segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Tem chuva para tudo que é gosto, e não poucas, aliás, causam desgosto. Tem a chuva-chuva, essa comum que molha tudo o que fica embaixo sem a devida proteção. Histórias de Curitiba - Chuva de chocolate

 Tem chuva para tudo que é gosto, e não poucas, aliás, causam desgosto.
Tem a chuva-chuva, essa comum que molha tudo o que fica embaixo sem a devida proteção.
Histórias de Curitiba - Chuva de chocolate


Chuva de chocolate
Inez Regina Klas

Tem chuva para tudo que é gosto, e não poucas, aliás, causam desgosto.
Tem a chuva-chuva, essa comum que molha tudo o que fica embaixo sem a devida proteção.
Tem a chuva de pedra, que pode causar estragos enormes nas plantações, dói nos cocorutos descobertos e, dependendo do tamanho, até amassa capôs de carros e quebra telhas.
Tem a chuva de cântaros - cântaros? - e de canivetes, que não corta e nem fere mas é a ideal para alagar aquelas ruas de bueiros abandonados pela Prefeitura.
De todas essas chuvas tem em tudo que é lugar, num mais noutros menos, mas tem. Só em Curitiba, porém já teve um tipo de chuva muito especial: chuva chocolate.
Foi entre os anos 50 e 60, anos de minha infância. Já naquela época, Curitiba era reconhecida como cidade-laboratório do Brasil, com uma população conservadora, mas exigente.
Por isso mesmo, inúmeros lançamentos de produtos eram primeiro testados aqui, antes de ganharem os mercados de outras cidades brasileiras.
Se reprovados pelos curitibanos, esses novos produtos ou eram alterados ou iam para o lixo.
A Kibon estava lançando por aquela época um novo piruli-to de chocolate (cá entre nós, uma delícia), os chicletes de hortelã e o chocolate "Bamba". E escolheu, é claro, Curitiba para os testes.
O mais curioso é que se tratava literalmente de "lançamentos". Como a cidade ainda era pequena e pacata, a Kibon alugava um avião teco-teco que sobrevoava o centro e principais bairros despejando quilos e mais quilos de guloseimas.
Era marcado o dia (geralmente um domingo) e a hora para a distribuição, colocavam cartazes pela cidade e à criançada restava contar nervosamente nos dedos os dias que faltavam para a chuva de chocolate.
Meu avô morava no centro, na Augusto Stellfeld, então uma ruazinha arborizada, tranqüila e estreita. Éramos seis netos, mas nossa inquietação valia por milhares, quando, após o almoço em família, íamos para a rua, o-Ihos fixos no céu à espreita do primeiro teco-teco. À hora programada, o ronco do motor anunciava a presença próxima do pequeno avião.
Então, como num sonho, lá vinha aquela chuva de doces.
Uma vez lançados os doces, era aquela debanda geral, um corre-corre pelas ruas, gritaria de "achei mais um", risos de incontida satisfação.
Nesta hora não existiam diferenças de vizinhos nem rixas infantis.
Formava-se um grupo homogêneo na disputa aos doces, verdadeiras expedições de caça aos tesouros retidos nas copas de árvores, nos telhados. Não sobrava um.
Depois da "limpa", suor escorrendo, a gurizada sentava no meio fio para contar a aquisição e descobrir o campeão do dia.
Hoje, lembrando essa inusitada chuva de guloseimas de 30 e poucos anos atrás, não resisto à exclamação fácil: "bons tempos aqueles!". Menos pela comilança dos doces, e mais, muito mais pela alegria de correr atrás deles.

Inez Regina Klas é bacharel em direito. (Texto Final: Pedro Franco Cruz.)

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