terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Fonte de Jerusalém ou Memorial das Américas?

 

Fonte de Jerusalém ou Memorial das Américas?

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Há prédios, praças e monumentos da cidade com os quais convivemos e que nos ajudam a definir o espaço urbano como nosso. Acho muito interessante no caso desses marcos urbanos entrar em contato com pessoas que participaram do projeto ou neles viveram, revelando informações que só essas pessoas possuem.

Há algum tempo eu tive a oportunidade de conhecer uma pessoa que teve um papel essencial na criação de um desses monumentos, a Fonte de Jerusalém. Essa pessoa é a artista Lys Aurea Buzzi, que criou e executou os lindos anjos de bronze que estão no topo do pilar.

A história que ela me contou em 2019 num dos encontros do Croquis Urbanos de Curitiba é bem curiosa e mostra como uma conveniência política mudou por completo a concepção da fonte, quando os anjos já estavam praticamente prontos e criados para o projeto original.

No final de 1994 na gestão do Prefeito Rafael Greca, a artista foi convidada para executar três esculturas de anjos (exigência do prefeito) que seriam o destaque de um monumento a ser instalado na rotatória. O monumento seria chamado “Memorial às Américas”, uma celebração da paz entre os povos, no qual cada anjo representaria uma das três Américas.

A proposta foi apresentada em janeiro de 1995 e previa que cada anjo de pouco mais de 3 metros seria instalado em pilares individuais, de alturas diferentes (8 à 15m), sobre um espelho d’água no formato dos mapas das Américas, tendo a água como ponto de união.

O anjo que representa a América do Norte ficaria no pedestal mais alto e tem os braços para o alto, saudando o que está por vir. O que representa a América Central ficaria no pedestal intermediário e tem os braços abertos para frente saudando a terra e os mares. E o que representa a América do Sul ficaria no pedestal mais baixo e tem os braços abertos para baixo numa referência à sua proximidade com as pessoas.

O projeto previa ainda o aproveitamento da maior parte da vegetação da rotatória, retirando apenas o que fosse necessário para dar visibilidade ao monumento.

Algumas alterações no projeto foram acontecendo sem que a autora tivesse participação nelas. A primeira foi a questão dos pedestais, pois houve quem reclamasse que haveria uma espécie de hierarquia entre os anjos devido à diferença das alturas, por isso os pedestais deveriam ter a mesma altura e por fim, de três pedestais o monumento passou a ter um pedestal único. A vegetação que em grande parte deveria ser aproveitada, foi completamente retirada.

Mas a mais drástica mudança de todas foi a guinada no conceito do monumento que de “Memorial às Américas” passou a chamar-se “Fonte de Jerusalém”, numa homenagem aos quase 5 mil anos da cidade sagrada.

Pelo que eu soube, naquele ano o então Prefeito de Jerusalém, Ehud Olmert, enviou comunicados ao mundo informando o importante marco dos 5000 anos da cidade sagrada e pedia que o fato fosse celebrado.

Alterado a razão da fonte, cada anjo então passou a representar nesse novo monumento as três grandes crenças monoteístas que acreditam na existência de anjos e para as quais Jerusalém é sagrada: cristianismo, islamismo e judaísmo.

A fonte foi inaugurada no dia 22/12/1995, com a presença dos então Governador do Paraná Jaime Lerner, Prefeito de Curitiba Rafael Greca e o então Prefeito de Jerusalém Ehud Olmert.

Obviamente os anjos não foram pensados, desenhados e executados para esse fim. Certamente se a proposta desde o início fosse uma homenagem à Jerusalém, talvez o monumento fosse outro, talvez os anjos seriam outros e talvez, dentro da concepção que cada religião tem deles.

Enfim, coisas que só a política (talvez) explica e histórias que só temos condições de conhecer ao falar com as pessoas diretamente envolvidas com elas.

Mais uma curiosidade sobre a Fonte de Jerusalém. Nela estão fixados alguns painéis de azulejos e num deles está grafado o seguinte Salmo da bíblia:

“Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem. Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigiam as sentinelas.”

No painel esse Salmo está identificado como sendo o de número 137, ocorre que o Salmo de número 137:1-3 diz o seguinte:

“Junto aos rios da Babilônia nós nos sentamos e choramos com saudade de Sião.
Ali, nos salgueiros penduramos as nossas harpas; ali os nossos captores pediam-nos canções, os nossos opressores exigiam canções alegres, dizendo: “Cantem para nós uma das canções de Sião!”

O Salmo 137 inclusive é bem conhecido, pois serviu de inspiração para uma música muito conhecida da época da discoteca, gravada em 1978 pelo grupo Boney M chamada “Rivers of Babylon”.

O Salmo grafado no painel é na verdade o de número 127:1 e eu mesmo já havia informado à prefeitura do fato e soube que outras pessoas também, mas o erro jamais foi corrigido.

A última imagem, que faz parte do estudo de como o monumento foi imaginado, foi gentilmente cedida pela arquiteta Lys Aurea Buzzi.


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