã histórica de 15 de janeiro, chega o General Pego Junior, comandante do Distrito Militar. Vinha de Curitiba para fortalecer a resistência; sendo recebido, na histórica chácara, aos gritos de "viva a República" ! . . .
A Esquadra Federalista havia fundeado próxima à ilha do Gererê, esperando pelo cruzador auxiliar "Iris", que trazia do Sul a tropa de desembarque. Vinha ele sob o comando do 1.° Tenente Franscisco de Matos, passando bem ao largo da Costeira, a fim de juntar-se aos demais.
Foi surpresa para os legalistas, pois o semáforo da Cotinga não havia anunciado. É que, aos primeiros disparos dos canhões da Esquadra, o sinaleiro, apavorado, fugira, deixando as bandeiras no topo do mastro...
Essa tropa de desembarque era formada pelo 25.° Batalhão de Infantaria do Exército, da Guarnição do Desterro, comandada pelo Coronel Canto; mais o Batalhão Catarinense de patriotas "Fernando Machado", comandado pelo 1.° Tenente João Nepomuceno da Costa Filho (Tenente Costinha, como o chamavam); Batalhão este, que também aderira ao movimento Federalista...
Comandava a resistência, na Costeira, o Coronel Eugênio de Melo, chefe da Guarnição. Difícil seria o desembarque, pois a defesa estava bem guarnecida.
Eram 3 horas da tarde... O Almirante Custódio de Melo, percebendo que a defesa estava forte e que seria muito difícil a entrada, usou de um estratagema. Fez proa para Antonina; dando a entender que, desanimado de tomar Paranaguá, iria desembarcar a tropa naquela cidade desguarnecida.
O General Pego Junior não percebeu o plano do inimigo e, sem mais demora, envia, rapidamente, mais de metade da tropa de defesa, pelo trem, para Antonina, a fim de impedir o desembarque. Foi o caos...
A Esquadra, que se achava escondida por detrás da ilha, percebeu o rumor do trem, na sua passagem em Alexandra, e, já preparada, voltou a todo o vapor, para reatacar o reduto da Costeira, cuja guarnição fora reduzida pela metade... A luta recomeçou, pela noite a dentro e se prolongou até a madrugada de 16; quando os revoltosos conseguiram desembarcar...
A guarnição de terra começou o recuo, até à Cadeia, seu último reduto de resistência... Os canhões da barranca haviam cessado de troar... pela segunda e última vez...
Preso o comandante Eugênio de Melo, os revoltosos ocuparam inteiramente a Cidade. A Cadeia estava guarnecida com apenas vinte praças, além do Capitão Garcia. Esses vinte praças eram o resto do Batalhão "Frei Caneca" de São Paulo, retirado de Paranaguá pelo General Pego Junior, para ir em defesa de Antonina.
O comandante — Capitão Garcia — vendo-se sitiado, foi falar aos prisioneiros, pedindo-lhes a garantia de sua pessoa, libertando-os em seguida. Nessa ocasião, o Coronel Teófilo Soares Gomes, em nome dos demais presos, prometeu-lhe a garantia pessoal solicitada.
Nesse meio tempo, já subia as escadas da velha Cadeia o revolucionário — 2° Tenente Roberto Le Coq de Oliveira — que recebeu das mãos do Capitão Garcia as chaves das prisões. Abertas as grades, os prisioneiros parnaguaras, simpatizantes dos Federalistas, saíram às ruas dando vivas à Revolução.
Com a rendição e ocupação da Cidade, bem como a libertação dos prisioneiros, as coisas mudaram completamente. Começaram então as prisões dos legalistas. E era natural.
Nesse dia 16, ainda pela manhã; estando toda a Cidade tomada pelos revoltosos; o comandante da praça mandou um oficial à residência do Capitão Tiago Pereira de Azevedo, a fim de avisar as famílias ali abrigadas, que podiam se recolher aos seus lares, sem preocupações; que nada lhes aconteceria.
De fato, a calma veio novamente reinar em nossa Paranaguá. O jornal do Estado "A República", órgão do Governo, de 16 de janeiro, deu esta notícia:
"CHEGOU ONTEM AO PORTO DE PARANAGUÁ, A ESQUADRA NEGRA, AO MANDO DO BANDITISMO DE CUSTÓDIO DE MELO E DO EX-NEUTRO DA ILHA DAS "COBRAS"; (Esse ex-neutro era o bravo Almirante Luiz Felipe Saldanha da Gama). ATÉ A HORA EM QUE ESCREVEMOS, NÃO CONSEGUIRAM OS REBELDES DAR DESEMBARQUE NAQUELA CIDADE MARINHA, GRAÇAS AO ESFORÇO DE SUA VALENTE GUARNIÇAO".
Notícia inverídica, porque, Paranaguá desde essa manhã de 16, achava-se em poder dos Federalistas.
E é preciso que se diga, a bem da verdade, salvo as prisões dos políticos legalistas (o que era justo, dadas as circunstâncias em que se achavam), nenhuma arbitrariedade houve durante os três meses e sete dias em que aqui estiveram os Federalistas.
Apenas o comandante da praça pediu a cada família que colaborasse com a comida a um ou dois soldados revolucionários (café da manhã, almoço e jantar). Em casa de meus pais, somente um sargento fazia essas refeições. Nas demais casas, a mesma coisa. Nas casas dos graúdos, só os oficiais.
Foi a única coisa que eles pediram à população. E era justo, pois não tinham dinheiro para sustentar a tropa; apenas uma parte dela. Não nos esqueçamos que, só as famílias oposicionistas e simpatizantes dos Federalistas é que concordaram em ajudar aos soldados com a alimentação pedida.
Quanto ao mais, houve uma verdadeira disciplina por parte de todas os praças e também dos oficiais. O respeito às famílias foi extraordinário. É preciso que isso seja dito, para que não se julgue mal de todos os nossos irmãos do Rio Grande do Sul.
Ninguém escreveu sobre os fatos realizados em Paranaguá durante a ocupação Federalista, porque não era permitido elogiar qualquer ato bom por parte dos revoltosos; nem mesmo tocar-se de leve nesse assunto. Os anos foram passando e o caso caiu no esquecimento.
Ultimamente é que os escritores vem se interessando pelo assunto. Como estamos escrevendo sobre "Paranaguá na História e na Tradição", nos lembramos de trazer à tona esse interessante episódio de 82 anos atrás.
Sabemos, entretanto, que em Rio Negro não foi assim... A carnificina, por parte da tropa de Gumercindo Saraiva, foi impiedosa... de estarrecer... (isso com respeito à população).
Em Paranaguá, a população nada sofreu, como já dissemos. Lembremo-nos então do provérbio, "os dedos das mãos não são iguais" ! ... No dia 20, Curitiba foi tomada e ocupada pelos Federalistas.
A cidade da Lapa, porém, resistiu heroicamente, até o dia 9 de fevereiro; caindo por fim às mãos dos revoltosos, com a morte do General Ernesto Gomes Carneiro.
Para que o leitor possa avaliar o quanto eram desvairadas as paixões políticas daquela época (isso quanto aos civis), passaremos a contar um fato que, se fosse levado a efeito, traria o luto para mais de 35 famílias de Paranaguá:
— Quando se deu o levante local, na madrugada de 11 de janeiro, pelas guarnições que se revoltaram; depois de debelado esse levante, pelas forças legais que desceram de Curitiba; houve alguém, ou alguns legalistas de alma negra que, daqui de Paranaguá, telegrafaram ao Ministro da Guerra — General Antonio Enéias Gustavo Galvão — pedindo autorização para o "fuzilamento" de 35 paranaguaras oposicionistas que se achavam presos na Cadeia, desde a manhã do dia 11! ...
A resposta desse miserável telegrama veio assim redigida:
"PODEIS FAZÊ-LO APÓS CONSELHO DE GUERRA, QUE O GOVERNO TUDO APROVARÁ".
Quanto ódio minava o coração empedernido de certos paranaguaras legalistas... A sorte dos nossos oposicionistas foi a Esquadra Revolucionária ter chegado a tempo... E se a legalidade tivesse vencido naquela ocasião ?...
Já pensaram na sorte dos nossos 110 paranaguaras simpatizantes dos revolucionários ?! ... Vocês poderão avaliar, pelo doloroso episódio do "quilômetro" 65 da ferrovia Paranaguá -Curitiba.
Os Federalistas ficaram em Paranaguá num período de 3 meses e 7 dias, sem causar danos à Cidade; até o dia 23 de abril, quando desapareceram da noite para o dia. Foram avisados em tempo...
No dia 24 de abril, quando da "retomada" da Cidade pela Esquadra Florianista comandada pelo Almirante reformado — Jerônimo Francisco Gonçalves — os Federalistas não mais aqui estavam; tinham deixado nossa terra. Apenas dois oficiais que, não sendo revoltosos, deixaram-se ficar na Cidade, sem preocupações. Eram eles: Major Colônia e Tenente Nolasco; mas as forças legais, nada ouvindo e nada perdoando, armaram-lhes uma cilada e, ambos presos, foram fuzilados, atrás do Cemitério (paredão dos fundos), na madrugada de 20 de maio de 1894...
Depois de retomada, as perseguições não se fizeram esperar.. A crueldade foi enorme... E aí é que veio o sofrimento e o luto para a nossa gente. Tantas vidas úteis ceifadas... Essas crueldades culminaram com o doloroso episódio do quilômetro 65 ! ...
Ninguém mais ignora o bárbaro fuzilamento, no quilômetro 65 da Estrada de Ferro Paranaguá -Curitiba dos ilustres paranaenses ILDEFONSO PEREIRA CORREIA (Barão do Cerro Azul), PRESCILIANO DA SILVA CORRÊA, JOSÉ LOURENCO SCHLEDER, JOSÉ JOAQUIM FERREIRA DE MOURA, BALBINO CARNEIRO DE MENDONÇA, LOURENCO RODRIGO DE MATTOS GUEDES (os dois primeiros, filhos de Paranaguá). ...
Foi a página mais negra dessa Revolução, porquanto, as vítimas, sem o querer, haviam sido implicadas na trama do movimento revolucionário...
Esse "capítulo" da "retomada" foi tão cruel e diabólico, quanto às "paixões políticas" que avassalavam o País. É tão triste que não vale a pena recordar, apenas fica na História, como aviso às futuras gerações sobre os resultados sempre funestos de uma Revolução ! ...
Mas, deixemos esses fatos deploráveis e falemos sobre um interessante episódio dessa época revolucionária, que, além de demonstrar a lealdade e fidelidade ao Governo Legal, provou a sua firmeza de caráter:
— O Sr. Joaquim Guilherme da Fonseca, cidadão conceituadíssimo na Cidade, era, nesse ano de 1894, Tesoureiro da Alfândega de Paranaguá. O "homem dos dinheiros do País"; portanto, de inteira confiança do Tesouro Nacional.
— Rompe a Revolução Federalista. O Governo se vê às voltas com o Almirante Custódio José de Melo, no levante da Esquadra em 1893, no R io de Janeiro.
— Em a noite de 10 de janeiro, o Tesoureiro, esperando, como todos, a chegada das forças revolucionárias e temendo um assalto à Alfândega (Essa Repartição Federal da Fazenda funcionava no velho Convento dos Jesuítas) vai até lá e retira do "cofre" todo o dinheiro depositado; deixando apenas algumas "patacas" (moedas de cobre). Teve porém o cuidado de deixar consignado, no livro competente, o envio dessa quantia ao Tesouro Nacional, no Rio de Janeiro.
— Chegando em casa, pega a panela de barro (de fazer barreado) e deposita nela todo o dinheiro retirado do "cofre" da Tesouraria. Tapa muito bem e enterra num dos canteiros do jardim de sua residência. E note-se; tudo feito à noite, a fim de evitar suspeitas. Já então despreocupado, trata de descansar; aguardando os acontecimentos do dia seguinte.
— Pela manhã, soube da revolta da artilharia local, nessa madrugada. Depois, a repressão pelas forças legais, e por fim, a prisão de 110 suspeitos; entre eles, 35 declaradamente oposicionistas. Ficando estes últimos, incomunicáveis.
— Na madrugada de 15 para 16 de janeiro de 1894, os revolucionários tomam Paranaguá.
— No dia 16, o Sr. Joaquim Guilherme da Silva recebe em sua casa a visita do comandante dos Federalistas, pedindo que o levasse até a Tesouraria, para lhe entregar todo o dinheiro qua houvesse no "cofre". Excusado é dizer que o Tesoureiro, lá chegado, desculpou-se, dizendo já tê-lo enviado, dias antes, ao Rio de Janeiro. Nem por isso sua casa deixou de ser revistada, com era de se esperar; mas nada foi encontrado...
— Passados 3 meses e 7 dias, as Forças do Marechal Floriano Peixoto retomam a nossa Paranaguá.
— O Sr. Joaquim Guilherme recebe outra visita: a do novo comandante das Forças da Legalidade. Este, pede também para acompanhá-lo até a Alfândega, a fim de lhe ser entregue todo o dinheiro que deve estar no "cofre" da Tesouraria.
— O Sr. Joaquim Guilherme então, conta primeiro, o "caso", com todos os seus pormenores, ao comandante e demais ofi- ciais presentes, que o ouvem admirados da feliz idéia que teve. Depois, vai com eles ao jardim e, com toda a calma, desenterra a célebre "panela" (não com barreado), mas com cédulas e moedas de ouro e de prata. Por fim, retira o conteúdo e entrega-o ao representante da Lei! ...
Este episódio, com seu lado interessante, tem seu ponto de vista psicológico, mostrando o caráter da criatura cônscia de sua responsabilidade ! ... Assim eram os homens do passado, em nossa terra...
Mais tarde, passada a onda de perseguições, quando a velha Paranaguá entrou novamente na sua calma cotidiana, o cidadão: Joaquim Guilherme da Silva — contava aos seus amigos, no tradicional "paredão" da igreja da Ordem, o fato e a idéia feliz que tivera; gozando, por fim, da "peça que pregara aos Federalistas.
CONSIDERANDOS:
Recordando os episódios da Revolução Federalista, em Paranaguá observamos que, entre dois "partidos" que se degladiam por um Governo na mãos, não cabe a nenhum deles julgar o adversário. Isso porque, cada um deles tem as suas convicções e as defende com o mesmo ardor.
A Revolução Federalista, se vitoriosa fosse, veríamos um Governo de vinganças e desforras; um sem número de horrores e de ódios tremendos contra os vencidos. ...
Como não venceu, vimos indivíduos (legalistas) que perderam toda a noção de sentimento humano; verdadeiras feras, sedentas também de ódio implacável ...
E, para que os pósteros jamais esqueçam que, mais de 35 parnanguaras, por serem simpatizantes à Revolução Federalista, iriam ser fuzilados (a pedido de alguns parnaguaras legalistas); deixamos, neste simples mas verídico episódio, os nomes dos heróicos cidadãos (os que pudemos achar em nossas pesquisas), como uma homenagem póstuma àqueles que também tinham um ideal; que amavam sua Pátria; que também eram bons brasileiros !!!
"Mathias Bohn — Joaquim Soares Rodrigues — Saturnino Pereira da Costa — Alcides Augusto Pereira — Luiz Vitorino Picanço — José Gonçalves Lobo — Cândido de Oliveira Salgado — Praxedes Oliveira Salgado — Narciso França — Vergilio França — Militão Pereira Alves — Nicoiau Mader — Francisco José de Oliveira — Felipe Paiva — Ildefonso Luiz Marques — João Luiz Marques — João Ferreira Arantes — Juvenal Ferreira Arantes — João Fernandes Donato — José Ferreira de Campos — João Clímaco Pombo — Benedito Souza Guimarães — Ricardo Costa Junior — Dr. Generoso Marques — Dr. José Beviláqua — Aquiles Alves dos Santos — Patrício Thomaz Seguiz — Dr. Evangelista Espíndola — Manoel Clarício de Oliveira — João Balduino Alves Cordeiro — Francisco Agostinho de Souza e Melo — José Gonçalves da Silva Bastos — Vicente Montepulciano do Nascimento — Manoel Rodrigues Vianna — Teófilo Soares Gomes (natural de Antonina e que, sendo elemento de projeção na política daquela cidade, fora transferido, pelo Governo, para Paranaguá, como medida de segurança)".
Ainda se vê na última das palmeiras do jardim "Leocádio Pereira", a que dá para o lado da ladeira "19 de dezembro", a cicatriz deixada por um bala, a uns 10 metros de altura. Ela é um marco vivo desse acontecimento que deixou traços indeléveis, tão dolorosos em muitas famílias de nossa Paranaguá. É que o "tiroteio" na "barranca", em frente à Cadeia velha, foi, de fato feio até a tomada final...
No passado, entre dois partidos políticos que se digladiavam, os chefes apenas não se cumprimentavam; mas, atrás dos bastidores, tinham os seus "capangas' de alma embotada e coração empedernido que, sem dó nem piedade, praticavam toda sorte de barbáries...
Felizmente, tudo isso foi passando. Hoje, o homem já vai compreendendo que, a verdadeira superioridade consiste em saber dominar-se e ter um modo firme e correto de pesar os fatos, primeiro; agindo, depois, sem paixões nem interesses pessoais.
Não pode mais haver questões de orgulho e de vinganças entre irmãos... filhos de u'a mesma Pátria !...
Que todas as criaturas compreendam isso.
(Extraído do livro "Paranaguá na História e na Tradição ", de Manoel Viana / Aquarelas publicadas no Jornal Folha do Litoral sem menção do autor)
Paulo Grani

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