segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A Casa de Edgar Doria: Um Bungalow Esquecido na Rua Ubaldino do Amaral

 Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto, Construtor, Fiscal e Administrador

Denominação inicial: Projeto de Bungalow para o Snr. Edgar Doria

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte

Endereço: Rua Ubaldino do Amaral

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 100,00 m²
Área Total: 100,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 03/07/1934

Alvará de Construção: Nº 680/1934

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de bangalô e Alvará de Construção.

Situação em 2012: Não localizada


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.

Referências: 

1 – CHAVES, Eduardo Fernandes. Projéto de Bungalow. Planta do pavimento térreo e implantação; corte, fachada frontal e planta de fossa séptica apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
2 - Alvará n.º 680

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.

A Casa de Edgar Doria: Um Bungalow Esquecido na Rua Ubaldino do Amaral


Na Curitiba dos anos 1930 — uma cidade em transformação, onde o urbanismo modernizador começava a esboçar seus traços sobre o tecido colonial — surgiu, em papel, um modesto mas significativo projeto residencial: um bangalô de 100 metros quadrados, projetado para Edgar Doria, um cidadão cujo nome sobrevive apenas ligado à casa que jamais chegou a ser plenamente testemunhada pelo tempo.

Quem habitaria aquela moradia? Um homem comum, talvez discreto, talvez dedicado à família, cuja história se perde na bruma dos arquivos. Mas a casa, por mais singela que fosse, carregava em si a assinatura de um dos profissionais mais completos da engenharia curitibana da época: Eduardo Fernando Chaves — arquiteto, construtor, fiscal e administrador, figura rara que reunia sob seu nome todas as etapas da edificação, do traço inicial ao último tijolo assentado.


O Projeto: Simplicidade com Propósito

Registrado em 3 de julho de 1934, o “Projeto de Bungalow para o Snr. Edgar Doria” revela uma residência de um único pavimento, erguida em alvenaria de tijolos — técnica sólida, duradoura, típica da classe média emergente da capital paranaense. Com 100 m² distribuídos de forma funcional, o bangalô seguia os princípios da arquitetura residencial de pequeno porte da época: integração entre espaços sociais, ventilação cruzada, privacidade dos quartos e uma ligação sutil com o jardim externo.

O projeto, preservado em microfilme no Arquivo Público Municipal de Curitiba, incluía não apenas a planta do pavimento térreo e a implantação no terreno, mas também corte, fachada frontal e até planta da fossa séptica — demonstrando o rigor técnico de Chaves e a atenção aos mínimos detalhes sanitários e construtivos, fundamentais numa época em que a infraestrutura urbana ainda se consolidava.

Pouco mais de um mês após o projeto, em agosto de 1934, foi emitido o Alvará de Construção nº 680, autorizando a edificação na Rua Ubaldino do Amaral, via que cortava o bairro do Alto da Glória — então uma zona residencial em ascensão, valorizada por sua altitude, vista e proximidade ao centro da cidade.


Edgar Doria: O Dono Invisível

Curiosamente, quase nada se sabe sobre Edgar Doria além de seu nome. Não há registros públicos detalhados sobre sua profissão, origem ou vida familiar. Ele não era político, industrial nem figura pública. Talvez tenha sido um funcionário público, um comerciante, um professor — alguém que, com esforço, conseguiu encomendar uma casa própria a um profissional reconhecido como Eduardo Fernando Chaves.

Mas é justamente nessa anonymia que reside seu simbolismo. Edgar Doria representa milhares de curitibanos comuns do século XX que, com economia e sonho, ergueram suas vidas tijolo por tijolo. Sua casa não era palaciana, mas era sua — um abrigo, um lar, um território de intimidade em meio à cidade em crescimento.


O Desaparecimento Silencioso

Apesar da existência documental clara — projeto e alvará arquivados com precisão —, a casa de Edgar Doria não foi localizada em 2012, segundo levantamentos patrimoniais da Prefeitura de Curitiba. Isso sugere que, ao longo de mais de 75 anos, o bangalô foi demolido, absorvido por uma nova construção ou transformado além do reconhecimento.

A Rua Ubaldino do Amaral, outrora tranquila e residencial, viu ao longo das décadas a substituição de muitas de suas casas menores por edifícios, comércios ou residências maiores. O bungalow de tijolos, modesto e de um único andar, provavelmente não resistiu às pressões do mercado imobiliário ou às mudanças de gosto arquitetônico.


Eduardo Fernando Chaves: O Arquiteto Integral

Enquanto a casa desapareceu, o nome de Eduardo Fernando Chaves permanece nos arquivos como testemunho de uma época em que o arquiteto não apenas desenhava, mas construía, fiscalizava e administrava. Sua abordagem integral — rara hoje, comum então — refletia um ideal de responsabilidade total sobre a obra, do conceito à realidade.

Seu projeto para Edgar Doria, embora simples, era digno: bem proporcionado, higiênico, adaptado ao clima local e à condição social do cliente. Era arquitetura sem pretensão, mas com propósito — feita para viver, não para exibir.


Legado em Papel

Embora a casa não mais exista, sua memória persiste nos documentos. O projeto arquitetônico e o alvará de construção são relíquias de uma Curitiba que acreditava no progresso doméstico, na casa própria como realização civilizatória. E, acima de tudo, são testemunhas de que Edgar Doria existiu, que sonhou com um teto seu, e que, por um breve momento da história, teve esse sonho traduzido em linhas técnicas por um arquiteto comprometido com o ofício.

Hoje, ao caminhar pela Rua Ubaldino do Amaral, talvez ninguém saiba que ali, em algum ponto do asfalto ou sob algum prédio moderno, já houve um bangalô de tijolos, onde um homem chamado Edgar Doria acordava com o canto dos pássaros e o cheiro do café da manhã.

Mas os arquivos lembram. E, enquanto houver quem leia esses papéis, sua casa não estará totalmente perdida.


“As cidades são feitas de edifícios, mas habitadas por vidas. Algumas vidas desaparecem. Mas nenhuma é inútil.”


Fontes:

  1. CHAVES, Eduardo Fernando. Projéto de Bungalow. Arquivo Público Municipal de Curitiba (Microfilme digitalizado).
  2. Alvará de Construção nº 680/1934. Prefeitura Municipal de Curitiba.

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