sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - A bela e a fera

 

Histórias de Curitiba - A bela e a fera

A bela e a fera
José Leon Zindeluk

A madrugada da década de quarenta me surpreendeu menino no 34 da Rua Quinze.
Na Europa, a xenofobia que hoje ressurge violenta, pretexto para soluções de crises econômicas, fazia sua vítimas. A Curitiba, réplica européia, cosmopolita, mãe adotiva de tantas etnias, tão bem representadas nos festivais folclóricos, recebia reticente os imigrantes, em parte pela ambigüidade política da época.
No primeiro andar onde eu morava, minha mãe costurava as gravatas que meu pai vendia, embrião da futura fábrica que me deixaria orgulhoso ao ver as grava-tinhas bordô ou azul-marinho adornando o colo das colegiais e normalistas do Instituto de Educação.
Vinte e cinco degraus abaixo e, ao lado, o Bar Triângulo (Cachorro Quente), do seu Rudi, que nascera comigo em 59, seria o su-pressor da fome dos horários formais de refeições e, mais tarde, o grande companheiro de chope e calmante "dos apetites" das madrugadas.
Fazia parte de uma turmi-nha dividida em grupos da Rua Ébano Pereira, Rua Quinze e que, à moda do Roy Rogers, Durango Kid e Zorro, cavalgava pelos quarteirões em brigas de quadrilhas.
A infância de minha geração correu pelas calçadas da Avenida à segunda quadra da Rua Quinze.
Girava pela porta do Braz Hotel, respirava o cheiro de couro da Bolsa Chie, dos sanduíches e mais tarde das pizzas da Guairacá. Parava diante das imagens móveis do Broadway, o meu "Cine Paraíso", brincava com as caixas de papelão da Jerusalém e corria até às imagens fixas do Foto Brasil.
A travessia da Dr. Murici foi um tabu respeitado por algum tempo e assim o circuito era completado passando pela Praça Zacarias, onde recebíamos especial carinho dos choferes de praça, especialmente do inesquecível Eu-clides Bastos "Perereca", grande <j do volante das carreteiras.
Com as emoções, haviam os temores da época - a guerra na Europa e sua conseqüente repercussão na vida da cidade - os desfiles militares, a despedida dos expedicionários, os racionamentos.
Também marcaram os clarões dos incêndios da Farmácia Minerva, da Foto Brasil, do Cine Luz, dos automóveis incendiados nas manifestações de 46, as depredações do Cine Avenida e das vitrines, mais tarde a "Revolução do Pente". Os sons dos cascos dos cavalos contra as manifestações estudantis e populares, a intolerância, a repressão, a violência.
Os jatos d'água dos bombeiros apagando incêndios e dispersando multidões.
Curitiba mudou...A Rua Quinze é das flores, a calçada, calçadão e os meninos na rua são de rua.
Curitiba cresceu, envelheceu um pouco mas se mantém bela graças aos contrastes harmoniosos de sua arquitetura e às numerosas cirurgias plásticas que seu tecido urbano tolerou.
Curitiba é uma cidade mágica e criativa , conservadora e progressiva, mística, universitária e politizada,
de artes e de plástica, onde muitas vezes qualidade de vida se confunde com poder de consumo.
E eu que também vejo a Curitiba pobre e doente (e não é outra história) tenho a esperança de que esta Curitiba dos belos
parques e portais, verdadeiros "Arcos do Triunfo" das etnias, não fique alheia aos conflitos e à grave realidade que
vivemos, para que não repita a Europa de 40 e de hoje.

José Leon Zindeluk é médico.


Fonte: Historias de Curitiba Paraná.

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