sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - 44 Bico largo

 

Histórias de Curitiba - 44 Bico largo

44 Bico largo
René Ariel Dotti

Foi no início dos anos 60, quando o Paraná festejava a vinda do Governo Ney Braga e milhões de brasileiros viviam a esperança da varredura de Jânio Quadros.
Poucos meses depois, a condecoração de Che Guevara e a intempestiva entrega da carta-renúncia ao Congresso Nacional, transportariam o novo messias para Cumbica, e de lá, num navio cargueiro de bandeira inglesa, para a Europa.
Parando em Londres, of course.
No Paraná, o novo Secretário do Interior e Justiça decidiu intervir em Cascavel, centro da violência contra posseiros, vítimas dos "novos"proprietários das terras.
Estes, na verdade, eram personagens urbanos que valendo-se da indústria oficial de títulos de terra, esbulhavam no turbulento sudoeste.
Acomodando tropas da Polícia Militar do Estado em dois aviões de carreira, o valente Secretário deflagrou a "Operação jagunço", na esperança de prender um exército de criminosos astutos e afortunados e seus lombro-sianos capangas.
Os jagunços não estavam mais lá quando a expedição chegou.
Souberam antes da viagem e certamente por informação de alguém do público interno, pois a diligência era cercada de sigilo funcional.
Foram detidos apenas dois retardatários despachantes de títulos, porém liberados tão logo a cruzada retornou à base.
Na delegacia os advogados convenceram a autoridade com um "Habeas corpus"de orelha: "Cadê o mandado judicial, cadê o auto de prisão em flagrante?"
Um novo governo austero deveria ter, também uma nova Polícia Científica e por isso o Luiz Geraldo Mazza estava confiante ao chamar a Delegacia de Furtos e Roubos.
Um larápio entrou em sua casa, no Juvevê, e revirou tudo.
Talvez na inútil busca do dinheiro que o Mazza, sempre aos poucos, traz no bolso.
Mas o ladrão levou roupas e outras coisas mais.
Chegaram dois agentes.
Um bem alto, outro baixinho, quase uma versão paroquial do Mutt e Jeff.
Interrogaram o Mazza.
Onde estava, porque chegou tarde à noite (dando chance para o amigo do alheio), quem eram os vizinhos, se tinha empregada, alguma briga recente, se ainda trabalhava no "Diário do Paraná" e coisa e tal.
Em certa passagem do "levantamento do corpo de delito" um dos investigadores, polacão de quase dois metros, apontou para um sapato que estava na cozinha.
Enorme e solitário, embaixo de uma cadeira.
Com vagar e refinado no suspense o outro policial abaixou-se para apanhar a pista.
Modelando o gesto de captura do sapato com o olhar de certeza sher-loquiana, o "tira" apanhou o quarenta e quatro, bico largo, e o levantou como um troféu até à altura de sua cabeça.
Olhou firme para o parceiro e disparou, numa só palavra, a sentença de condenação: "Domanski!"
O Mazza, intrigado com o ritual, veio a saber depois que Domanski, ao contrário de muito "pé de chinelo", era um ladrão habitual e calçava um generoso tamanho de sapato.
As suas pegadas, portanto, eram identificadas com facilidade pela nova polícia científica.
E os tiras souberam, também depois, que o sapatão era do próprio Mazza.
Ficaram intrigados: se não fora o Domanski, qual era o "gato"perneta que roubou um só sapato?
Da estória restou a lem brança do curioso método de apurar a autoria de um crime. Não pela impressão digital, mas pela impressão do tamanho do pé.

René Ariel Dotti é membro da Academia Paranaense de Letras.


Fonte: Historias de Curitiba Paraná.

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