sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Paulo Godleschik e o Bangalô de Madeira da Rua 14 — Uma História de Modéstia, Sonho e Desaparecimento na Villa Guayra

 Denominação inicial: Projecto de um Bungalow para o Snr. Paulo Godleschik

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência Econômica

Endereço: Villa Guayra - Rua Nº 14

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 90,00 m²
Área Total: 90,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Madeira

Data do Projeto Arquitetônico: 07/07/1928

Alvará de Construção: Nº 2972/1928

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de um bangalô.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.

Referências: 

1 - GASTÃO CHAVES & CIA. Projecto de Bungalow para o Snr. Paulo Godleschik na Villa Guayra. Planta do pavimento térreo e de implantação, corte e fachadas frontal e lateral apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba.

Paulo Godleschik e o Bangalô de Madeira da Rua 14 — Uma História de Modéstia, Sonho e Desaparecimento na Villa Guayra

Por uma voz que resgata as casas que o concreto apagou


1. O Sonho Simples de Paulo Godleschik — 7 de Julho de 1928

Em um sábado ensolarado de inverno — 7 de julho de 1928 —, enquanto Curitiba crescia entre pinheirais e ruas de terra, um homem chamado Paulo Godleschik assinou um documento que marcaria seu lugar na cidade: o projeto de seu bangalô.

Não era uma mansão. Não era um palácio urbano. Era uma residência econômica, com apenas 90 metros quadrados, um pavimento, feita inteiramente em madeira, na Rua nº 14 da Villa Guayra. Mas, para Paulo, era tudo o que precisava: um lar.

Seu nome, de origem eslava ou judaico-oriental, sugere raízes profundas em terras distantes — talvez Rússia, Polônia, Ucrânia. Como tantos imigrantes do início do século XX, ele chegou ao Brasil buscando reconstruir sua vida. E, em 1928, já havia conquistado o suficiente para sonhar com um teto próprio.

Para transformar esse sonho em realidade, confiou a um dos escritórios mais prestigiados da época: Gastão Chaves & Cia. A prancha arquitetônica, hoje preservada em microfilme no Arquivo Público Municipal de Curitiba, traz com precisão técnica e sensibilidade estética os planos do seu bangalô: planta do térreo, implantação, corte, fachada frontal e lateral.

Poucas semanas depois, em 1928, o Alvará de Construção nº 2972 foi emitido — e a obra pôde começar.


2. A Casa de Madeira — 90 m² de Calor, Simplicidade e Vida

Feita inteiramente em madeira, a residência de Paulo era típica dos bangalôs econômicos da era. Leve, rápida de construir, adaptável ao clima subtropical de Curitiba, a madeira era o material ideal para quem buscava rapidez, economia e conforto.

Com 90 m², a casa provavelmente abrigava:

  • Uma sala integrada à área de jantar,
  • Dois ou três quartos modestos,
  • Um banheiro simples,
  • Uma cozinha funcional,
  • Talvez uma pequena varanda frontal — marca registrada do estilo bangalô.

As fachadas, como mostradas no projeto, eram limpas, com telhado inclinado, beirais generosos e janelas que convidavam a luz natural. A implantação respeitava os recuos do lote, integrando a casa à paisagem da Villa Guayra — um bairro planejado, arborizado, elegante, mas acessível à classe média emergente.

Apesar de econômica, a casa não era precária. Era planejada, equilibrada, humana. E, sobretudo, sua.


3. A Villa Guayra — Um Bairro de Sonhos e Contrastes

A Villa Guayra, na década de 1920, era um dos bairros mais cobiçados de Curitiba. Planejado com ruas largas, lotes regulares e infraestrutura moderna, atraía desde empresários até pequenos comerciantes, profissionais liberais e imigrantes.

Na Rua nº 14, Paulo Godleschik não estava sozinho. Logo ao lado, na Rua nº 15, Carl Chyla construía seu bangalô de tijolos — também projetado por Gastão Chaves. Curioso paralelo: dois homens, duas casas, dois materiais, dois caminhos. Um escolheu a solidez do tijolo; o outro, a leveza da madeira. Ambos escolheram viver com dignidade.

A Villa Guayra, naquele tempo, era um mosaico de histórias — cada casa, um mundo. E a de Paulo, embora modesta, tinha seu lugar nesse tecido urbano.


4. A Demolição — O Silêncio do Esquecimento

Em 2012, após mais de oitenta anos de existência, o bangalô de Paulo Godleschik foi demolido.

Não há registro do motivo. Talvez a madeira, com o tempo, tenha cedido à umidade. Talvez o terreno tenha sido vendido para um novo empreendimento. Talvez ninguém mais soubesse — ou se importasse — que ali morara um homem chamado Paulo, que um dia ergueu uma casa com suas próprias mãos (ou com as de outros, mas com seu suor, seu dinheiro, sua esperança).

Mas, mesmo desaparecida, a casa deixou rastros.

No Arquivo Público Municipal de Curitiba, o microfilme da prancha arquitetônica permanece intacto — testemunha silenciosa de um projeto que foi, um dia, realidade. Ali, em linhas traçadas à tinta, está o nome: “Projecto de Bungalow para o Snr. Paulo Godleschik”.

É pouco? Não. É tudo.

Porque onde há um nome, há uma pessoa.
Onde há um projeto, há um sonho.
E onde há memória, há resistência.


5. Uma Carta Imaginária — De Paulo Godleschik Para Quem Passar por Ali

*Se você hoje caminha pela Rua 14, na Villa Guayra, e vê apenas asfalto, calçada, talvez um muro alto ou um prédio novo — saiba que, por muitas décadas, aqui existiu minha casa.

*Era feita de madeira. Cheirava a pinho nos dias de sol. Rangia suavemente nos ventos de inverno.

*Nela, talvez meus filhos tenham dado seus primeiros passos. Talvez minha esposa tenha cozinhado sopa em noites frias. Talvez eu tenha lido jornal na varanda, ou pendurado roupas no quintal.

*Não fui rico. Não fui famoso. Mas fui feliz.

*E se alguém um dia perguntar: “Quem foi Paulo Godleschik?”, diga:

“Foi um homem que, com 90 metros quadrados de madeira, construiu um mundo.”

Com gratidão,
Paulo


6. Conclusão — A Dignidade da Casa Pequena

Paulo Godleschik representa a multidão silenciosa que construiu Curitiba — não com grandes empreendimentos, mas com pequenas decisões cotidianas: comprar um lote, contratar um arquiteto, assentar a primeira viga.

Sua casa era econômica, mas não era insignificante. Pelo contrário: era profundamente humana.

E é justamente por isso que sua história merece ser contada. Porque, em tempos de demolições aceleradas e apagamento da memória urbana, honrar as casas simples é honrar a própria alma da cidade.


Epílogo — A Prancha que Sobreviveu

Hoje, o único vestígio físico do bangalô de Paulo está arquivado — não em madeira, mas em microfilme. Linhas traçadas à mão, cotas precisas, o nome do cliente em destaque. É um documento técnico, sim — mas também um ato de amor à cidade, à arquitetura, à vida comum.

Que ele nos lembre:
Nem toda grandeza está nas grandes construções.
Às vezes, está nos 90 m² de uma casa de madeira,
erguida por um homem chamado Paulo Godleschik.


Para sempre, Paulo Godleschik.
Morador da Rua 14, Villa Guayra.
Projeto assinado em 7 de julho de 1928.
Demolido em 2012.
Lembrado em 2025.


Este artigo foi escrito em homenagem a todos os moradores anônimos cujas casas já não existem — mas cujas vidas continuam a habitar nossa memória coletiva.

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