quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - Os mercados de Curitiba

 

Histórias de Curitiba - Os mercados de Curitiba

Os mercados de Curitiba
Moyses Paciornik

Junto ao murinho do Alto São Francisco, perto do qual morávamos, o capinzal crescia mais abundante, mais viçoso, não me refiro às muralhas que lá estão, mas a uma extensa base de pedras, de cerca de um metro de altura, que, há tempos, desmancharam.
Quando a gente era criança, lá por 1920, Curitiba tinha tres mercados. O Mercado da Praça 19 de Dezembro, tendo de um lado as casas dos Tourinho e, do outro, o bonito bambuzal da "Doitche Schule"(Escola Alemã), Colégio Progresso, depois da guerra. A guriza-da encantava-se com o garboso galo de ferro que encimava a cumieira do Mercado.
Ao soprar o vento, mudava de posição. Só faltava cantar.
Corria a lenda de que, de madrugada, ele cantava para acordar a clientela.
O Mercadinho ficava onde hoje é o largo Dr. Baima, frente ao Scavolo.
Era uma construção que nos parecia circular.
Para chegar a uma de suas lojinhas ou botequins, vindo da Dr. Pedrosa, subia-se por uma escada de seis degraus. O acesso do Batei era ao nível da rua, sem degrau.
Uma vez, meus primos, Rodolfo, Chico e Salmo.
Um deles tinha um tostão.
Comprou um caju para os tres. A diarréia que os atingiu levou dois dias para sarar.
Caju desgraçado!
Havia um terceiro mercado, um super super-mercadão.
Simpático, querido. O melhor do mundo.
Mercado a domicílio.
Eram a Catina, Pina, Gina, Pieri-na, Joana, Tereza, Angela, dos Cu-man, DaTEstela, Perussi, Tulio, Budel, Bartapelle, Braganholo, que, madrugada alta, largavam de suas chácaras em Santa Felicidade e, pela estrada de barro, vinham em fila em direção à cidade. Lá pelas sete alcançavam o calçamento de paralelepípedos da Jaime Reis, na altura do Alto São Francisco. Nós, meninos, escondíamo-nos atrás do murinho e esperávamos.
Ali era a parada obrigatória das carroci-nhas.
As heróicas condutoras desciam e, do lado do muro, fingiam arrumar as mercadorias.
Todas usavam saias muito largas que chegavam quase até o chão. A meninada as via separar os pés e, deliciada, ouvia, abafados pelo viçoso capim, o '‘schiii" do líquido que se derramava gostoso.
Tendo que enfrentar uma jornada de muitas horas, ali seria a última oportunidade, a cidade não oferecia nenhuma comodidade, como, aliás, ainda hoje não oferece.
Aliviadas, elas partiam para atender nossas mães que, alertadas pelas vozes já conhecidas, as esperavam à porta.
- Olha a batata doce! Milho verde! Radicce! Escarola!
- Compre cenoura, salsa, alface, repolho...
- Oi a galinha! Frango! Ovos frescos!
- Oi a lenha picada.
Na volta, a parada das car-rocinhas vazias, ou carregadas de trouxas de roupas para lavar, era no capoeirão, frente à Caixa de Água Velha, junto à chácara dos Macedo, onde o capim também crescia sadio, exuberante.
Elas formavam o terceiro mercado de Curitiba, o Mercadão que o progresso e a transformação de Santa Felecidade em Centro Gastronômico - Artesanal acabaram por acabar.
Hoje, por mais que a gente se esforce, não consegue ouvir aqueles pregões queridos:
- Olha a batata doce!
Mercadão da Colônia, melhor mercado do mundo.

Moyses Paciornik é médico e escritor.

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