terça-feira, 2 de dezembro de 2025

A Casa de Ladislau Sobolewski: Uma Residência Econômica e o Olhar Social do Projetista Eduardo Fernando Chaves

 Eduardo Fernando Chaves:  Projetista

Denominação inicial: Projecto de residência para o Snr. Ladislau Sobolewski

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência Econômica

Endereço: Rua Padre Anchieta

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 60,00 m²
Área Total: 60,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Madeira

Data do Projeto Arquitetônico: 19/01/1927

Alvará de Construção: Talão nº 26; Nº 019/1927

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de uma residência.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.

Referências: 

1 - GASTÃO CHAVES & CIA. Projecto para uma residência para o Snr. Ladislau Sobelewski. Plantas do pavimento térreo e de implantação, corte e fachada frontal apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba.

A Casa de Ladislau Sobolewski: Uma Residência Econômica e o Olhar Social do Projetista Eduardo Fernando Chaves
Rua Padre Anchieta, Curitiba — 1927


Em janeiro de 1927, em meio à efervescência urbana de uma Curitiba em transformação, o projetista Eduardo Fernando Chaves — então atuando também sob a razão social Gastão Chaves & Cia. — assinava um desenho modesto, mas profundamente significativo: o projeto de uma residência econômica para o Sr. Ladislau Sobolewski, na Rua Padre Anchieta. Com apenas 60 m², um único pavimento e estrutura de madeira, a casa representava não apenas um abrigo, mas um ato de inclusão urbana em uma cidade que começava a se estruturar com critérios técnicos e legais.

Embora demolida antes de 2012, sua existência permanece registrada em uma única prancha de projeto — um documento frágil, mas eloquente, guardado no Arquivo Público Municipal de Curitiba. Nele, vemos mais que linhas e cotas: vemos a dignidade do habitar acessível.


O Morador: Ladislau Sobolewski e a classe trabalhadora imigrante

O nome Ladislau Sobolewski traz consigo ecos da imigração polonesa que marcou profundamente o sul do Brasil, especialmente o Paraná. Embora os arquivos não detalhem sua profissão ou trajetória, o fato de ter solicitado, em 1927, uma residência econômica legalizada indica que era parte da classe trabalhadora urbana emergente — talvez artesão, operário, pequeno comerciante ou funcionário público.

Naquele contexto, muitas famílias viviam em cortiços, casebres irregulares ou habitações rurais precárias. O simples ato de solicitar um alvará e contratar um projetista revela uma aspiração: pertencer à cidade formal, ter um endereço reconhecido, um lar seguro e, sobretudo, direitos urbanos.

A escolha da Rua Padre Anchieta, via central mas acessível, sugere que Ladislau buscava proximidade com o centro, com o comércio e os serviços — mas sem os custos de uma construção de alvenaria ou de grande porte.


A Casa: Eficiência, funcionalidade e respeito ao orçamento

Com apenas 60 metros quadrados em um único pavimento, a residência projetada por Chaves era um modelo de racionalidade espacial. Apesar da simplicidade, o projeto incluía:

  • Planta térrea bem distribuída, com áreas claramente definidas para convívio, dormitórios e serviços;
  • Fachada frontal simétrica e modesta, com aberturas proporcionais à iluminação natural e ventilação;
  • Corte estrutural, indicando altura de pé-direito, cobertura e escoamento de águas pluviais;
  • Implantação no lote, respeitando recuos legais — sinal de que, mesmo em uma casa econômica, a norma urbana era levada a sério.

Construída em madeira, técnica comum e econômica na época — especialmente entre comunidades imigrantes do leste europeu com tradição carpinteira —, a casa combinava tradicao construtiva com modernização legal. Era tradicional na técnica, mas moderna na regularização.

O Alvará de Construção nº 019/1927, emitido pelo Talão nº 26, confirma que a obra foi autorizada e fiscalizada, integrando-se ao tecido urbano regulamentado de Curitiba.


Eduardo Fernando Chaves: Projetista ao serviço da cidade comum

Mais uma vez, o nome de Eduardo Fernando Chaves aparece associado a uma obra de pequena escala — mas de grande valor social. Diferentemente de arquitetos que se dedicavam a palacetes ou edifícios públicos, Chaves demonstrou, em diversos projetos, um compromisso com a habitação acessível.

Ao assinar este projeto sob a firma Gastão Chaves & Cia., ele provavelmente atuava em parceria familiar ou comercial, oferecendo serviços técnicos acessíveis à população de renda modesta. Sua atuação como projetista, fiscal e administrador permitia que famílias como a de Sobolewski tivessem acesso a um serviço que, de outra forma, seria inalcançável.

Neste projeto, não há ornamentos exuberantes, nem inovações estilísticas. Há, sim, clareza, honestidade construtiva e respeito pelo cliente. Cada metro quadrado foi pensado para viver, não para impressionar.


Ausência presente: A demolição e a memória

Embora a casa tenha sido demolida antes de 2012, sua memória subsiste nos microfilmes digitalizados do Arquivo Público. A ausência física do imóvel não anula seu valor histórico. Pelo contrário: ela nos lembra da fragilidade do patrimônio popular — construções que, por serem modestas, raramente são preservadas, mas que compõem a verdadeira espinha dorsal da cidade.

A residência de Ladislau Sobolewski representa milhares de casas semelhantes que desapareceram ao longo do século XX em nome do “progresso” — muitas delas sem sequer terem sido registradas. A existência deste projeto é, portanto, um ato de resistência documental.


Legado: Habitar com dignidade, mesmo com pouco

O projeto de 1927 para o Sr. Ladislau Sobolewski é um testemunho de que arquitetura não é privilégio de poucos. É um direito. E quando profissionais como Eduardo Fernando Chaves dedicam seu saber a quem tem pouco, a cidade inteira ganha em justiça, ordem e humanidade.

Hoje, diante da crise habitacional persistente, este pequeno projeto de 60 m² fala alto:
Uma casa digna não precisa ser grande. Basta ser bem pensada, bem feita e bem acolhedora.

"Nem todo patrimônio é feito de pedra. Alguns são feitos de madeira, esperança e um alvará assinado com cuidado."

A casa de Ladislau Sobolewski desapareceu — mas sua história permanece, como um lembrete de que Curitiba foi construída, também, por casas simples, sonhos modestos e projetistas que acreditavam nelas.

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