quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - Pelada de domingo

 

Histórias de Curitiba - Pelada de domingo

"Pelada" de domingo
Zito Alves Cavalcanti

Bom dia, senhoras e senhores.
Neste exato momento o Serviço de Alto-Falantes Estrela Azul inicia suas transmissões, diretamente do estádio do Botafogo F.C., aqui no lindo bairro da Mercês. E, para gáudio de nossos ouvintes de toda Curitiba, dedicamos aos ilustres moradores a linda valsa "Danúbio Azul".
Assim, aí pelos anos 40, e sempre aos domingos, mais um animado festival de várzea se iniciava. O falante ainda anunciava que haveria roda da fortuna, pesca milagrosa e um suculento churrasco, assado pelas mãos milagrosas do mestre Zico. O "estádio"em questão era naquele tempo um terreno baldio, entre as hoje ruas Júlia Wanderley e Isaías Bevilacqua.
Possuia as cidadelas, mas não exibia um mísero pé de grama. Não bastassem as crateras e outros acidentes do terreno, havia nos cem metros do campo um desnível de mais de cinco metros entre as duas ruas.
Assim, em dias de jogo, a partida era ganha na escolha do campo.
Quem ganhava o cara-coroa escolhia atacar no primeiro tempo para cima, e no segundo, jogar toda força para baixo, que aí, todos santos ajudam.
Neste domingo, quando o possante serviço de alto-falantes anunciava mais uma dedicatória, em que "alguém" de paletó xadrez dedica a "alguém" de vestido azul a bonita página musical "Saudades do Matão", entravam em campo as equipes da Vila alguma coisa contra a da vila outra coisa qualquer.
Escolha na moeda, lá vai o goleirão subindo a rampa, rumo à rua Júlia. A peleja vai sendo levada por um juiz, destes heróis sempre à disposição, que já traziam o apito de casa.
Fim do primeiro tempo.
Como sempre, o time que vinha de cima havia marcado um gol, contra nenhum do debaixo.
Virando o campo, aí pelos 40 minutos, o agora de cima empata a peleja.
Últimos momentos de partida.
Na pequena área, em baixo claro, já se amontoavam os dois times, numa feroz disputa pelo desempate, ante a heróica resistência do atacado encolhido em seu campo.
De repente, quase no "apagar das luzes do espetáculo", um bolão rebatido sobe, sobe e sobe...
para daí cair lentamente sobre a cidadela dos atacados.
Duas dezenas de pares de olhos, amontoados na pequena área, acompanham o trajeto da bola. E acontece, é claro, o que voces já podiam estar imaginando: enquanto os marmanjos se embolam, no pó e nas malhas da rêde, arranhan-do-se nas espinheiras santas no fundo do sol, a bola finalmente desce, quica no chão e ... entrou ou não entrou? Houve ou não houve o gol? Ninguém viu se e como a bola entrou.
Mesmo um pretinho que ali ficava à guisa de fiscal de linha soube explicar, com segurança, esse importante e definitivo detalhe.
Sua Excelência o Juiz, chamado para resolver o impasse, ficou como Salomão diante da Rainha de Sabá, duro, porém frio.
Silêncio absoluto, até o locutor esqueceu de trocar o disco. Aí, o árbitro sentenciou: Não houve gol! E deu suas razões: Houve falta coletiva, e de mais a mais o tempo de jogo havia se esgotado.
Pegou a bola, guardou o apito no bolso e foi saindo de fininho, milagrosamente vivo, sem ser contestado por ninguém.
Melhor um empate, devem ter pensado os dois lados.
No serviço de alto-falantes, o menino João dedica a sua mãe-zinha Etelvina, com os abraços e beijos do pai Chico, a maravilhosa canção "Coração Materno", na
voz do grande cantor Vicente Celestino.

Zito Alves Cavalcanti é técnico cinematográfico.

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