A GALILÉIA NO TEMPO DE JESUS.

-O século I foi uma era de expectativas apocalípticas entre os Judeus. Cansados da dominação romana, procuravam de alguma forma livrar-se do jugo, esperando o surgimento de um salvador. Alguém que os viesse libertar dessa tutela tão incômoda.
Inúmeros profetas, pregadores e messias caminhavam pela Judeia e Galileia proclamando mensagens do iminente julgamento de Deus. São conhecidos pelo nome muitos desses chamados “falsos messias”. Alguns são mencionados no Novo Testamento. O profeta Taudas, segundo o Ato dos Apóstolos, tinha quatrocentos discípulos, antes de Roma o capturar e o decapitar. Uma figura carismática e misteriosa conhecida apenas como “o Egípcio” levantou, no deserto, um exército de seguidores e quase todos foram massacrados pelas tropas romanas. No ano 4 a.C., cerca de um ou dois anos da depois da data que a maioria dos estudiosos acreditam que Jesus de Nazaré tenha nascido, um pobre pastor chamado Atronges colocou um diadema na cabeça e coroou-se “rei dos judeus”. Ele e seus seguidores foram brutalmente mortos por uma legião de soldados romanos. Outro aspirante messiânico, chamado simplesmente de “o Samaritano”, foi crucificado por Pôncio Pilatos, embora não tivesse levantado nenhum homem ou exército e de maneira nenhuma tivesse desafiado Roma. Parece que qualquer suspeita de sedição era suficiente para os supostos agitadores serem aniquilados.

Houve Ezequias, chefe dos bandidos, Simão da Pereia, Judas o Galileu, seu neto Menahem, Simão, filhos de Giora, e Simão, filho de Kochba, postulantes de ambições messiânicas. Todos foram executados por Roma. Então temos, no primeiro século e início do segundo, uma dezena de “falsos messias” e seus seguidores, que foram aniquilados por Roma.
Talvez o mais carismático e revolucionário de todos foi Judas o Galileu. Era chefe de uma quadrilha de bandidos e a tradição diz que era filho de um famoso chefe de bandidos chamado Ezequias, preso e decapitado por Herodes 40 anos antes. No ano 6 d.C. Judas juntou forças com um misterioso fariseu chamado Zadoquias para lançar um movimento de independência. Talvez Judas tenha sido o primeiro a formar um movimento organizado contra Roma. Judas, com seu pequeno exército de zelotes e outras correntes contrárias a Roma, fez um ataque ousado contra Séforis. Invadiram o arsenal real da cidade e apreenderam para si as armas e provisões que estavam armazenadas no interior. Séforis era a mais importante cidade da Galileia com pouco mais de 8.000 habitantes.
Então, muito bem armados, disciplinados, acompanhados por simpatizantes seforianos, lançaram em toda a Galileia uma guerra de guerrilha, saqueando as casas dos ricos e poderosos e contra aqueles que manifestavam sua lealdade a Roma. No ano 6 d.C. Judas morreu em combate ou foi capturado e executado não se sabe ao certo, Séforis foi incendiada, os homens massacrados, todas as mulheres estupradas e crianças vendidas como escravas.

Havia também a seita dos essênios que viviam na região de Qumram, na costa noroeste do mar Morto, que eram frontalmente contrários os sacerdotes do Tempo que haviam se vendido aos romanos. Na mesma época, atuavam um partido revolucionário chamados de zelote e os sicários, temíveis bandidos assassinos a quem os romanos temiam.
Então, o clima da Judeia e Galileia do século I fervia como um imenso caldeirão messiânico, onde vários grupos anti-romanos tentavam sobreviver através de guerras e revoltas sangrentas, assim como atentados contra altos dirigentes romanos e mesmo judeus que compactuavam com eles.
Durante a tomada de Séforis pelos romanos a da morte de Judas o Galileu, no ano 6 d.C., Jesus deveria morar com sua família em Nazaré, cerca de 5 quilômetros a sudoeste de Séforis. Sua família não deve ter se envolvido ou participado desses conturbados eventos. Quando Judas morreu, Jesus devia estar com cerca de 10 ou 11 anos e assistido todos os acontecimentos. Como Nazaré era um minúsculo povoado de pouco mais de 200 habitantes, ficou de fora de todos esses movimentos, mas teria sentido todo o fervor messiânico da época. Se Jesus teria conhecido Judas, o Galileu, não se sabe. Com cerca de uns 10 anos, morando a 5 quilômetros de Séforis provavelmente Jesus frequentava a cidade, pois José seu pai trabalhava lá como “tecton”. Isso corresponderia em termos modernos como um construtor de prédios (daí vem o termo português “arquiteto”). Jesus pode ter cruzado com esse bandido guerrilheiro muitas vezes, já que deveria ter aprendido a ler e escrever com os escribas e sacerdotes de lá e era onde se abasteciam de alimentos. Mas sendo um judeu não teria nenhum temor dele, porque Judas combatia apenas os romanos e aqueles que os apoiavam. Nesse caso

Jesus e sua família além de galileus, devem ter ficado a parte das contendas. Entretanto a recordação do messianismo de Judas e outros, não deve nunca ter se apagado de sua memória.
Embora Jesus tenha nascido, crescido e vivido nesse ambiente conturbado, parece que não se envolveu em nenhum desses movimentos. O Jesus adulto, antes de seu encontro com João Batista, era um pacato cidadão judeu e trabalhando na carpintaria como seu pai, como afirmam os evangelhos. Com uma escolaridade acima da média, alfabetizado, com conhecimento das escrituras e da língua hebraica e aramaica e provavelmente grega, Jesus exercia sua profissão de ”tecton” ou construtor de casas, com grande competência.
Todos os Evangelhos foram escritos em grego e a palavra “tecton”, foi traduzida para o latim por “faber”, por São Jerônimo, em 404 d.C., e depois para o português para “carpinteiro”, mas em grego “tecton” tem um sentido mais amplo. Refere-se, em termos modernos a uma pessoa com múltiplas habilidades que trabalhava com madeira, pedra e barro. Seria mais um “construtor de casas”, como aparece em alguns Evangelhos Apócrifos, função executada atualmente por engenheiros ou arquitetos.

Então devia ter uma remuneração razoável, bem diferente de mais de 95% da população que eram essencialmente de camponeses ou de pescadores que viviam sempre entre a pobreza e a miséria. Cerca de 98% dos habitantes da Galileia eram analfabetos e os poucos letrados viviam nas cidades.
Somente tendo essas habilidades, cultura e conhecimento Jesus poderia participar da mesa de refeições com alguns fariseus cultos e letrados, como acontecia seguidamente. Se fosse pobre, ignorante ou analfabeto isso não ocorreria. Então Jesus podia transitar nos dois extremos das classes sociais. Viver entre pobres e miseráveis, publicanos e ladrões, pecadores e prostitutas, ao mesmo tempo entre sacerdotes, escribas e pessoas da elite dominante. Jesus não era um pregador qualquer. Depois de conhecer João Batista, e depois da morte dele, torna-se um “rabi” ou mestre pregador itinerante. Então passou a ser um perigo para Roma.

FONTES:
ASLAN, Reza – Zelota – Zahar - Rio de Janeiro-RJ, 2013
CHURTON, Tobias, - A Família Desaparecida de Jesus – Urbana – São Paulo-SP, 2010.
COUTO, Sergio Pereira, - A Incrível História da Bíblia – Universo dos Livros – São Paulo-SP., 2007.
CROSSAN, John Dominic Crossan – O Jesus Histórico - Imago, Rio de Janeiro-RJ, 1994.
MEIER, John P. – Um Judeus Marginal – Imago, Rio de Janeiro-RJ, 1993 a 1998 – em 4 volumes.
RAMOS, Lincoln, org. – São José e o Menino Jesus – Vozes 2ª edição -Petrópolis-RJ, 1991.
SAULNIER, Christiane e ROLLAND, Bernard - A Palestina no Tempo de Jesus - Paulus-SC, 1983.
TABOR James D. – A Dinastia de Jesus – Ediouro – Rio de Janeiro, 2006
VERMÈS. Geza – Jesus, o Judeu – Loyola, São Paulo-SP. 1990;
WILSON, A.N. – Jesus, uma biografia – Ediouro, Rio de Janeiro-RJ, 1992.
E muitos outros.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

A GALILÉIA NO TEMPO DE JESUS

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