A GRIPE ESPANHOLA EM PARANAGUÁ E CURITIBA
A GRIPE ESPANHOLA EM PARANAGUÁ E CURITIBA
Em 10 de outubro de 1917, o prefeito de Paranaguá solicitou à Diretoria do Serviço Sanitário um funcionário, munido de desinfetadores e outros equipamentos, pois falecera no Hotel Silvério, daquela cidade, um gripado vindo do Rio de Janeiro. Este teria chegado a Paranaguá por ocasião do casamento da filha de um sírio de nome Barbosa. Vieram do Rio de Janeiro ainda outros sírios que estavam com o mal incubado. Parentes de Morretes e Antonina, ao voltar para as suas cidades, levaram também o "germe do mal", como a população referiu-se.
Em todo o Brasil a gripe se alastrou a partir dos portos, em direção ao interior, no Paraná a primeira cidade a ser infectada foi a de Paranaguá. No relatório enviado ao Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública no dia 8 de janeiro de 1919, o diretor Geral do Serviço Sanitário Dr. Trajano Reis, conta como a epidemia chegou ao Paraná a partir da cidade de Paranaguá, através daquela festa de casamento:
"Em Paranaguá, n’aquella época ia effectuar-se o casamento da filha de um syrio chamado Barbosa. Do Rio de Janeiro vieram assistir às bodas alguns syrios que estavam com o mal incubado. De Antonina e Morretes seguiram para aquella cidade com o mesmo fim dos do Rio, alguns patrícios do Sr. Barbosa. Estiveram juntos e cada um dos residentes em Antonina e Morretes trouxe consigo o germen do mal, que se dissiminou com rapidez entre as populações das referidas cidades. Em Paranaguá, por sua vez, os hospedes fluminenses, não só padeceram da moléstia como também transmitiram ao patrícios e à população."
Durante a festa os convidados do Rio de Janeiro, que estavam contaminados com o vírus da gripe, o transmitiram para as outras pessoas e no decorrer dos dias que estiveram em Paranaguá espalharam o vírus pela cidade e, em consequência desse episódio, a gripe começou a espalhar-se pelo Paraná. Por causa dessa propagação o Dr. Trajano Reis recebeu um pedido de ajuda do prefeito de Paranaguá:
"No dia 10 de Outubro próximo findo recebi pedido do Exmo. Snr. Prefeito de Paranaguá, de um desinfectador, o qual seguio no dia 11 com apparello e desinfectantes. E que falecera no “ Hotel Silverio” um gripado vindo do Rio de Janeiro. Foi feita a desinfecção do Hotel, mas compreende-se que a moléstia fora transmitida algumas pessoas."
Esse que falecera, se tratava de uns dos convidados do casamento da filha do Sr. Barbosa, a partir dessa data outros casos foram registrados em Paranaguá, Morretes e Antonina e frente ao ocorrido medidas foram tomadas pelo diretor geral da saúde pública:
“Em defesa do nosso território por terra e mar. Os passageiros vindo por mar de procedência suspeita, seriam levados para a Ilha da Cobras, onde passariam por uma rigorosa desinfecção, pessoas e cousas e ficariam de observação por uns cincos dias. Os que entrassem por via terrestre seriam submetidos a mesmas condições de defesas (...)”
Foram enviados ao socorro dessas cidades os Dr. Manoel Carrão à Paranaguá e o Dr. Gomes de Faria levando consigo auxiliares às cidades de Morretes e Antonina e algumas medidas preventivas foram tomadas na cidade portuária como o: “expurgo dos navios, internamento em hospitais dos doentes de bordo a vigilância dos passageiros suspeitos”. Outra medida tomada pelo governo foi a fiscalização da Estrada de Ferro que ligava Paranaguá a Curitiba, através da verificação e desinfecção de passageiros e bagagens, tendo sendo designados para esse serviço o Dr. Eduardo Wirmond Lima com outros auxiliares. Todas essas providências foram tomadas com objetivo de frear o mal que poderia alastrar-se por todo o estado, o que infelizmente não foi possível.
O surto, particularmente violento de gripe espanhola, alastrou-se de Paranaguá a Curitiba e tomou conta da cidade. Qual um cavaleiro do apocalipse desgarrado da sua tropa após a finalização dos combates, a peste adentra em furiosa cavalgada dizimando uma população empobrecida cuja a principal esperança era o fim das hostilidades.
O tráfego de pessoas entre os estado de Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná era frequente e a proliferação da doença na capital se deu pela passagem de pessoas que estavam incubadas com o vírus, vindas de cidades que estavam contaminadas pela gripe.
Segundo relato do Dr. Trajano Reis, o primeiro doente notificado, como vindo do Rio de Janeiro, foi um hospede de distincto oficial do Exercito, residente à rua Conselheiro Barradas n. 115. Na mesma casa foram outras pessoas atacadas e daquele foco espalhou-se por toda a rua Conselheiro Barradas e pelas adjacentes. Outros gripados mais ou menos na mesma época vieram do Rio de Janeiro, subiram para esta Capital e disseminaram o flagelo. Por via terrestre, pessoas vindas de São Paulo e Rio nos forneceram não pequenos contingentes.
No dia 16 de outubro de 1918, já existiam vários boatos de pessoas contaminadas com o terrível mal que assolava o Rio, os governantes e até muitos médicos tentavam esconder da população que a epidemia havia chegado a Curitiba; diziam que os casos que apareciam eram de gripe benigna, ou seja, comum e que não era necessário nenhum alarde por parte da população. Já no dia seguinte o Diretor Geral do Serviço Sanitário publicou nos jornais um artigo com o título: “Conselhos ao Povo”, que tentava amenizar os boatos, mas que acabou confirmando as suspeitas da população:
"A influenza ou gripe, agora com o qualificativo de 'hespanhola', desde mui remotos é moléstia conhecida. Como todas as moléstias infectuosas de quando em vez manifesta-se sob a forma epidêmica, mais ou menos intensa, mais ou menos grave. (...) a influenza se tornou edêmica em Coritiba e anualmente ataca a população.
E’ de presumir que agora, como ella viaja pelo mundo, com suas hostes malfazejas, faça também entre nós a suas demonstrações de força e poder reforçando elementos que aqui possui, com legiões novas e frescas.
Para evitar os seus golpes traiçoeiros, invisíveis, cumpra que cada um observe os conselhos geraes comuns à todas as moléstias infectuosas. Se assim fizerem evitarão ou pelo menos suavizarão os seus ataques (...)"
Não há dúvida que ao publicar esse aviso o Dr. Trajano Reis tinha suspeitas que a gripe já estava entre os curitibanos, e tentava por meio de suas colocações acalmar a população dizendo que a gripe já era característica da capital.
Outros conselhos a respeito de evitar contato e isolar doentes, o cuidado com a higienização pessoal e das residências, era mais uma afirmação que a epidemia realmente havia chegado a Curitiba:
"1° - Não se comuniquem com os doentes, nem frequentem casa infectadas;
2° - As pessoas, residentes em casa infectadas, tenham a caridade de não frequentar aquellas que não estão;
3° - Evite todas as causa de refriamento;
4° - Não frequente os locaes onde haja agglomeração de pessoas;
5° - Mantenham rigoroso asseio mas habitações, quintaes, etc. fazendo inerar o lixo e extinguindo todos os depositos de aguas estagnadas ou servidas;
6° - Mantenham os apprelhos sanitarios bem desinfectados com creolina ou leite de sal;
7° - Isolem os doentes das pessoas da familia, desinfectando diariamente todos os aposentos e dependencias com creolina ou outro qualquer desinfectante;59
8° - Bebam agua filtrada e fervida;
9° - Usem alimentos leves e bem cosidos;
10° - Não usem fructos verdes, e os maduros lavem muito bem antes de se servirem d’elles.
11° - Só usem verduras cosidas;
12° - Fervam o leite e refervam antes de o ingerir;
13° - Evitem gelados;
14° - Não façam excessos de qualquer natureza;
15° - Fervam as roupas retiradas da cama e do corpo dos doentes;
16° - Desinfectem todas as excreções dos doentes;
17° - Mantenham o mais escrupuloso asseio corporal, lavem a bocca, garganta e fossas nasaes com desinfectante, diversas vezes por dia e principalmente antes das refeições, que nunca devem fazel-as nos aposentos infectados;
18° - Lavem frequentemente as mão, sobretudo antes de usar qualquer alimento;
19° - Façam-se vaccinar e revaccinar, contra a variola; porque se tal vaccina beneficiar contra influenza, tanto melhor, e, se não produzir effeito, pelo menos ficará a população preparada para resistir à referida variola;
20° - Usem chá de eucalyptus e de qualquer sal de quinina; as casa de collectividade devem immediatamente retirar dos seus estabelecimentos qualquer pessoa que adoecer;
21° - Os senhores professores, directores de collegio devem fazer a mais activa vigiloncia para isolar qualquer creança que ficar doente."
O Governo orientava a população, como se a gripe ainda não tivesse chegado a cidade, mas que estava a caminho, ao contrário disso vários casos já estavam ocorrendo na cidade. O jornal “Diário da Tarde” no dia 19/10/1918, noticiava que várias pessoas que haviam vindo do Rio de Janeiro para capital paranaense ficaram enfermas, e que vários funcionários do Banco do Brasil acabaram adoecendo e ao mesmo tempo e por isso o banco resolveu fechar suas portas por falta de funcionários. Não havia dúvida a gripe já fazia suas primeiras vítimas em Curitiba.
Mesmo com esses dados o Serviço Sanitário, negava a existência de casos de Influenza na cidade. Em declaração ao “Diário da Tarde” no dia 21 de Outubro de 1918 dizia o seguinte:
"A directoria do Serviço Sanitário desta Capital nos informou hoje que até a data presente não foi communicado àquella repatição caso algum de moléstia identica à que se tem manifestado em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul."
Assim a capital foi dividida em quatro zonas, onde um médico e seus auxiliares ficariam responsáveis por uma zona, a polícia sanitária passou a examinar prédios e pedir melhoramentos. Como os jornais continuavam a publicar reportagens a respeito da gripe dizendo que o mal já estava instalado na capital, o governo decidiu censurar reportagens. Foi o caso da reportagem do jornal “Diário da Tarde” de 22/10/1918 em que uma reportagem de capa foi censurada.
O governo tentava de todas a maneiras esconder a situação real que a capital estava passando, mas chegou ao ponto que não tiveram mais como negar que a epidemia já estava em Curitiba. Apesar de ainda que não tivessem sidos registrados, ou divulgados nenhum óbito por gripe, o governo se antecipou e proibiu que enterros a partir daquele dia fossem realizados à mão e com acompanhamento.
No dia 24 de outubro o prefeito de Curitiba, João Antônio Xavier assinou o decreto de no 122 que dizia o seguinte:
"O Prefeito do Municipio da capital, tendo em vista que as directorias dos Serviços Sanitários da capital de São Paulo e deste Estado, bem como da Capital Federal, aconselham insistentemente que evite agglomeração, principalmente a noite, a fim de impedir a propagação da grippe hespanhola, ora reinante em diversas localidades do paiz, resolve como medida preventiva contra a invasão dessa epidemia, suspender o funccionamento dos cinemas e outras casas de diversões desta Capital. O Secretário faça intimar, por intermedio do Fiscal Geral, os proprietarios ou emprezarios dos alludidos estabelecimentos nesta resolução."
Se a epidemia ainda não tivesse chegado a Curitiba, esse decreto provavelmente não teria sido assinado, era óbvio que a gripe já estava presente na capital, esse decreto teve como objetivo prevenir a propagação da doença e não de evitar que ela aqui chegasse. No dia seguinte foram suspensas as aulas em todas as escolas e no dia 26 foi decretado que igrejas, também deveriam ficar fechadas e não realizar cultos religiosos. Vários funcionários do “Diário da Tarde” e do “Comércio do Paraná” foram atingidos pela gripe, desfalcando o serviço nos jornais.
O cotidiano, e o cuidado com a saúde da população Curitibana começou a se alterar, as pessoas evitavam sair de suas casas, remédios e desinfetantes como a creolina começaram a ter uma procura ainda maior, farmácias faziam plantões para tentar atender mais pessoas; tudo para evitar o contágio da epidemia.
Segundo o relatório do Dr. Trajano Reis, a primeiro óbito ocasionado pela gripe foi no dia 1°/11/1918
No mesmo dia foram publicados nos jornais, conselhos referentes ao combate à gripe pelo Serviço de Profilaxia Rural do Paraná que já haviam sido publicados em edições anteriores. Conselhos eram impressos e distribuídos entre a população paranaense:
"E’ impossivel evitar a propagação da epidemia de “grippe” por não existir um preventivo seguro capaz de evitar a infecção. Aconselhamos, contudo o seguinte:
- TRAQUILIDADE, e confiança nas autoridades sanitárias.
- NÃO fazer visitas e evitar o contato com doentes de grippe, porque o contagio é directo, de individuo doente a individuo são.
- EVITAR toda a fadiga ou excessos physicos.
- FAZER refeiçõe leves e a horas certas e dormir tempo sufficiente.
- TOMAR um laxante a cada 4 dias, afim de trazer o tubo digestivo sempre desembaraçado.
- FUGIR das agglomerações, sobretudo à noite
- EVITAR o uso de bebidas alcoólicas.
- LAVAR a bocca o nariz e gargarejar com agua salgada ou salicylada a 1 por 200, de manhã e de noite, e imstillar em seguida, 5 gottas de oleo gomenolado a 5 %, nas narinas, ou usar tampões de algodão com vazelina mentholada a 3%.
- PARA lavar a bocca e gargareja é excellente a agua com um pouco de tinctura de iodo.
- EVITAR as causas de resfriamentos, que facilitam a infecção.
- SENTINDO dores de cabeça e pelo corpo, com febre, deve ir immediatamente para a cama, fazer uso de purgante salino, ou de calomelanos e tomar aspirina e quinino a 0,3 centigrammos, para uma capsula. Tomar 3 por dia. Diecta lactea.
- SÓ LEVANTAR-SE quando não sentir mais nada.
- O REPOUSO ao leito, o regime lacteo, e essa medicação inicial, evitam complicações pulmonares, gastro-intestinais, ou nervosas que são muito graves.
- SO CHAMAR o medico para casos serios, afim de evitar que elles adoeçam pelo esfalfamento e venham faltar em momento mais diffíci, quando elles poderão prestrar maiores serviços à população.
- QUANTO a desinfecção basta passar um pano molhado em agua com creolina pelo soalho da casa do doente e desinfectar o seu escarro, também com creolina.
O MAIS IMPORTANTE é a desinfecção da roupa de corpo e de cama do doente, diariamente, pela “fervura”.
- A GRIPPE é moléstia muito séria quando descuidada.
- O DOENTE não deve receber visitas, a não ser do medico assistente. Recomendamos o maior rigor na defesa das pessoas edosas e creanças, contra infecção.
- AVISO: A homeopatia, o espiritismo e as hervas, não curam a grippe, como nenhuma outra moléstia infectuosa ou parasitaria."
A preocupação no cuidado com a higiene e saúde foi dobrada, muitos que não tinham costumes higiênicos passaram a cultivá-los diariamente. O lavar constante da boca e do nariz, que não era rotineiro fazer, passou a ser observado, o cuidado com a higiene do ambiente das casas também começaram a ser realizados com mais asseio.
Para ajudar no combate à epidemia foram criados postos de socorro para pessoas que não tinham condições de pagar médicos particulares. Foram abertos hospitais de isolamento onde eram fornecidos remédios, desinfetantes e alimentação aos necessitados73, até mesmo os estudantes de medicina da Universidade Federal do Paraná foram enviados a dar assistência médica e sanitária à população.
Foi no mês de novembro que a gripe atingiu seu auge em Curitiba, no dia 14 de novembro o total de mortes era de 24 pessoas por dia sendo que a maioria era por gripe. Os serviços funerários eram requisitados constantemente, chegando a faltar caixões para enterrar os mortos.
Apesar de todas as ações feitas pelo governo, a epidemia em Curitiba só cessou no dia 10 de dezembro. Segundo o relatório do Dr. Trajano Reis, somente na capital que na época tinha uma população de 73.000 habitantes, foram registrados 45.249 casos de gripe e 384 óbitos. Sendo assim 60% da população da capital paranaense foi atingida por essa epidemia.
(Foto ilustrativa , wikipedia)
Paulo Grani
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