quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Avanço das Águas: Mar pode ‘engolir’ territórios de 22 cidades de Santa Catarina em 30 anos

 O Avanço das Águas: Mar pode ‘engolir’ territórios de 22 cidades de Santa Catarina em 30 anos


O Avanço das Águas: Mar pode ‘engolir’ territórios de 22 cidades de Santa Catarina em 30 anos

Novo estudo sobre impactos das mudanças climáticas prevê inundações em cidades de todo o mundo, que podem afetar 300 milhões de pessoas até o final do século. Avanço do mar pode intensificar já em 2050, mesmo com o cumprimento do Acordo de Paris. Em Santa Catarina, rodovias, portos e bairros inteiros estão no curso das águas e autoridades projetam planos de contingência

REPORTAGEM: Caroline Borges
PESQUISA/TEXTO/EDIÇÃO: Beatriz Carrasco

Aos 82 anos, seu Valmor ainda guarda na memória aquela primavera de 1961. Viu as fortes chuvas alimentarem a força do rio Tijucas, que arrastou tudo pela frente em fúria incontida: casas, vilas, animais, pessoas. Quando a água chegou ao município que dá nome ao rio, “toda a cidade ficou no fundo, inundada. Foi uma coisa de louco”. Seis pessoas morreram.

A relação com as águas sempre fez parte da realidade em Santa Catarina. E em 2050 – 28 anos depois das lembranças de seu Valmor -, pelo menos 22 cidades do Estado podem ser afetadas pela elevação do mar. 
Regiões mais afetadas em SC segundo estudo – Foto: Climate Central/Reprodução/ND

O prognóstico faz parte de um estudo citado na Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas – a COP25 -, que ocorreu neste mês em Madri, na Espanha. O evento reuniu especialistas e representantes de quase 200 países para discutir os desafios sobre os impactos das mudanças climáticas no mundo.


O estudo da Ong Climate Central foi divulgado pela revista científica Nature Communications, no final de outubro. A projeção foi feita com o cruzamento de pesquisas sobre impactos das alterações no clima com um sistema de mapeamento de alta resolução, que integra dados de batimetria (medição da profundidade dos oceanos) e topografia (características presentes na superfície de um território).

Formada por cientistas e pesquisadores de vários países, a organização afirma que, até 2100, a maré irá subir entre 0.6 centímetros a 2.1 metros – ‘engolindo’ cidades costeiras. Países como China, Bangladesh, Índia, Vietnã, Indonésia e Tailândia serão os mais atingidos em território, ainda que o Acordo de Paris, de 2015, seja cumprido.

A projeção é de que 300 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser afetadas com os impactos das inundações. No Brasil, a população em risco soma 1 milhão de cidadãos. Estes números, no entanto, não levam em conta projetos de contingência das marés já em andamento – ou futuramente implementados -, que podem reduzir os estragos.
Municípios afetados em Santa Catarina

Na reportagem, o ND+ explorou o território catarinense em uma projeção do ano de 2050, sob o cenário de “poluição moderada”, que consiste em um aumento gradual da temperatura da Terra em até 2ºC, até o final do século. O índice é 0,5ºC acima do que foi estipulado durante o Acordo de Paris, quando 200 países se comprometeram em reduzir a emissão de gases do efeito estufa – substâncias como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4).

A pesquisa disponibiliza um mapa interativo, em que é possível navegar por todos os países do Globo. Com a ajuda de filtros, pode-se escolher o cenário desejado para a projeção, incluindo o ano futuro e o contexto de poluição que vive o Planeta. As áreas em vermelho sinalizam os locais inundados. Mais de 60 pesquisas foram usadas durante a formulação do estudo.

Neste contexto, daqui a 30 anos os municípios com mais riscos de serem atingidos em Santa Catarina são: Joinville e São Francisco do Sul (Norte), Itajaí, Navegantes e Balneário Camboriú (Vale), Tijucas (Grande Florianópolis), Tubarão e Jaguaruna (Sul).

Em Florianópolis, as localidades mais afetadas – porém em dimensão menor em comparação aos outros municípios do Estado – são Daniela, Ribeirão da Ilha, Ponta das Canas, Praia Brava, Jurerê Tradicional, Costeira do Pirajubaé, Tapera, Solidão e Naufragados.
Em Florianópolis, Norte da Ilha pode ser uma das áreas mais afetadas pela elevação do mar – Foto: Climate Central/Reprodução/ND

Trechos de importantes vias da Capital catarinense também aparecem no curso das águas: a Beira-Mar Norte (Avenida Jornalista Rubens de Arruda Ramos), a Via Expressa Sul (Rodovia Governador Aderbal Ramos da Silva), aterrada nos anos 1990 – ambas na região central -, e a Rodovia Baldicero Filomeno, no Sul da Ilha.

Grandes rodovias do Estado, como a BR-101 e a BR-280, têm diferentes pontos com risco de inundações em 2050, conforme a projeção. Portos catarinenses também podem ser afetados pelo avanço das águas. 

Novo estudo diminuiu margem de erro

A ferramenta, chamada CoastalDEM, utiliza redes neurais – um tipo de inteligência artificial – que atualizou e corrigiu dados de elevação do solo que, até agora, subestimavam as zonas costeiras sujeitas a inundações. Assim, o novo estudo triplicou as expectativas de aumento do nível do mar.

Até então, o antigo modelo se baseava na Missão Topográfica Radar Shuttle (SRTM, sigla em inglês), da Nasa. No entanto, a projeção fazia a medição sem distinguir diferentes níveis do solo – considerando árvores, imóveis e até topos de prédios como a própria superfície terrestre.

Como resultado, os estudos anteriores superestimaram as elevações costeiras em mais de dois metros em média, indicando falsa segurança contra inundações causadas pelo aumento do nível do mar. De acordo com o novo estudo, este erro médio foi reduzido para menos de dez centímetros. 

A ferramenta de rastreio de riscos costeiros leva em conta não só a meta estipulada no Acordo de Paris, mas também faz uma estimativa do futuro caso a poluição não seja freada. No cenário denominado como “poluição não controlada”, a temperatura aumentará entre 3ºC a 4ºC. Isso implicaria em 2.430 gigatoneladas de poluição de carbono até 2100, segundo o estudo.

Na tentativa de chamar a atenção para as consequências do aumento do nível do mar, a Climate Central criou vídeos de sobrevoo em cidades costeiras ao redor do mundo. As imagens para a produção das animações foram disponibilizadas pelo Google Earth e fazem a reprodução real das localidades em 3D. 

As projeções foram feitas a partir da previsão do aumento de temperatura da Terra de 4ºC ou 2ºC. Nos dois cenários, cidades podem ser afetadas, mas com impactos distintos. No Brasil, a instituição desenvolveu uma animação para o Rio de Janeiro.
Poluição, degelo e desastres naturais

O mapeamento feito por software de geoprocessamento indica que a “elevação do nível do mar é provocada pela quantidade de poluição causada pela humanidade e despejada na atmosfera, e a rapidez com que as camadas de gelo terrestres na Groenlândia, e especialmente na Antártica, se desestabilizam”. 

Conforme especialistas da Climate Central, no mundo inteiro os oceanos já elevaram cerca de 20 centímetros desde o fim do século 19, logo após o início da Revolução Industrial. 

Outro relatório que aponta as consequências da ação predatória do homem para o Planeta foi divulgado pela ONU em agosto. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), “as mudanças climáticas antropogênicas aumentaram a ocorrência de chuvas, ventos, e eventos extremos do nível do mar”.

Os pesquisadores afirmaram na ocasião que as “as comunidades costeiras estão expostas a vários riscos relacionados ao clima, incluindo ciclones tropicais, níveis extremos do mar e inundações, ondas de calor marinhas, perda de gelo do mar e degelo”.

Além dos impactos sociais, a diversidade marinha também pode ser afetada com o aquecimento da água, ficando cada vez mais ácida e alterando todo seu ecossistema.

Segundo a Sociedade Americana de Meteorologia (AMS, na sigla em inglês), a emissão de gases de efeito estufa atingiu recorde em 2018. A concentração anual média global de CO2 foi de 407,4 partes por milhão (ppm) – 2,4 ppm acima do valor registrado em 2017. 

O levantamento do órgão norte-americano afirma, ainda, que 2018 foi o quarto ano mais quente, atrás de 2015, 2016 e 2017. No ano que passou, a temperatura média global da superfície foi de 0,30ºC a 0,40ºC acima do registrado entre 1981 e 2010.
Pesquisadora da UFSC reforça estudo

Professora da UFSC (Universidade de Santa Catarina) e pesquisadora do tema, Regina Rodrigues é uma das cientistas brasileiras que participou do IPCC. 

A especialista concorda com o estudo da Climate Central e afirma que pesquisas recentes “não deixam dúvida” de que o aquecimento da Terra é provocado pela ação humana. “Há uma urgência para mudanças”, diz Regina, ao destacar que o futuro precisa ser repensado. 

Além dos problemas para o meio ambiente, a professora pontua que o aumento do nível do mar também causará impactos na economia. Isso porque as inundações podem afetar toda a infraestrutura das cidades. 



“A questão do aumento do nível do mar ser uma ação humana já é consenso. Todas as pesquisas afirmam que não é somente um movimento tipicamente natural, a emissão de CO2 é a principal culpada. Temos dados embasados e todos os anos aprimoramos essa perspectiva futura, que é muito ruim para o Planeta. Já superamos isso, agora precisamos agir, colocar em prática as mudanças”, disse. 

Na contramão da Academia está o meteorologista Luiz Carlos Molion, da Ufal (Universidade Federal de Alagoas). Ele afirma que não é possível afirmar que as temperaturas estão subindo por consequência da ação humana. 

“Houve um aquecimento global mais recente, entre 1977 até 2005, mas não foi produzido pelas atividades humanas, e sim por uma redução da cobertura de nuvem global. Na minha opinião, é muito difícil medir o nível do mar neste Planeta, pois existem vários aspectos geofísicos que impedem que seja determinado. O movimento das placas tectônicas, por exemplo, o ciclo lunar e outros aspectos também influenciam”, defende.
Como frear as mudanças climáticas?

Preocupado com o aumento das emissões de gases do efeito estufa, o Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações criou uma página no site do Governo Federal com perguntas frequentes sobre o assunto. 

No documento, o governo afirma que são consideradas vilãs das mudanças climáticas a queima de combustíveis fósseis por automóveis, indústrias e usinas termoelétricas.

A equipe técnica do Ministério afirma que “é muito importante encontrar caminhos para o desenvolvimento sustentável dos biomas brasileiros” e que, no Brasil, 58% das emissões de gases de efeito estufa são provenientes de queimadas e desmatamento.
Veja outras dicas disponibilizadas pelo órgão:
As áreas verdes são muito importantes para reduzir as temperaturas máximas. As árvores trazem sombra e frescor ao ambiente próximo a elas, sem gasto de energia (como ocorre com um ventilador ou ar condicionado). 
Uma cidade com muitas áreas verdes é menos quente! Pintar telhados com tinta refletiva também diminui a temperatura interna da construção. 
Uma cidade onde as casas têm mais jardins e quintais e menos áreas de asfalto e concreto também está mais protegida das inundações, que com as mudanças climáticas, tendem ser cada vez mais frequentes. 
O Brasil é o único país que fabrica automóveis flex, ou seja, que funcionam com álcool ou gasolina. O álcool é menos poluente do que a gasolina, dê preferência a esse combustível.

*Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reuniu cinco ações que você pode adotar para combater o aquecimento global. Entre elas:
Dieta mais sustentável e diversificada: Uma vez por semana, tente comer uma refeição 100% vegetariana (contendo leguminosas como as lentilhas, os feijões, as ervilhas e grão de bico).
Desperdício de comida: Por ano, um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado. Isso quer dizer também que são desperdiçados os recursos — como água, mão de obra, transportes — usados na produção. 
Use menos água: A água é o elemento fundamental da vida e, sem ela, não é possível produzir comida. Os agricultores precisam aprender a utilizar menos água para o crescimento das suas culturas. Mas você também pode proteger os recursos hídricos do planeta reduzindo o desperdício alimentar.
Conserve os solos e a água: Alguns resíduos domésticos são potencialmente perigosos e não devem nunca ser jogados fora numa lixeira comum. São itens como pilhas, tintas, celulares, remédios, produtos químicos, fertilizantes, cartuchos. Eles podem infiltrar o solo e acabar em reservas de água, contaminando recursos naturais que possibilitam a produção de comida
Apoie os produtores locais: Os agricultores são os mais duramente afetados pelas mudanças climáticas. Mais do que nunca, eles precisam de apoio. Comprando produtos locais, você ajuda os agricultores familiares e as pequenas empresas do lugar onde vive. Você também contribui para a luta contra a poluição, reduzindo as distâncias de frete percorridas por caminhões e outros veículos.

*Fonte: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

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