sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Histórias de Curitiba - Dona Branca

 

Histórias de Curitiba - Dona Branca

Dona Branca
Maria Carmem Iglesias

Daquela figura humana de cabelos grisalhos enrolados em coque, dentes brancos e salientes, olhar penetrante, emanava uma energia que todos os alunos captavam.
Muitas vezes ficamos a imaginar com que autoridade de mestra ela contratava quatro séries do antigo primário em uma única sala, cada série com um bom número de alunos, uns quinze, pelo menos.
Tudo isso com apenas a ajuda, durante algum tempo, de sua filha Lya, há muitos anos casada com Evelásio Bley.
Enquanto uma série fazia cópia do quadro negro, outra turma formava uma roda para a leitura, outra resolvia problemas de aritmética, enquanto isso a "Dona Lya" tomava a tabuada de mais uma turma. E tudo funcionava! Além de funcionar aprendíamos tudo com a maior clareza.
Comparo sempre a simplicidade de uma escola particular, como a da intuitiva Dona Branca, com as complicadas escolas primárias de hoje, em que se tem a orientação de pedagogos, psicólogos e orientadores.
Chego à conclusão de que o que se precisa nas escolas é de pessoas, como a querida professora que, apaixonadas pela profissão, coloquem amor no que irão ensinar e despertem o inte-resse dos alunos pelo saber.
Nosso livro de leitura, na terceira série, era um calhamaço -a Crestomatia - uma compilação de trechos clássicos da literatura em prosa e verso, trechos esses os quais nunca mais esqueci.
Alguns eram difíceis para os nossos nove anos de idade, mas a mestra nos fazia procurar no dicionário as palavras desconhecidas, induzindo-nos a descobrir o sentido e a escrever no caderno, para que quando as lêssemos fosse mais fácil a compreensão do pensamento do autor.
Nos dias de hoje apresentam-se às crianças livros com textos simples, frases curtas, muitas figuras, tudo de acordo com a idade, como manda a atual pedagogia.
As crianças de hoje não precisam "usar o tutano"como nós usávamos... mas será isso o correto?
Quando as crianças de hoje vão para a escola pela primeira vez, fico assistindo a azáfama das mães no primeiro dia de aula, o uniforme, a lancheira da Xuxa, o tênis da moda, as fotografias... e recordo o meu primeiro dia de aula, pela mão de um primo, o José Carlos Amaral, que me apresentou à mestra:
"Dona Branca, ela já aprendeu a ler e a escrever com o pai e já sabe contar até cem..."
Só não conto a meus filhos essas histórias para que não me achem ultrapassada, a mim e a essa turma de crianças do Batel que freqüentávamos a Escola de Dona Branca, na Comendador Araújo, em uma Curitiba em que se 1a e voltava a pé para a aula acompanhados dos primos e colegas, sem os perigos do trânsito da cidade grande, dos assaltos, dos seqüestros.
Quando, por contingências da vida, tive que assumir há 15 anos uma firma de seguros - onde hoje trabalham meus dois filhos, agradeci a Deus por ter tido uma mestra como Dona Branca, que mandava os alunos fazerem três redações por semana, o que me fez ter facilidade em me comunicar por escrito.
Nas reuniões em que eu, por ser mulher, tinha dificuldade de participar (como as coisas mudaram em tão poucos anos...), manifestava meu ponto de vista por escrito e minhas cartas resolviam os problemas profissionais.
Abençoada Dona Branca! Obrigada pelo que fez por nós, seus alunos, muitos deles, hoje, cronistas da Gazeta do Povo...

Maria Carmem Iglesias é empresária.


Fonte: Historias de Curitiba Paraná.

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