FEBRE AMARELA EM PARANAGUÁ
A febre amarela foi declarada controlada em Paranaguá no final de fevereiro de 1857
FEBRE AMARELA EM PARANAGUÁ
A febre amarela foi declarada controlada em Paranaguá no final de fevereiro de 1857. Restrita a casos esporádicos durante duas décadas, a febre amarela ressurgiu no litoral paranaense em 1878 em proporções epidêmicas. Segundo relatórios do governo, a epidemia acometeu 479 pessoas das quais 54 faleceram.
A crise epidêmica foi precedida pelos acontecimentos ocorridos em janeiro de 1877, quando uma embarcação alemã, o Pellikan, oriunda da Corte, onde a febre amarela grassava com intensidade, atracou em Paranaguá e deixou em alerta as autoridades locais, exigindo dos médicos um esforço para evitar a disseminação da doença na região.
A fortaleza da barra, por meio da estação telegráfica, comunicou à Inspetoria de Saúde do Porto, que a bordo do Pellikan haviam falecido dois tripulantes, vítimas de uma enfermidade ainda desconhecida. Seus corpos foram atirados ao mar. O capitão da embarcação apresentou os mesmos sintomas, porém, procurou dissimulá-los ao receber a visita da inspeção sanitária, negando estar com a saúde comprometida e que, em seu brigue existisse qualquer anormalidade. O capitão não forneceu maiores detalhes sobre a morte dos dois marinheiros. No dia seguinte à inspeção, o capitão foi removido em estado grave para o lazareto, vindo a falecer. Segundo o inspetor, o capitão apresentou todos os sintomas característicos da febre amarela. O brigue ficou retido durante vinte dias e foi submetido a desinfecção geral e a visitas diárias do inspetor.
O médico da Companhia de Aprendizes de Marinheiro da cidade de Paranaguá, temeroso com as notícias referentes ao Pellikan, recomendou ao capitão do porto de Paranaguá, a limpeza do navio escola e a caiação interna e externa de todas as paredes do quartel. A Câmara Municipal de Antonina igualmente receosa, solicitou ao governo da província os medicamentos recomendados pelo médico local, o dr. José Franco Grillo.
A Câmara Municipal de Paranaguá, ao receber as notícias referentes ao Pellikan, recorreu ao presidente da Província, Adolpho Lamenha Lins, para a criação de uma comissão sanitária na cidade antes da disseminação do mal. Lamenha Lins atendeu ao pedido da Câmara e criou a comissão sanitária de Paranaguá. As comissões sanitárias tinham caráter temporário e eram dissolvidas logo após o surto, muito embora, exigissem do governo da província recursos para a instalação de lazaretos, hospitais, saneamento de cidades e principalmente apoio médico.
Outros casos de febre amarela foram constatados na tripulação do Pellikan. A despeito disso o novo capitão do brigue alemão dirigiu-se à Capitania onde deu entrada na documentação necessária para prosseguir viagem rumo a Antonina. Após ser considerado livre da doença, seguiu para lá, onde surgiu a bordo o oitavo caso, despertando a fúria daqueles que já haviam criticado Correia por não ter agido de forma mais rigorosa em relação à quarentena.
Sobreviveram apenas um ou dois marinheiros da tripulação do brigue alemão. A doença não ficou somente a bordo da embarcação, acometendo e vitimando pessoas em terra. De acordo com Correia, vômitos negros e hemorragias foram constantes nos casos fatais. Alguns doentes apresentaram anúria (diminuição da secreção urinária), e os casos benignos foram seguidos por disúria (dificuldade para urinar) e adinamia (prostração intensa). Em sua opinião o germe responsável pela doença fora importado da cidade do Rio de Janeiro, onde a epidemia reinava abertamente.
Cerca de um ano depois, em fevereiro de 1878, um tripulante da embarcação Calderon faleceu em consequência da doença. A embarcação iria atracar no porto de Paranaguá com centenas de imigrantes. Leocádio Correia pediu orientação de como proceder ao vice- presidente da Província, Jesuino Marcondes de Oliveira e Sá, sugerindo a criação de um local de quarentena na Ilha de Eufrasina com o intuito de desafogar o lazareto da Ilha das Cobras e evitar que passageiros e tripulantes em observação viessem a se misturar com pessoas doentes. Como não obteve resposta do governo, ameaçou enviar os colonos para Curitiba.
A estratégia adotada por Correia certamente tinha como objetivo tentar obter resposta mais célere por parte do governo provincial. O presidente da Câmara Municipal de Antonina pediu ao governo da província que os imigrantes desembarcados em Paranaguá fossem primeiramente encaminhados para a Ilha da Eufrasina antes de seguirem para aquela cidade. Em telegrama enviado em 5 de março de 1878 ao presidente da Província, o capitão do Porto, Joaquim Guilherme de Mello Carrão, revelou que sessenta colonos do navio Marumby, acometidos pelo mal amarílico, tinham desembarcado no porto de Paranaguá, de onde seguiriam para Barreiros-SC. Pressões populares obrigaram Carrão a ordenar o reembarque imediato dos doentes enviando-os diretamente ao seu destino final. As autoridades de Morretes haviam sugerido que ao menos as malas dos imigrantes seguissem diretamente para Barreiros, pois o embarque na estação de São João da Graciosa demorava muito. Acreditavam que tal medida pudesse evitar a formação de novos focos propagadores da doença. A criação de um cordão sanitário entre os distritos de Morretes e Antonina chegou a ser cogitado, tamanho receio da população local. Morretes contava àquela época com grande número de colonos aguardando para seguir aos seus destinos finais. Isso ampliava ainda mais o temor em relação à febre amarela, uma vez que imigrantes possuíam maior suscetibilidade à moléstia.
No periódico Echo Paraná é possível observar um quadro das embarcações onde se constatou a febre amarela durante o primeiro semestre de 1878. Eram oito, sendo duas nacionais. Na barca alemã Wilhelmina ocorreram sete casos, sendo dois fatais. No brigue holandês Yonge Evert foram seis casos com três mortes. Na embarcação inglesa Catherine, apenas seis infectados sem nenhum óbito. Na barca francesa Cité d’ Aleth houve três casos com uma morte. Foi registrado apenas um caso fatal na barca inglesa Kent e também no brigue alemão Emmi & Otto. Nos vapores nacionais Cervantes e Rio Grande ocorreram três casos com uma morte neste último.
A Câmara Municipal de Paranaguá, em sessão extraordinária realizada em meados de março de 1878, resolveu elaborar, em conjunto com o inspetor de Saúde do Porto, um edital com instruções higiênicas direcionadas à população com o intuito de conter os estragos causados pela epidemia. Resolveu assim: Proibir a criação e conservação de porcos nos quintais das casas dentro do quadro urbano, e bem assim estrebarias de gado vacum e cavalar; Proibir a conservação de latrinas nas casas e quintais, a menos que não estejam hermeticamente fechadas; Proibir lançar nas ruas, pátios, saídas para o campo, áreas e quintais; despejo, lixo, matérias deletérias ou qualquer outro objeto contra o asseio e salubridade pública; Proibir conservar-se nos quintais, águas estagnadas, infectas, corpos sólidos ou solúveis, que incomodem, ou disso possa produzir mal; Proibir expor à venda e vender, gêneros líquidos ou secos danificados ou falsificados, e frutas não sazonadas; Proibir que o despejo das matérias fecais se faça antes das 10 horas da noite, em vasilhas não fechadas hermeticamente, e em outro lugar que não seja o mar da Rua Sete de Setembro para o lado do arsenal; Ordenar que as embarcações que aportarem nesta cidade vindas de portos infectados, de bordo de vapores ou outras embarcações de tal procedência, tragam a seu bordo desinfetantes por onde devem passar a bagagem dos passageiros, e qualquer carga; Ordenar também que, logo que seja concluído o esquartejamento das rezes, porcos ou carneiros no matadouro, o seu dono fará imediatamente enterrar o sangue e demais resíduos; Deliberar também pagar os medicamentos às pessoas afetadas da epidemia de febre amarela, sendo elas pertencentes à classe menos abastada da sociedade, uma vez que na receita haja nota do médico assistente em que declare essa qualidade; Convida-se também aos habitantes deste município a mandar caiar interna e externamente as suas casas, a trazê-las perfeitamente asseadas, os quintais varridos, usando de desinfetantes; Por toda parte água estagnada, lodo, lama, matérias putrefatas, casas sujas, pouco arejadas, quintais imundos [...] pouca cal nas paredes, lixo amontoado nas casas, nada de fumigações, muita negligencia e muita irregularidade. Eis os aliados da peste. É toda esta frandulagem que nos dá direito a visita próxima dos filhinhos e netinhos bastardos da verdadeira amarela que nos amarela de susto e esta fazendo emigrar os habitantes de Antonina.
A comissão sanitária concordou e resolveu colocar em prática as medidas estipuladas pela Câmara em 19 de março. Com gratificação de 200 mil réis mensais, os médicos Leocádio Correia e Aristides Guedes Cabral ficaram incumbidos de tratar os enfermos indigentes. Foi estabelecida uma enfermaria próxima à cidade só para o atendimento dos pobres. Dois guardas foram nomeados para fazer cumprir as normas do edital. Cabia a eles: vigiar as casas dos afetados pela febre amarela; informar à comissão quais enfermos necessitavam de dieta gratuita e lançar ao mar todas as frutas verdes que encontrassem à venda ou armazenadas em canoas, lojas e mercados. A cidade foi dividida em dois distritos, cada um sob a responsabilidade de um médico. Para a enfermaria foram contratados um enfermeiro e um cozinheiro incumbidos de preparar as dietas prescritas aos doentes. De acordo com o relatório da comissão, foram recolhidos à enfermaria 65 indigentes, dos quais 44 recuperaram a saúde, 19 faleceram e 2 foram transferidos para a Santa Casa. Uma das dificuldades enfrentadas pela comissão foi contratar coveiros. Foi preciso recorrer à força policial para obrigar as pessoas a fazer esse serviço.
A admissão de escravos na enfermaria provisória gerou tensões entre as autoridades políticas de Paranaguá. De acordo com o juiz de direito, Cesário José Chavantes, lá só deveriam ser tratados os indigentes. O presidente da Câmara Municipal, major Manoel Ricardo Carneiro, negou ter sido o autor de uma proposta apresentada à comissão sanitária onde escravos pudessem ser admitidos na enfermaria com as despesas do tratamento pagas pelos respectivos proprietários. No entanto, o próprio major mandou internar, naquele local, um escravo pertencente ao barão de Nácar. Para Chavantes, a tentativa de misturar ambos os grupos teria suscitado o desentendimento entre ele, o delegado de polícia e o major Carneiro. Os dois últimos acabaram pedindo afastamento da comissão sanitária.
Não havia razões científicas para o receio do juiz. Do ponto de vista médico era prejudicial somente a internação de indivíduos sadios com pessoas doentes. Chavantes certamente temia o tratamento de cativos à custa do erário público.
(Fonte: Arquivo Público do Paraná / Foto ilustrativa: IHGP, antigo Porto de Paranaguá às margens do Rio Itiberê)
Paulo Grani
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