Por falar em poluição, havia um tempo em que os rios de Araucária eram límpidos e muito procurados para as mais diversas finalidades: a pesca – às vezes silenciosa e solitária, às vezes em grupos animados
“E se eu disser que os rios cantam...”
...Já dizia o poeta Fernando Pessoa. Quem já parou pra ouvir o som que os rios fazem pode dizer que são sim música para nossos ouvidos, ainda mais em tempos de tanta poluição sonora nas cidades. No dia 24 de novembro se comemora o Dia do Rio, e nós, como seres compostos 70% por líquidos, jamais deveríamos nos esquecer da importância da água em nossas vidas. Água é vida, é essencial para qualquer ser vivo, e os rios são a representação mais sublime da sua importância no meio em que vivemos. Os rios são tão importantes que as cidades, de forma geral, iniciam sua formação em suas margens, e Araucária não foi diferente, já que os primeiros núcleos de povoação se deram nas proximidades dos rios Barigui, Iguaçu e Passaúna – transformado em represa para abastecimento de Araucária, parte de Curitiba e da região metropolitana.
Por falar em poluição, havia um tempo em que os rios de Araucária eram límpidos e muito procurados para as mais diversas finalidades: a pesca – às vezes silenciosa e solitária, às vezes em grupos animados, praticada entre amigos e ensinada de pais para filhos -, os passeios na margem ou em barcos, as brincadeiras, a natação, os encontros, as festas e piqueniques, que ainda povoam as lembranças de muitos araucarienses e a imaginação dos mais jovens, enchendo-os de vontade de também ter vivido essas experiências.
O senhor Henrique Czaikowski, que mora em Guajuvira, às margens do rio Iguaçu, contou em entrevista ao Arquivo Histórico em 2011, que: “Uns 40 anos atrás, 40, 45 anos, esse rio era limpo, muito saudável, quando eu pescava, a gente podia pegar peixe, (...) tomava água do Iguaçu quando dava sede, hoje não dá pra molhar o dedo. A poluição aí. (...) Ih, nós juntava de monte assim no coador, carpa, jundiá, canoa assim subia daqui pra cima, enchia o bote (...) às vezes cedo, fazia cedo, não tinha ainda fogão a gás, só a lenha, como tem aí... fazer foguinho, puxar gradeado pra esquentar, ia pegar uns peixinhos aí perto, pegava pintado assim, mandi, pra café já tinha um frito. Peixe limpo, água limpa, pensando bem é uma pena esse rio ficar como está hoje, muito, a gente sente”.
O ferroviário aposentado Benjamin Sobota contou em entrevista ao Arquivo Histórico em 2017, que quando ainda existiam os trens de passageiros (que deixaram de funcionar em 1977) aos finais de semana e feriados ficavam cheios de pescadores que seguiam para o rio Iguaçu em Guajuvira e General Lúcio: “Daqui, de Curitiba, de todo lugar, iam de trem pescar. Iam de manhã e voltavam de tarde (…) Cheio de vara no trem.”
O rio Iguaçu também era o cenário ideal para passeios e piqueniques entre familiares e amigos, que chegavam a reunir dezenas de pessoas. A senhora Cecília Grabowski Voss, em entrevista concedida em 1990 em pesquisa para escrita do livro “Os espaços de lazer em Araucária”, da Coleção História de Araucária, contou que os membros da família Voss eram muito animados, gostavam de fazer piqueniques, para os quais levavam banda e muita cerveja, até mantinham uma fábrica de cerveja em Guajuvira só para consumo da família.
Nos dias quentes a diversão ficava por conta dos passeios de barco e banhos de rio. Em 1913 o médico Dr. Julio Szymanski até fundou um sanatório às margens do rio Iguaçu, que também servia como ponto de repouso nos dias de verão, onde passeios de barco e banhos de rio faziam parte da busca pela cura. Em Guajuvira de Cima existia um tanque chamado de Tanque do Machado, que era procurado por muitas pessoas aos finais de semana. Assim como o tanque dos Pianowski, nas proximidades da igreja de São Miguel, na colônia Tomás Coelho, antes do rio Passaúna se tornar represa.
No rio Iguaçu os bancos de areia eram convidativos, e alguns corajosos saltavam do alto das Pontes Metálicas. Mas não só os rios maiores atraíam a atenção, também os menores que cortam Araucária, hoje quase esquecidos, faziam a diversão da moçada, como o Ribeirão Cachoeira, que dá nome ao bairro onde se localiza, e que possui uma cachoeirinha muito simpática, conhecida como "cascatinha do Bini", que mesmo pertencente a propriedade particular já foi ponto de encontro da diversão da garotada há anos atrás.
Outro rio quase esquecido é o Ribeirão São Patrício, que passa próximo do terminal rodoviário, e que até a década de 1970 era um riozinho muito simpático e piscoso, mas que se tornou muito poluído por esgoto doméstico lançado nas galerias de água pluvial. No final da década de 1990, a poluição desse rio incomodava tanto as pessoas que frequentavam a rodoviária de Araucária, que muitas começaram a pedir para canalizar o rio, a fim de esconder o que diziam ser um “valetão” de esgoto a céu aberto. Foi então que os funcionários da Secretaria Municipal de Meio Ambiente decidiram resgatar a identidade do rio, promovendo uma enquete para que pudesse ser batizado aquele riozinho sem nome. O nome escolhido foi São Patrício, em alusão à fábrica de tecido de linho com o mesmo nome que havia sido tão importante para o município e cujo terreno era percorrido pelo rio. E o riozinho foi literalmente batizado no dia 24 de novembro de 1997, com bênção do padre e presença do prefeito, autoridades, funcionários da prefeitura e população do município, que se comprometeram a zelar por esse e todos os rios da cidade.
Um rio límpido representa para a cidade, além da manutenção da vida, um refresco para os dias quentes, um local para acalmar a alma, a casa da fauna e da flora aquáticas - e alimento para os pescadores, um meio para locomoção, e uma boa opção de lazer para os dias de folga, além de um ponto de referência e de identidade. Infelizmente, os dias em que os rios eram parte das melhores lembranças das vidas dos habitantes de Araucária ficaram para trás. É preciso, portanto, que se tenha conscientização ambiental para salvar e preservar nossos rios, que se tornaram abandonados por conta da poluição, mas que deveriam ser respeitados como parte inseparável de nosso ser. Você já parou pra ouvir o som que os rios da nossa cidade fazem? Eles ainda cantam, mas uma melodia triste, pedindo por socorro.
(Texto escrito por Luciane Czelusniak Obrzut Ono - historiadora)
(Legendas das fotografias:
1 - Foto aérea com as duas pontes metálicas sobre o rio Iguaçu, 2004
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
2 - Pescaria de barco no rio Iguaçu, década de 1950
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
3 - Pescaria no rio Iguaçu, década de 1940
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
4 - Pescaria no rio Iguaçu, década de 1960
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
5 - Meninos brincando no rio Iguaçu com cachorro, sem data
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
6 - Banho no rio Iguaçu, década de 1970. Coleção família Ferreira
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
7 - Membros da família Voss em pescaria no rio Iguaçu, sem data. Coleção família Voss.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
8 - Piquenique realizado pelos funcionários da Serraria do Voss às margens do Rio Iguaçu, década de 1920. Coleção família Voss
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
9 - Mapa com localização do Sanatório de Araucária, 1919
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
10 - Represa do Passaúna, em São Miguel, 2015
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
11 - Crianças na "cascatinha do Bini", década de 1970. Coleção família Nepomuceno
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
12 - "Cascatinha do Bini" atualmente, 2015, foto de Carlos Poly
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
13 - Rapazes na cachoeirinha onde atualmente é o Parque Cachoeira, década de 1970. Coleção família Fruet
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
14 - Cachoeirinha dentro do Parque Cachoeira, 2004
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
15 - Ribeirão São Patrício, 2016
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
16 - Elvira Joslim de França e outras pessoas passeando de barco no Tanque do Machado, em Guajuvira de Cima, 1911. Acervo família Trauczynski
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.)
Foto aérea com as duas pontes metálicas sobre o rio Iguaçu, 2004. Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres
Pescaria de barco no rio Iguaçu, década de 1950. Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Pescaria no rio Iguaçu, década de 1940
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Pescaria no rio Iguaçu, década de 1960
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Meninos brincando no rio Iguaçu com cachorro, sem data
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Banho no rio Iguaçu, década de 1970. Coleção família Ferreira
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Membros da família Voss em pescaria no rio Iguaçu, sem data. Coleção família Voss.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Piquenique realizado pelos funcionários da Serraria do Voss às margens do Rio Iguaçu, década de 1920. Coleção família Voss
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Mapa com localização do Sanatório de Araucária, 1919
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Represa do Passaúna, em São Miguel, 2015
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Crianças na "cascatinha do Bini", década de 1970. Coleção família Nepomuceno
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
"Cascatinha do Bini" atualmente, 2015, foto de Carlos Poly
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Cachoeirinha dentro do Parque Cachoeira, 2004
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
Elvira Joslim de França e outras pessoas passeando de barco no Tanque do Machado, em Guajuvira de Cima, 1911. Acervo família Trauczynski. Acervo do Arquivo Histórico Archelau de Almeida Torres.
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