Histórias de Curitiba - O Monge do Cajuru
O Monge do Cajuru
Luiz Henrique Weber
Com um movimento lento ergue o corpanzil cansado, fatigado até, após longo dia de trabalho.
No poente já se despede o sol, deixando como lembrança um céu avermelhado, sinal de bom tempo.
Amanhã será outro dia seco para a lavoura, quente para o trabalho.O verão se aproxima.
Esta é mesmo uma especialidade do ancião: a previsão do tempo.
Raramente erra, quem sabe uma ou duas vezes nesses setenta e poucos anos. A vista falha um pouco, mas a percepção não o engana. É hora de recolher o corpo exausto, sentar pela varanda da casa e contemplar o final do espetáculo - a partida da luz espalha pelo palco as estrelas.
Não gosta da lua o anacore-ta.
Isolado convive com o sol, trabalha na plantação, venerando a brisa e respeitando vento e tempestade, bastante distantes nessa época do ano.
Logo é hora de dormir, de esticar as costas largas, proporcionais a altura de quase dois metros.
A barba e os cabelos imundos acompanham a proporção, derramados sobre o peito robusto, igualmente sujo.
Difícil lembrar a última vez que tomou banho. Não é por acaso que o apelidaram de monge, "O Monge do Cajuru".
A descrição até pode ser e-xata da figura lendária que viveu em Curitiba no começo deste século.
Era André Helar, catarinense que com seis meses viu transferido o domicílio para a capital paranaense.
Do mundo ficou isolado. Não só porque Curitiba fosse um lugarejo, uma vila com poucos habitantes, também pelo temperamento esquivo.
Vivia na chácara "Quaresma", apelidado popularmente de "O Campo do Monge", lugar pitoresco, rodeado de pi-nheioros e cravejado de flores campestres.
Ali, resguardado das preocupações mundanas, cresceu, experimentou idade adulta e aguardou a velhice - sempre com saúde e resistência.
Teve ocasião em que procurou a convivência humana.
Também já foi jovem, e encontrou o casamento. Não resistiu.
Na mesma noite de núpcias abandonou o leito conjugal para dormir na estrebaria. A esposa fugiu, algum tempo depois.
Também experimentou o desenho, chegando a fazer regularmente alguns trabalhos.
Desistiu em função da agricultura.
Sempre de subsistência, para evitar envolvimento com a sociedade.
André não temia as pessoas.
Era receptivo até com os que o procuravam pela curiosidade de conhecer a mítica figura e mesmo com os que queriam-no apenas para memória, na irrespeituosa ânsia de fotografar um "urso humano e urbano".
Quem sabe a todos tolerasse, ou ainda, ignorasse.
Mas a muita gente prestava serviço, emprestando a capacidade natural de lidar com a difícil arte da meteorologia.
Os agricultores da região, vizinhos de onde hoje é o enfurnado bairro do Cajuru, sabiam de antemão quando 1a chover ou quando o sol castigaria ferozmente a lavoura.
Uma previsão do tempo com até uma semana de antecedência, coisa que atualmente muitos curitibanos famosos arriscam fazer.
Mas só arriscam...
Luiz Henrique Weber é jornalista.
Luiz Henrique Weber
Com um movimento lento ergue o corpanzil cansado, fatigado até, após longo dia de trabalho.
No poente já se despede o sol, deixando como lembrança um céu avermelhado, sinal de bom tempo.
Amanhã será outro dia seco para a lavoura, quente para o trabalho.O verão se aproxima.
Esta é mesmo uma especialidade do ancião: a previsão do tempo.
Raramente erra, quem sabe uma ou duas vezes nesses setenta e poucos anos. A vista falha um pouco, mas a percepção não o engana. É hora de recolher o corpo exausto, sentar pela varanda da casa e contemplar o final do espetáculo - a partida da luz espalha pelo palco as estrelas.
Não gosta da lua o anacore-ta.
Isolado convive com o sol, trabalha na plantação, venerando a brisa e respeitando vento e tempestade, bastante distantes nessa época do ano.
Logo é hora de dormir, de esticar as costas largas, proporcionais a altura de quase dois metros.
A barba e os cabelos imundos acompanham a proporção, derramados sobre o peito robusto, igualmente sujo.
Difícil lembrar a última vez que tomou banho. Não é por acaso que o apelidaram de monge, "O Monge do Cajuru".
A descrição até pode ser e-xata da figura lendária que viveu em Curitiba no começo deste século.
Era André Helar, catarinense que com seis meses viu transferido o domicílio para a capital paranaense.
Do mundo ficou isolado. Não só porque Curitiba fosse um lugarejo, uma vila com poucos habitantes, também pelo temperamento esquivo.
Vivia na chácara "Quaresma", apelidado popularmente de "O Campo do Monge", lugar pitoresco, rodeado de pi-nheioros e cravejado de flores campestres.
Ali, resguardado das preocupações mundanas, cresceu, experimentou idade adulta e aguardou a velhice - sempre com saúde e resistência.
Teve ocasião em que procurou a convivência humana.
Também já foi jovem, e encontrou o casamento. Não resistiu.
Na mesma noite de núpcias abandonou o leito conjugal para dormir na estrebaria. A esposa fugiu, algum tempo depois.
Também experimentou o desenho, chegando a fazer regularmente alguns trabalhos.
Desistiu em função da agricultura.
Sempre de subsistência, para evitar envolvimento com a sociedade.
André não temia as pessoas.
Era receptivo até com os que o procuravam pela curiosidade de conhecer a mítica figura e mesmo com os que queriam-no apenas para memória, na irrespeituosa ânsia de fotografar um "urso humano e urbano".
Quem sabe a todos tolerasse, ou ainda, ignorasse.
Mas a muita gente prestava serviço, emprestando a capacidade natural de lidar com a difícil arte da meteorologia.
Os agricultores da região, vizinhos de onde hoje é o enfurnado bairro do Cajuru, sabiam de antemão quando 1a chover ou quando o sol castigaria ferozmente a lavoura.
Uma previsão do tempo com até uma semana de antecedência, coisa que atualmente muitos curitibanos famosos arriscam fazer.
Mas só arriscam...
Luiz Henrique Weber é jornalista.
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