A GUERRA DO CONTESTADO E A QUESTÃO DE LIMITES ENTRE PR E SC. Parte II
No relatório do Gen. Setembrino de Carvalho, também foi publicada uma carta escrita em dezembro de 1914 pelo líder rebelde Antonio Tavares Junior, em resposta ao major Taurino de Rezende.
“A causa que defendemos é uma causa sacrosanta, mas que infelizmente até hoje tem sido descurada pela nefasta negligencia dos ex-governadores do meu pobre Estado, e que é a apodrecida questão de limites.
Só temos um lemma e esse é: execução da sentença ou morte ! São, illustrissimo senhor, dez mil famílias que se sentem ignominiadas por essa conspurcação vexatória do Direito, da Lei e da Justiça, feito exclusivamente para satisfazer capricho sem razão de ser, de meia dúzia de politiqueiros e acolytada pela
“sede insaciável dos nossos visinhos”.
São dez mil famílias que choram o longinquo bem estar de suas residências, são dez mil famílias emfim, que preferem se entregar em holocausto a supportarem à ambição desmedida e perseguição continuas do sequioso Paraná. Foi, pois, impulsionado por esse brado de desespero e de justiça que corri ás armas para,
ao protesto expontaneo e unanime desse povo bem digno de chamar-se brazileiro, juntar o meu e os meus resumidos esforços, esquecendo filhos, vida e propriedade e não para espalhar o sangue e me tornar bandido de que, me acoima o Paraná. Não pesará acaso na enigmática consciência do ex-presidente da República esta lista fraticida? Certamente, não ; porque pesaria também, nesse caso, o não sei quantos mezes de vergonhoso estado de sitio !” (1916, anexo 15).
Na carta, Antonio Tavares Junior credita à questão de limites o motivo da rebelião de seu grupo, afirmando que dez mil famílias sofriam com a indefinição da sentença. Neste relato, devemos levar em consideração alguns fatores.
Primeiramente, Antonio Tavares Junior morava na região de Canoinhas, próximo ao Rio Negro, portanto local onde o litígio era disputado ferrenhamente.
Outra questão importante de ser verificada refere-se à maneira como esse líder entrou no conflito. Segundo Maurício Vinhas de Queiroz, ele era uma espécie de secretário de um importante capataz do prefeito e chefe político de Canoinhas. Esse capataz, conhecido como Bonifácio Papudo, sofreu grande influência de Antonio Tavares Junior ao se rebelar contra o prefeito. Ao que parece, eles atenderam a uma solicitação de Aleixo Gonçalves, outro importante líder sertanejo, carregando consigo quase toda a população que morava no local (SOARES, 1931, p. 79).
Aleixo Gonçalves residia em São Bento há muito tempo, porém possuía terras registradas em cartórios catarinenses, em Três Barras e na região contestada. No entanto, uma outra família registrou essas propriedades no Paraná, vendendo-as em seguida para a Southern Brazil and Colonization Company.
O fato é que esses líderes conseguiram reunir mais de 1000 homens dispostos à luta. No entanto, os documentos não deixam claro se a maioria desses sertanejos realmente estavam preocupados com a questão de limites, ou se eles compartilhavam dos mesmos valores e esperanças presentes nos demais redutos, pois segundo uma entrevista realizada por Queiroz, Antonio Tavares Junior havia demonstrado certo oportunismo:
“Como o povo queria a monarquia, para que o povo o seguisse, também disse que lutava pela monarquia” (Depoimento Rosa e Fohy, In: QUEIROZ, 1977, p. 165).
Por saber escrever, acabou por representar os demais que em sua grande maioria eram analfabetos. Apesar de singular, seu relato certamente encontrou eco entre muitas pessoas, confundindo-se com outras vozes no interior de uma comunidade mais ampla de imaginação.
Baseados nos itens expostos, nota-se que para alguns moradores, principalmente os mais influentes, a questão de limites possuía relevância, o que não significa que eles não compartilhassem dos valores ou crenças que alimentaram o Movimento. No entanto, para os sitiantes e posseiros que moravam nas regiões próximas à divisa, a questão estava além uma demarcação política das fronteiras. Eles queriam viver suas vidas sem a interferência de
políticos ou coronéis, importando menos o estado no qual residiam do que a segurança de terem tranqüilidade em suas terras.
FONTE: O Movimento do Contestado e a construção de uma identidade regional - Liz Andréa Dalfré; ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
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