terça-feira, 27 de março de 2018

Visconde de Guarapuava, vista da João Negrão em direção à Ubaldino do Amaral. Foto: Domingos Foggiatto, março de 1939. Acervo: Cid Destefani, Gazeta do Povo, Coluna Nostalgia (03/12/1989).
























Gazeta do Povo, Coluna Nostalgia - “Uma visita à zona”
(Cid Destefani, 03/12/1989)

"Hoje a Nostalgia vai nos levar a uma viagem diferente. Vamos todos para a zona. Para lá mesmo, meu amigo. Para a zona do baixo meretrício da velha e boa Curitiba dos anos trinta, quarenta e cinquenta, quando os conceitos eram outros e, talvez, um artigo deste jaez não pudesse ser publicado. Atualmente o movimento feminista a liberdade do sexo e os novos conceitos de moral nos permitem esta liberdade (ou libertinagem)?

A zona na atualidade é um ambiente demodê, só existindo ainda e agonizante em pequenos lugarejos piegas e insensíveis às mudanças do progresso e do tempo presente.

A fotografia de hoje nos leva ao mês de março de 1939 e nos coloca na avenida visconde de Guarapuava, da João negrão para o alto da Ubaldino do Amaral. Ali era a zona. Não que Curitiba só tivesse aquela, mas ali era a maior concentração de prostíbulos. Outros existiam espalhados pela urbe.

Na Visconde os bordéis se misturavam com casas comerciais e de residências familiares. Durante o dia era um ambiente relativamente pacato. À noite o local se transformava. Os clientes começavam a chegar, a pé ou transportados por carros de praça. Ouvia-se a música chorosa das sanfonas acompanhadas por pancadas da bateria, som que se misturava com o coaxar dos sapos que habitavam os banhados formados pelos rios Ivo e Belém. Era muito fácil achar as ditas 'casas de zona': nas fachadas das mesmas sempre havia uma indefectível lâmpada vermelha acesa.

A casa de madeira com três andares, que vemos à direita era uma das famosas. Ficou conhecida, pelo seu estilo cheio de janelas, como pombal e funcionou no local por várias décadas. Por volta de 1950 um soldado da aeronáutica foi agredido em uma das casas existentes um pouco adiante, na rua General Carneiro. Seus companheiros de quartel vieram vingar a agressão sofrida e, usando como munição as pilhas de macadame que estavam depositadas para o calçamento da rua apedrejaram a maioria das casas da zona. Foi tal a destruição que daquele momento em diante a região ficou conhecida como ‘Coréia’ (onde acontecia uma guerra naquela época), apelido que perdurou por muitos anos.

Não foram poucos os acontecimentos trágicos ocorridos na região. Assassinatos, suicídios e, principalmente, pancadarias aconteciam com certa frequência. Quando havia briga era comum eram comuns as quedas nos banhados e nos próprios rios Ivo e Belém.

Pombal, Helena, Helena do Papagaio, Amélia, Argentina, Bernadette, Sobradinho (ou Cento e Onze), Inferninho, etc eram alguns dos nomes das casas da região, que existiam sem fixação de épocas. Estas casas ficaram na memória de quem as frequentou, que fazem lembrar outros nomes curiosos espalhados por Curitiba: Alice, Chiquinha, Dinorah, Mesquita, Quinta Coluna, Aviãozinho, A Vila, Otília, Uda, Foco Vermelho, Tânia, Chacrinha, Maria Sem Calça, Casa de Campo, Frida Treze (Polaca), Maria Cebola e uma infinidade de outras que não nos foram lembradas.

O fim da noitada sempre acabava no bar e café Palácio, no Peixe Frito ou no caneco de Sangue. Estes dois últimos bares eram da pesada. No linguajar telegráfico de um jovem moderno poderíamos dizer:

-Pô meu, Curitiba era uma zona!"

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