quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Avanço das Águas: Mar pode ‘engolir’ territórios de 22 cidades de Santa Catarina em 30 anos

 O Avanço das Águas: Mar pode ‘engolir’ territórios de 22 cidades de Santa Catarina em 30 anos


O Avanço das Águas: Mar pode ‘engolir’ territórios de 22 cidades de Santa Catarina em 30 anos

Novo estudo sobre impactos das mudanças climáticas prevê inundações em cidades de todo o mundo, que podem afetar 300 milhões de pessoas até o final do século. Avanço do mar pode intensificar já em 2050, mesmo com o cumprimento do Acordo de Paris. Em Santa Catarina, rodovias, portos e bairros inteiros estão no curso das águas e autoridades projetam planos de contingência

REPORTAGEM: Caroline Borges
PESQUISA/TEXTO/EDIÇÃO: Beatriz Carrasco

Aos 82 anos, seu Valmor ainda guarda na memória aquela primavera de 1961. Viu as fortes chuvas alimentarem a força do rio Tijucas, que arrastou tudo pela frente em fúria incontida: casas, vilas, animais, pessoas. Quando a água chegou ao município que dá nome ao rio, “toda a cidade ficou no fundo, inundada. Foi uma coisa de louco”. Seis pessoas morreram.

A relação com as águas sempre fez parte da realidade em Santa Catarina. E em 2050 – 28 anos depois das lembranças de seu Valmor -, pelo menos 22 cidades do Estado podem ser afetadas pela elevação do mar. 
Regiões mais afetadas em SC segundo estudo – Foto: Climate Central/Reprodução/ND

O prognóstico faz parte de um estudo citado na Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas – a COP25 -, que ocorreu neste mês em Madri, na Espanha. O evento reuniu especialistas e representantes de quase 200 países para discutir os desafios sobre os impactos das mudanças climáticas no mundo.


O estudo da Ong Climate Central foi divulgado pela revista científica Nature Communications, no final de outubro. A projeção foi feita com o cruzamento de pesquisas sobre impactos das alterações no clima com um sistema de mapeamento de alta resolução, que integra dados de batimetria (medição da profundidade dos oceanos) e topografia (características presentes na superfície de um território).

Formada por cientistas e pesquisadores de vários países, a organização afirma que, até 2100, a maré irá subir entre 0.6 centímetros a 2.1 metros – ‘engolindo’ cidades costeiras. Países como China, Bangladesh, Índia, Vietnã, Indonésia e Tailândia serão os mais atingidos em território, ainda que o Acordo de Paris, de 2015, seja cumprido.

A projeção é de que 300 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser afetadas com os impactos das inundações. No Brasil, a população em risco soma 1 milhão de cidadãos. Estes números, no entanto, não levam em conta projetos de contingência das marés já em andamento – ou futuramente implementados -, que podem reduzir os estragos.
Municípios afetados em Santa Catarina

Na reportagem, o ND+ explorou o território catarinense em uma projeção do ano de 2050, sob o cenário de “poluição moderada”, que consiste em um aumento gradual da temperatura da Terra em até 2ºC, até o final do século. O índice é 0,5ºC acima do que foi estipulado durante o Acordo de Paris, quando 200 países se comprometeram em reduzir a emissão de gases do efeito estufa – substâncias como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4).

A pesquisa disponibiliza um mapa interativo, em que é possível navegar por todos os países do Globo. Com a ajuda de filtros, pode-se escolher o cenário desejado para a projeção, incluindo o ano futuro e o contexto de poluição que vive o Planeta. As áreas em vermelho sinalizam os locais inundados. Mais de 60 pesquisas foram usadas durante a formulação do estudo.

Neste contexto, daqui a 30 anos os municípios com mais riscos de serem atingidos em Santa Catarina são: Joinville e São Francisco do Sul (Norte), Itajaí, Navegantes e Balneário Camboriú (Vale), Tijucas (Grande Florianópolis), Tubarão e Jaguaruna (Sul).

Em Florianópolis, as localidades mais afetadas – porém em dimensão menor em comparação aos outros municípios do Estado – são Daniela, Ribeirão da Ilha, Ponta das Canas, Praia Brava, Jurerê Tradicional, Costeira do Pirajubaé, Tapera, Solidão e Naufragados.
Em Florianópolis, Norte da Ilha pode ser uma das áreas mais afetadas pela elevação do mar – Foto: Climate Central/Reprodução/ND

Trechos de importantes vias da Capital catarinense também aparecem no curso das águas: a Beira-Mar Norte (Avenida Jornalista Rubens de Arruda Ramos), a Via Expressa Sul (Rodovia Governador Aderbal Ramos da Silva), aterrada nos anos 1990 – ambas na região central -, e a Rodovia Baldicero Filomeno, no Sul da Ilha.

Grandes rodovias do Estado, como a BR-101 e a BR-280, têm diferentes pontos com risco de inundações em 2050, conforme a projeção. Portos catarinenses também podem ser afetados pelo avanço das águas. 

Novo estudo diminuiu margem de erro

A ferramenta, chamada CoastalDEM, utiliza redes neurais – um tipo de inteligência artificial – que atualizou e corrigiu dados de elevação do solo que, até agora, subestimavam as zonas costeiras sujeitas a inundações. Assim, o novo estudo triplicou as expectativas de aumento do nível do mar.

Até então, o antigo modelo se baseava na Missão Topográfica Radar Shuttle (SRTM, sigla em inglês), da Nasa. No entanto, a projeção fazia a medição sem distinguir diferentes níveis do solo – considerando árvores, imóveis e até topos de prédios como a própria superfície terrestre.

Como resultado, os estudos anteriores superestimaram as elevações costeiras em mais de dois metros em média, indicando falsa segurança contra inundações causadas pelo aumento do nível do mar. De acordo com o novo estudo, este erro médio foi reduzido para menos de dez centímetros. 

A ferramenta de rastreio de riscos costeiros leva em conta não só a meta estipulada no Acordo de Paris, mas também faz uma estimativa do futuro caso a poluição não seja freada. No cenário denominado como “poluição não controlada”, a temperatura aumentará entre 3ºC a 4ºC. Isso implicaria em 2.430 gigatoneladas de poluição de carbono até 2100, segundo o estudo.

Na tentativa de chamar a atenção para as consequências do aumento do nível do mar, a Climate Central criou vídeos de sobrevoo em cidades costeiras ao redor do mundo. As imagens para a produção das animações foram disponibilizadas pelo Google Earth e fazem a reprodução real das localidades em 3D. 

As projeções foram feitas a partir da previsão do aumento de temperatura da Terra de 4ºC ou 2ºC. Nos dois cenários, cidades podem ser afetadas, mas com impactos distintos. No Brasil, a instituição desenvolveu uma animação para o Rio de Janeiro.
Poluição, degelo e desastres naturais

O mapeamento feito por software de geoprocessamento indica que a “elevação do nível do mar é provocada pela quantidade de poluição causada pela humanidade e despejada na atmosfera, e a rapidez com que as camadas de gelo terrestres na Groenlândia, e especialmente na Antártica, se desestabilizam”. 

Conforme especialistas da Climate Central, no mundo inteiro os oceanos já elevaram cerca de 20 centímetros desde o fim do século 19, logo após o início da Revolução Industrial. 

Outro relatório que aponta as consequências da ação predatória do homem para o Planeta foi divulgado pela ONU em agosto. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), “as mudanças climáticas antropogênicas aumentaram a ocorrência de chuvas, ventos, e eventos extremos do nível do mar”.

Os pesquisadores afirmaram na ocasião que as “as comunidades costeiras estão expostas a vários riscos relacionados ao clima, incluindo ciclones tropicais, níveis extremos do mar e inundações, ondas de calor marinhas, perda de gelo do mar e degelo”.

Além dos impactos sociais, a diversidade marinha também pode ser afetada com o aquecimento da água, ficando cada vez mais ácida e alterando todo seu ecossistema.

Segundo a Sociedade Americana de Meteorologia (AMS, na sigla em inglês), a emissão de gases de efeito estufa atingiu recorde em 2018. A concentração anual média global de CO2 foi de 407,4 partes por milhão (ppm) – 2,4 ppm acima do valor registrado em 2017. 

O levantamento do órgão norte-americano afirma, ainda, que 2018 foi o quarto ano mais quente, atrás de 2015, 2016 e 2017. No ano que passou, a temperatura média global da superfície foi de 0,30ºC a 0,40ºC acima do registrado entre 1981 e 2010.
Pesquisadora da UFSC reforça estudo

Professora da UFSC (Universidade de Santa Catarina) e pesquisadora do tema, Regina Rodrigues é uma das cientistas brasileiras que participou do IPCC. 

A especialista concorda com o estudo da Climate Central e afirma que pesquisas recentes “não deixam dúvida” de que o aquecimento da Terra é provocado pela ação humana. “Há uma urgência para mudanças”, diz Regina, ao destacar que o futuro precisa ser repensado. 

Além dos problemas para o meio ambiente, a professora pontua que o aumento do nível do mar também causará impactos na economia. Isso porque as inundações podem afetar toda a infraestrutura das cidades. 



“A questão do aumento do nível do mar ser uma ação humana já é consenso. Todas as pesquisas afirmam que não é somente um movimento tipicamente natural, a emissão de CO2 é a principal culpada. Temos dados embasados e todos os anos aprimoramos essa perspectiva futura, que é muito ruim para o Planeta. Já superamos isso, agora precisamos agir, colocar em prática as mudanças”, disse. 

Na contramão da Academia está o meteorologista Luiz Carlos Molion, da Ufal (Universidade Federal de Alagoas). Ele afirma que não é possível afirmar que as temperaturas estão subindo por consequência da ação humana. 

“Houve um aquecimento global mais recente, entre 1977 até 2005, mas não foi produzido pelas atividades humanas, e sim por uma redução da cobertura de nuvem global. Na minha opinião, é muito difícil medir o nível do mar neste Planeta, pois existem vários aspectos geofísicos que impedem que seja determinado. O movimento das placas tectônicas, por exemplo, o ciclo lunar e outros aspectos também influenciam”, defende.
Como frear as mudanças climáticas?

Preocupado com o aumento das emissões de gases do efeito estufa, o Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações criou uma página no site do Governo Federal com perguntas frequentes sobre o assunto. 

No documento, o governo afirma que são consideradas vilãs das mudanças climáticas a queima de combustíveis fósseis por automóveis, indústrias e usinas termoelétricas.

A equipe técnica do Ministério afirma que “é muito importante encontrar caminhos para o desenvolvimento sustentável dos biomas brasileiros” e que, no Brasil, 58% das emissões de gases de efeito estufa são provenientes de queimadas e desmatamento.
Veja outras dicas disponibilizadas pelo órgão:
As áreas verdes são muito importantes para reduzir as temperaturas máximas. As árvores trazem sombra e frescor ao ambiente próximo a elas, sem gasto de energia (como ocorre com um ventilador ou ar condicionado). 
Uma cidade com muitas áreas verdes é menos quente! Pintar telhados com tinta refletiva também diminui a temperatura interna da construção. 
Uma cidade onde as casas têm mais jardins e quintais e menos áreas de asfalto e concreto também está mais protegida das inundações, que com as mudanças climáticas, tendem ser cada vez mais frequentes. 
O Brasil é o único país que fabrica automóveis flex, ou seja, que funcionam com álcool ou gasolina. O álcool é menos poluente do que a gasolina, dê preferência a esse combustível.

*Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reuniu cinco ações que você pode adotar para combater o aquecimento global. Entre elas:
Dieta mais sustentável e diversificada: Uma vez por semana, tente comer uma refeição 100% vegetariana (contendo leguminosas como as lentilhas, os feijões, as ervilhas e grão de bico).
Desperdício de comida: Por ano, um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado. Isso quer dizer também que são desperdiçados os recursos — como água, mão de obra, transportes — usados na produção. 
Use menos água: A água é o elemento fundamental da vida e, sem ela, não é possível produzir comida. Os agricultores precisam aprender a utilizar menos água para o crescimento das suas culturas. Mas você também pode proteger os recursos hídricos do planeta reduzindo o desperdício alimentar.
Conserve os solos e a água: Alguns resíduos domésticos são potencialmente perigosos e não devem nunca ser jogados fora numa lixeira comum. São itens como pilhas, tintas, celulares, remédios, produtos químicos, fertilizantes, cartuchos. Eles podem infiltrar o solo e acabar em reservas de água, contaminando recursos naturais que possibilitam a produção de comida
Apoie os produtores locais: Os agricultores são os mais duramente afetados pelas mudanças climáticas. Mais do que nunca, eles precisam de apoio. Comprando produtos locais, você ajuda os agricultores familiares e as pequenas empresas do lugar onde vive. Você também contribui para a luta contra a poluição, reduzindo as distâncias de frete percorridas por caminhões e outros veículos.

*Fonte: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

Turismo em recifes de corais, depredação é crime

 Turismo em recifes de corais, depredação é crime


Em Alagoas os recifes de corais são pisoteados e tornam-se estacionamento para bikes.
Mergulhar em corais: irresistível

Turismo em recifes de corais, depredação é crime

Uma rápida pesquisa nos sites de agências e não há quem resista às propagandas de turismo em recifes de corais. Afinal, é verão. Que combina com férias, sol e muitas atividades no mar. Alta temporada em que o litoral brasileiro ferve de turistas. Separamos partes de três textos de propagandas de destinos coralíneos badalados que atiçam a vontade de viajar para um deles:

Maragogi, mar cristalino, coqueiros e piscinas naturais rasinhas que são parte da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais.

Terceiro maior centro de biodiversidade marinha no Brasil, Recife de Fora tem grande variedade de peixes e 16 das 18 espécies de corais existentes.

O Parque Marinho Coroa Alta é formado por recifes, águas azuis, piscinas naturais e várias espécies de peixes e corais.

Irresistível, não é? Se mergulhar em recifes de corais é o seu destino neste verão, aproveite. Mas cuide deles também. Não seja mais um predador. Os seres humanos estão destruindo os recifes de corais o mais importante ecossistema marinho.

Recifes de corais giram trilhões de dólares

Mar Sem Fim não é contra o turismo em recifes de corais. Ele é fundamental para girar a economia. Segundo o Manual de Monitoramento Reef Check Brasil 2018, “estudos recentes estimam que os recifes de coral forneçam um valor global de US$ 7,2 trilhões por ano, incluindo pesca e turismo. Desses valores, estima-se que no Brasil sejam fornecidos US$ 1,9 trilhão por esses ambientes”.
Imagem, Doug Monteiro/ IRCOS/ UFPE.

O documento, disponível no site do Ministério do Meio Ambiente (MMA), diz também que “mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo dependem de recifes para seu sustento, segurança alimentar e proteção costeira”. Informa ainda que “uma em cada quatro espécies marinhas vive nos recifes, incluindo 65% dos peixes”.

Turismo sustentável nos recifes de corais

Essa importância para a vida marinha e humana mostra o quanto o turismo não pode ser desordenado. Tem que ser sustentável. Entretanto, “pelo andar da carruagem”, como diz o velho e bom ditado, daqui a pouco só restarão cemitérios de corais no mar.

Mas, se você decidiu visitar um recife de coral neste verão, a escolha é excepcional. É um espetáculo. Pode combinar o frescor de mergulhos no mar no verão escaldante com a contemplação de um ecossistema encantador. O colorido é psicodélico diante da rica biodiversidade marinha. Quem sabe conhecendo, você poderá ajudar a protegê-los. Eles precisam! Por falar neles, os corais são vegetais, minerais, ou animais?
Corais, espécie formada há 240 milhões de anos

Outra informação que você precisar ter, antes de embarcar nessa viagem: a idade dos corais existentes hoje em grande parte do mundo é estimada em 50 milhões de anos. Ou seja, levam muito tempo para se formar. Seus ancestrais começaram a ser formados há cerca de 240 milhões de anos. No Brasil, estimam os pesquisadores, a formação teve início 7 mil anos atrás.

O Brasil tem recifes de corais em cerca de 3.000 dos mais de 7.400 quilômetros de costa litorânea. A extensão considera, especialmente, as áreas em que são mais abundantes, entre o Maranhão e o sul da Bahia. Mas podem ser encontrados até no litoral paulista, onde já são mais escassos. Parece bastante, mas não é.

Corais no Brasil, 80% mortos

Estudos mostram que o Brasil perdeu cerca de 80% dos recifes de corais nos últimos 50 anos. A pesquisa foi realizada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pelo MMA. Intitulada “Monitoramento de recifes de corais no Brasil”, ela aponta a poluição e a extração ilegal de corais, entre as principais razões para o extermínio. Sobrepesca e pisoteamento (de turistas, pescadores e banhistas) também podem ser colocados na lista. Mundialmente, a perda de corais chega a 50%.
Jangada e corais em Maracajaú, Rio Grande do Norte.

Os recifes de corais são exuberantes, porém muito sensíveis. Corais são animais e, se você tira um pedacinho deles, o recife todo sofrerá. Imagine cada visitante levando um coral para casa… Isso sem contar que até a década de 1980 eles eram extraídos em larga escala para a produção de cal, produto utilizado em construções.

Lei de Crimes Ambientais

Os corais começaram a ser protegidos com a criação da Lei de Crimes Ambientais, de 1998. Ela penaliza com multa e prisão de até três anos quem degrada o habitat. E, sim, retirar um pedacinho de coral é crime. Também ficaram mais protegidos com a criação de unidades de conservação marinha.

Conheça, mais adiante, as principais áreas de recifes de corais protegidas no País. No total, são 21, mas algumas são reservas biológicas – não são abertas ao turismo. Listamos apenas as que podem ser visitadas.

Esgotos, fatais para os corais

Porém, a lei não os protege contra o precário sistema de saneamento básico no Brasil que agora teve aprovado o novo marco regulatório. Lançado bruto no mar na maior parte das cidades litorâneas, o esgoto doméstico e industrial atinge mortalmente o ecossistema.

Somam-se a isso os sedimentos, além dos fertilizantes e agrotóxicos das lavouras, levados pelos rios. Assim, completa-se o caldo fatal que tem dizimado os corais nas regiões mais próximas à costa brasileira.
2019, péssimo ano para os corais

Nos últimos anos, como em 2019, os recifes de corais também estão sofrendo com o aquecimento global, em decorrência dos gases de efeito estufa. Ele deixa as águas dos mares mais quentes. O que também é letal para os recifes, como Mar Sem Fim já mostrou.

Em 2019, em torno de 90% dos corais da espécie Millepora alcicornes, endêmica no Brasil, morreram por causa das temperaturas mais altas. Também conhecidos como coral-de-fogo, a alta mortandade foi registrada, principalmente, na região de Abrolhos e da Costa do Descobrimento, ambas na Bahia.
18 espécies de corais comuns no Brasil

Todas as cerca de 18 espécies de corais comuns no Brasil foram vítimas ainda do derramamento de óleo que atingiu o litoral brasileiro, em 2019. O ano de 2020 chegou e ainda não se sabe a fonte do derramamento. Tampouco o tamanho dos danos aos recifes.
Turistas mergulham em recifes de corais do Atol das Rocas.
2019, ano de descobertas de recifes

O ano de 2019, contudo, não foi apenas de notícias ruins para o ecossistema. Dois bancos de corais até então desconhecidos foram revelados por pesquisadores. Logo no começo do ano passado, cientistas do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) anunciaram a descoberta de um recife de coral de 75.000 metros quadrados no entorno da ilha da Queimada Grande, em Itanhaém, litoral sul paulista. O tamanho equivale a dez campos de futebol.

Corais em Fernando de Noronha

No final de 2019, foi a vez da UFPE anunciar a descoberta de um banco em Fernando de Noronha. Com 16 quilômetros quadrados, ele está localizado nos limites do Parque Nacional Marinho de Fernando Noronha. E é completamente saudável, disseram os pesquisadores a Mar Sem Fim. Uma condição bem diferente da Laje Dois Irmãos, um recife mais próximo da ilha. Nele, hoje restam apenas 20% dos corais vivos. Também foram descobertos recentemente, corais na foz do Amazonas.

Dicas para turismo em recifes de corais

Os novos bancos de corais estão saudáveis e preservados porque estão mais distantes da poluição e da ação humana da região mais próxima à costa litorânea. Mas lembre-se que os corais são fundamentais para proteger a região costeira das intempéries, que provocam erosão. Então, seja no litoral paulista ou nordestino, siga as dicas abaixo do MMA para turismo nos recifes de corais e aproveite bem as suas férias de verão.
Conheça as riquezas dos recifes de corais. Busque informações com condutores e outros profissionais da região.
Informe-se sobre os horários e ciclos de marés, para evitar situações imprevistas e perigosas.
Pedaços de conchas, corais, ouriços e estrelas do mar servem de abrigo e devem permanecer em seu ambiente natural. Não colete!
Não colete nada. Leve do ambiente recifal somente memórias e fotografias.
Lembre-se que o comércio de artesanato com corais sem autorização é crime ambiental.
Não toque nos corais, eles são animais muito frágeis e morrem facilmente. Além disso, você pode se machucar.
A pesca com explosivos e substâncias químicas é crime ambiental. Pesque legal, com licença e observando as restrições locais e apetrechos.
Nunca alimente os peixes, pois isso prejudica a saúde dos animais marinhos.
E mais…dicas para turismo em recifes de corais
Ao mergulhar em piscinas naturais, use apenas protetores solares à prova d´agua.
Em águas rasas, evite o uso de nadadeiras para não quebrar os corais. Movimente-se lentamente para não afugentar os animais.
Para evitar danos aos corais, mantenha sempre os equipamentos de mergulho perto do corpo.
Ao movimentar jangadas, evite o contato do remo com os recifes.
Próximo aos recifes de corais, mantenha a hélice em baixa rotação, garantindo assim a conservação dos corais e a boa visibilidade da água.
Fundeie o barco na areia. Assim você preserva os corais e evita um crime ambiental.
Reduza o uso de plástico no seu dia a dia. Lembre-se que plásticos descartados indevidamente vão parar no mar e podem causar a morte de animais marinhos.
Descarte o lixo em local apropriado e nunca o deixe na praia ou no mar, pois ele prejudica a fauna marinha.

Além destas dicas, não se esqueça de um fator preponderante: não use protetor solar ao mergulhar em recifes de corais especialmente.
Onde encontrar recifes de corais no Brasil

Além das agências de turismo, o site do Ministério do Meio Ambiente mantém uma área dedicada ao ecossistema, com uma lista das áreas de preservação de recifes de corais. Conheça:
A horda de turistas chega ao Parque Municipal do Recife de Fora

Unidades de Conservação que protegem ambientes recifais no Brasil

Parque Estadual Marinho do Parcel do Manuel Luís/MA – Criado em 1991, tem a finalidade de preservar a biodiversidade e o patrimônio genético dos recifes de coral e garantir os uso sustentável dos recifes. Em 1999, foi designado como Sítio Ramsar.

Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha/PE – Criado em 1988, tem como objetivo preservar o ecossistema marinho, a tartaruga Aruanã e os recifes de coral, além de garantir a reprodução do Golfinho-Rotador. É um Sítio do Patrimônio Mundial Natural da UNESCO.

Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha – Rocas – São Pedro e São Paulo – Criado em 1986, tem como objetivo proteger e conservar a qualidade ambiental e as condições de vida da fauna e da flora.

Área de Proteção Ambiental Estadual dos Recifes de Corais – Criada em 2011 pelo Governo do Rio Grande do Norte, corresponde a área marinha que abrange a faixa costeira dos municípios de Maxaranguape, Touros e Rio do Fogo.

Parque Estadual Marinho da Areia Vermelha – Criado em 2000 pelo Governo da Paraíba, tem como objetivo preservar os recursos naturais da área: a coroa, os recifes, a fauna e a flora.
Enquanto os turistas pisoteiam corais, a fiscalização assiste impassiva. É preciso mais informação.

De Pernambuco até Maceió

Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais/PE/AL – Criada em 1997 para proteger os recifes costeiros e ecossistemas associados, além de fauna ameaçada de extinção como o peixe-boi marinho. A área estende-se de Tamandaré em Pernambuco até Maceió, em Alagoas.
Bahia

Área de Proteção Ambiental do Litoral Norte/BA – Criada em 1992 e localizada no norte do Estado da Bahia, abrange uma área de 142.000 ha e tem como objetivo conservar remanescentes de Mata Atlântica, manguezais, áreas estuarinas, restingas, dunas, lagoas e recifes de coral.
Área de Proteção Ambiental da Plataforma Continental do Litoral Norte

Foi criada em 2003. Possui uma área estimada de 3.622,66 km², envolvendo as águas inseridas na poligonal partindo do Farol de Itapuã, em Salvador, seguindo em direção ao norte, até a divisa com Sergipe. Tem como objetivo proteger as águas salobras e salinas, disciplinar a utilização das águas e dos recursos, combater a pesca predatória pelo incentivo ao uso de técnicas adequadas à atividade pesqueira, proteger a biodiversidade marinha, promover o desenvolvimento de atividades econômicas compatível com o limite aceitável de câmbio de ecossistemas e buscar uma melhoria constante da qualidade de vida das comunidades que usufruem da área.

Área de Proteção Ambiental da Baía de Todos os Santos/BA – Criada em 1999, tem como objetivo assegurar a proteção das ilhas e ordenar as atividades socioeconômicas da região.

APA Recifes de Pinaúnas/BA – Criada em 1997, no município de Vera Cruz, tem como um dos objetivos proteger o ecossistema recifal.

APA Tinharé- Boipeba/BA – Criada em 1992, entre a Ponta do Curral e a costa do Dendê, no litoral sul da Bahia, tem como objetivo proteger manguezais, praias e recifes.

Área de Proteção Ambiental da Baía de Camamu/BA – Criada em 2002, abrange uma área de 118.000 ha, nos municípios de Camamu, Marau e Itacaré, com o objetivo de preservar os manguezais, as águas doces, salobras e salinas, disciplinar o uso e ocupação do solo, combater a pesca predatória e proteger os remanescentes de floresta.
Na Bahia turistas pisoteiam os corais do Parque Municipal do Recife de Fora com tênis alugados de companhias de turismo irresponsáveis.

Ainda na Bahia…os Parques Municipais Marinhos:

Da Coroa Alta/BA – Localizado no município de Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, o parque foi criado em 1998 e apresenta uma formação mista, com recifes e bancos de areia, desde a praia até o grande banco recifal ao largo do município.

Do Recife de Fora/BA – Localizado em Porto Seguro, foi criado em 1997 com o objetivo de proteger os recursos naturais e ser utilizado como área para recreação, educação e pesquisa.

Recife de Areia/BA – Criado pela prefeitura de Alcobaça, em 1999, tem como objetivo proteger as formações recifais, fauna e flora da região próxima aos recifes de Timbebas.
Parque Nacional Marinho

Abrolhos/BA – Foi o primeiro parque nacional marinho criado em 1983, com o objetivo de proteger os ecossistemas recifais, de ilhas e associados, que servem de abrigo e área de reprodução para tartaruga marinha, baleia jubarte e aves marinhas. E também a Área de Proteção Ambiental Ponta da Baleia/Abrolhos – Criada pelo Governo da Bahia em 1993, tem cerca de 35 mil ha, dos quais 90% são ecossistemas marinhos e inclui todos os recifes costeiros ao sul de Timbebas.

Área de Proteção Ambiental Santo Antônio/BA – Foi criada em 1994 pelo Governo da Bahia com o objetivo de conciliar as atividades socioeconômicas com o uso sustentável dos ecossistemas naturais, a exemplo do ecossistema litorâneo que se estende da foz do rio João de Tiba até a foz do rio Jequitinhonha, nos municípios de Santa Cruz de Cabrália e Belmonte, caracterizado pela presença de várzeas associadas à vegetação de restinga costeira e pela existência de remanescentes da Mata Atlântica, bem como de recifes de corais.

Reserva Extrativista Marinha de Corumbau/BA – Criada em 2000, na região de Prado e Porto Seguro, para garantir a exploração de forma sustentável e a conservação dos recursos naturais da área.

Fontes: http://www4.icmbio.gov.br/portal/images/stories/o-que-fazemos/Monitoramento_dos_Recifes_de_Coral_do_Brasil_Livro.pdf;http://g1.globo.com/natureza/noticia/2012/09/litoral-do-pais-perdeu-80-de-recifes-de-corais-em-50-anos-diz-estudo.html; https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2019/03/14/corais-de-5-mil-anos-sao-descobertos-em-sp-ao-lado-de-ilha-habitada-por-serpentes.ghtml; http://coralvivo.org.br/arquivos/documentos/Livro-Zilberberg-et-al-2016-Conhecendo-os-Recifes-Brasileiros-Rede-de-Pesquisas-Coral-Vivo.pdf; http://coralvivo.org.br/arquivos/documentos/Manual-Conduta-Consciente-em-Recifes.pdf; https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80089/Biodiversidade_Costeira_Marinha_Brasileira.pdf; https://www.mma.gov.br/images/imagens/biodiversidade/biodiversidade_aquatica/conduta_consciente_cartazA2_recifes1.pdf; https://www.mma.gov.br/images/imagens/biodiversidade/biodiversidade_aquatica/conduta_consciente_cartazA2_recifes2.pdf

Piratas que atormentaram o litoral do Brasil

 Piratas que atormentaram o litoral do Brasil 


O porto de Lisboa, gravura de Theodore de Bry. 1595.

Piratas que atormentaram o litoral do Brasil 

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O mundo de 1500 estava sedento por descobertas. Depois do torpor dos dez séculos da ‘era das Trevas‘, o povo queria novidades. Havia dois anos, 1498, que o caminho fora ‘aberto’; a Europa, finalmente conectada com o Oriente, marcou o início do que conhecemos como globalização. Lisboa passa a ser o centro do mundo civilizado. No mesmo período, as caravelas lusasarribaram em Porto Seguro. Não deu outra. A porção de terra que nos abriga virou coqueluche. Três anos depois, chegava o primeiro penetra na festa dos trópicos, o francês Binot Paulmier de Gonneville. O normando armara o navio, ‘l´Espoir de Honfleur (1503 – 1505)‘, para comerciar diretamente nas Índias. Neste período o Brasil atraía piratas aos magotes.

Mau tempo no Cabo da Boa Esperança

Gonneville enfrentou tanto mau tempo que não conseguiu atravessar o Cabo da Boa Esperança. Obrigado a dar meia volta, resolveu xeretar a costa recém “descoberta”. Em 5 de janeiro de 1504 veio dar na baía de Babitonga, onde hoje fica São Francisco do Sul, litoral norte de Santa Catarina. Ali, no bem bom, ao lado dos moradores nativos, os Carijós, os normandos sararam sua feridas. Ficaram amigos dos índios. Devem ter vivido uma bela farra. Na volta, quase um ano depois, Gonneville abarrotou o porão de seu navio de pau- brasil, aves e animais e, não satisfeito, levou também o pequeno Iça- Mirim, filho do cacique carijó, Arosca. Que cabeça tinha o garoto, não? De uma hora pra outra, sair do estado selvagem e partir para a França, é uma aventura ainda maior do que a de quem veio! O rapaz era ainda pequeno, foi acompanhado de um índio adulto, de nome Namoa.


Vinte Luas

O combinado entre Gonneville e Arosca era devolvê-lo em 20 luas. Mas a viagem de volta foi o cão. Alguns tripulantes morreram, entre eles Namoa. Iça- Mirim também adoeceu. Ficou num estado tão lastimável que Gonneville resolveu batizá-lo a bordo, para que não morresse pagão. Ele se esforçou o máximo que pode, mas não conseguiu pronunciar Iça- Mirim. Nosso herói se tornou uma corruptela: Essomeriq. Ao se aproximar da costa da França, o navio foi atacado por um corsário inglês que roubou tudo que os navegadores trouxeram de terra. Inclusive, e mais importante, o diário da expedição. Em sua chegada a Honfleur, DeGonneville imediatamente fez uma queixa diante do Tribunal do Almirantado da Normandia e escreveu um relatório de sua viagem. Vem deste texto as histórias que agora relembramos.
Essomeriq: da Babitonga para a corte


Conta a história que, não conseguindo trazê-lo de volta, Gonneville empresta seu nome à Essomeriq, mais tarde casou-o com a filha (outras fontes dizem sobrinha), Suzanne. Ao morrer, lega ao carijó parte de suas posses, desde que ele e seus descendentes usassem seu nome e suas armas. Conta a história que ‘Essomericq teve 14 filhos, ele viveu 95 anos no verde da Normandia’.


Descendente de Essomeriq no Brasil?


Essa história sempre me fascinou. Ficava imaginando a cabeça do indiozinho que topou subir naquela ‘nave’ parada em sua baía. E de lá navegar para a Normandia em 1505! Como terá sido o primeiro encontro na corte? O que terá passado na cabeça de nosso herói? E como terá sido sua vida, já que descendentes nos dizem que morreu aos 95 anos, com 14 filhos?

Miniuatura do l’espoir, Museu do Mar, São Francisco do Sul.

No início desta Primavera, a Folha de S. Paulo respondeu. O jornal publicou matéria contando da visita que nos fazia a francesa, Dorothée de Linares, 45, que se dizia descendente de Essomeriq. Dorothée veio conhecer a região, fascinada pela história que diz ouvir desde sempre, para transformá-la num livro infantil. Para tanto mantém um site que agora contatamos.
Thomas Cavendish, terceiro a dar a volta ao mundo


Gonneville não foi o único pirata protagonista do século 16. Dezenas de piratas vieram, entre eles outro notável, o navegador e pirata inglês, Sir Thomas Cavendish, terceiro a dar a volta ao mundo (1586). Numa segunda circunavegação, partiu de Plymouth em 26 de agosto de 1591 com cinco navios. A rota natural do Hemisfério Norte costeava o litoral do Brasil. Nessa viagem, Cavendish infernizou o País. Atacou diversas vezes. Incendiou construções de Ilha Grande, aprisionou navios, fundeou em Ilhabela, de onde ordenou a destruição de Santos e São Vicente. Azucrinou. Quem conta é o tripulante…

Mapa da época de Cavendish.


Antony Knivet, em ‘As Incríveis Aventuras E Estranhos Infortúnios de Antony Knivet’


Este livro trata das “memórias do aventureiro inglês que em 1591 saiu de seu país com o pirata Thomas Cavendish e foi abandonado no Brasil, entre índios canibais e colonos selvagens.” Knivet com a palavra: “De tarde, após incendiarmos mais um navio e queimarmos todas as casas (de Ilha Grande, RJ), partimos de lá. Como o vento era bom, mais ou menos às seis horas chegamos à ilha de São Sebastião (Ilhabela), a cinco léguas de Santos, onde ancoramos. Uma vez no porto todos os Capitães e pilotos embarcaram no navio de capitão- mor para saber como pretendia tomar a cidade de Santos.”

O ataque a Santos

“Todos decidiram que nosso barco longo e nossa chalupa com somente cem homens eram suficientes…Knivet: “O piloto português (que haviam capturado em Cabo Frio) contou- nos que aquele era o momento. Pelo tocar do sino estariam no meio da missa. Desembarcamos e marchamos até a igreja, onde tomamos todas as espadas sem resistência.” Havia cerca de 300 homens e mulheres na igreja (era comemorada a Missa do Galo), além de crianças.

Casa do Trem e ao fundo a antiga capela de Santa Catarina, ali reconstruída após o ataque de Cavendish. Aquarela de Benedito Calixto.

O saque a Santos e a destruição de São Vicente

“No dia seguinte o capitão-mor veio com todos os barcos para a barra e logo desembarcou 200 piratas aos quais ordenou que queimassem toda a parte de fora da vila. Então deu ordem para que ateassem fogo em todos os navios ancorados no porto. Permanecemos dois meses em Santos, carregamos nosso navio com açúcar e mercadorias dos navios portugueses que estavam no porto.” A crônica diz que prosseguindo na sua operação de pilhagem, o esquadrão pirata foi por terra até São Vicente, saqueando e queimando todos os engenhos que encontrava pela frente, pilhando e incendiando o vizinho povoado, deixando atrás de si um rastro de ódio e pavor.

Santos e São Vicente em 1615.

“O mar quebrava na popa de nosso navio…”

Depois do castigo imposto, Cavendish segue para para o Estreito de Magalhães. Knivet:“Partimos de Santos para os estreitos de Magalhães com vento favorável e durante 14 dias tivemos tempo bom. Passados dois dias de calmaria, os pilotos mediram suas posições e acharam que estávamos na altura do rio da Prata.” Mas não seria tão fácil assim. A ousadia, e o tempo perdido em Santos, iriam cobrar um preço. Cavendish chegou atrasado na boca do estreito, e pegou tempo desfavorável, “no mesmo dia em que pensamos ter visto terra, um sudoeste começou a soprar e o mar ficou muito escuro, inchado de ondas tão altas que não conseguíamos enxergar nenhum navio da nossa frota, embora estivéssemos próximos. O mar quebrava na popa de nosso navio e arrastava nossos homens assombrados de pavor para dentro dos botes.”
Dois meses de pauleira na região do estreito

Foram dois meses de pauleira brava nas cercanias do estreito de Magalhães. Ali, nas altas latitudes, é comum ventos de 60 a 80 nós (Entre 100 e 140 Km/h). Knivet, que um dia desembarcou para procurar comida, foi pego pelo vento gelado enquanto seu pé havia molhado. Sem roupas para trocar, o marujo conta que, “ao tirar minhas meias alguns dedos saíram junto, vi que meus pés estavam negros feito fuligem e não conseguia mais senti-los de todo. Não mais conseguia caminhar.” Knivet conta que a frota enfim conseguiu entrar: “penetramos ainda mais para os estreitos, apesar do vento contrario e do frio que matou por dia oito ou nove homens de nosso navio.” O mar dava-lhe o troco. “nesse lugar um ourives chamado Harris perdeu o nariz; quando tentou assoá-lo, ele acabou caindo de seus dedos no fogo.”


‘O capitão- mor rumou de volta ao Brasil’

A viagem continuou caótica. A frota se dispersou, um dos navios perdeu o mastro principal e também desapareceu. Sobrou o navio de nosso narrador. Knivet conta que Cavendish rumou para Santos, para tentar encontrar seus pares. Lá ficou por três dias até que parte da tripulação, que havia desembarcado, fora morta como retaliação. Então, decidem voltar para a ‘ilha de São Sebastião’ (ou Ilhabela). No caminho mudam de planos. O portuga preso em Cabo Frio entrega a fraca defesa da Capitania do Espírito Santo, e ‘garante que sem nenhum risco poderiam atacar vários engenhos de açúcar e conseguir boa provisão de gado’. Os piratas ingleses não pensam duas vezes: decidem atacar o Espírito Santo, para onde navegam.
Piratas atacam o Espírito Santo e voltam à São Sebastião

Oito dias depois fundeiam na baía. “O capitão, achando que o português nos desejava trair, sem nenhum julgamento mandou enforcá-lo, o que foi feito imediatamente. Em seguida, escolheu 120 homens, dos melhores que havia em ambos os navios para o desembarque.” Mas desta vez o ataque foi um fracasso. Knivet conta que perderam 80 homens na refrega. Depois da sova, decidem voltar a São Sebastião. Ao chegarem, a primeira providência do capitão foi se desfazer do peso morto: cerca de 20 homens feridos e famintos, inclusive o narrador, foram abandonados em Ilhabela. Durante oito dias Knivet sobreviveu comendo caranguejos. Dias depois, mais 40 homens foram largados em Ilhabela. Finalmente, nosso Indiana Jones do século 16 é feito prisioneiro pelos portugueses e levado para o Rio de Janeiro. A narrativa não para aí. Houve uma série de aventuras em Terra Brasilis, quase dez anos, fugas de canibais, ataques no Rio Grande do Norte, e outros, até que Knivet consegue voltar a Londres onde publica sua saga em 1625.Caiçaras de pele e olhos claros em Ilhabela

Fica o registro dos desembarques em Ilhabela, justificando caiçaras de pele clara e olhos azuis, não incomuns, naquela ilha. De onde teriam vindo? Agora você já sabe. Os ataques piratas continuaram a todo pano. O país que estava nascendo era a bola da vez. Chamou tanto a atenção que desde 1555 a França havia plantado uma filial de seu país em plena baía de Guanabara, a França Antártica. Voltaremos ao tema, e a mais piratas, em breve.


Fontes: Vinte Luas – Viagem de Paulmir de Gonneville ao Brasil, 1503 -1505, de Leila Perrone- Moisés, Cia. das Letras; https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/10/descendente-de-indio-alcado-a-nobreza-na-franca-refaz-passos-do-parente.shtml; Anthony Knivet, As Incríveis Aventuras E Estranhos Infortúnios De Anthony Knivet, organização de Sheila Moura Hue, ed. Zahar.


(Via https://marsemfim.com.br)