Debaixo da Ponte Preta – Conto de Dalton Trevisan
Noite de vinte e três de junho, Ritinha da Luz, dezesseis anos, solteira, prenda doméstica, ao sair do emprego, dirigiu-se à casa de sua irmã Julieta, atrás da Ponte Preta. Na linha do trem foi atacada por quatro ou cinco indivíduos, aos quais se reuniram mais dois. Então violada por um de cada vez e abandonada entre as moitas.
Seu choro atraiu um guarda-civil, que a conduziu até a delegacia.
A menina nunca tinha visto os homens, não sabia a que atribuir o assalto. Nem qual foi o primeiro, agarrada e derrubada, a cabeça coberta. Arrastada pelo chão, fortes dores nos seios e nas partes. Que não gritasse por socorro, barbaramente espancada. Apresentou-se com saia de seda preta e blusa vermelha de malha, sujas de lama. No corpo, além de muitas feridas, folha seca, grama e barro. A hora lá pelas dez ou onze.
Miguel de Tal, quarenta anos, casado, foguista, largou o serviço às dez e meia. Ao cruzar a linha do trem, avistou três soldados e uma dona em atitude suspeita. Sentiu um tremendo desejo de praticar o ato. Aproximou-se do grupo e, auxiliado pelos soldados, agarrou a desconhecida, retirando- lhe a roupa e com ela mantendo relação, embora à força. Derrubou-a e, para abafar os gritos, tapou-lhe o rosto com o casaco de foguista. Saciado, ajudou os soldados que, cada um por sua vez, usaram a moça, observados a distância por alguns curiosos, até que dois deles também se serviram da negrinha.
Miguel, arrependido do mau gesto, se ofereceu para casar com a menina, só na delegacia soube chamar-se Ritinha, isto é, tão logo apronte os papéis do desquite, de momento é casado.
Nelsinho de Tal, menor, treze anos, estudante, na noite de vinte e três, conversando debaixo da Ponte Preta com seu primo Sílvio e dois rapazes, deparou três soldados e um paisano atacando uma negrinha, a qual foi atirada ao chão, em seguida, desfrutada pelo civil e, por causa dos gritos, tinha um casaco na cabeça. Ele chegou-se meio desconfiado. Depois do paisano, a vez dos três soldados e, afinal, a de Nelsinho, seguido de Antônio.
Acabada a brincadeira, voltavam satisfeitos para casa, foram presos e conduzidos à delegacia. Nelsinho se confessa contrariado, atribuindo sua atitude à pouca idade que tem, ações como a que praticou apenas servem para estragar o futuro de um jovem.
Alfredo de Tal, vinte anos, solteiro, soldado, achava-se à noite debaixo da Ponte Preta, na companhia dos colegas Pereira e Durval. Após algum tempo, Durval abordou uma menina, com quem se dirigiu ao mato próximo. Logo Alfredo e Pereira seguiram o companheiro e, um depois do outro, desfrutaram a rapariga. Prestes a partirem, um indivíduo se apresentou como guardião da estrada e, em troca do silêncio, exigiu que segurassem a moça. Então a arrastaram para lugar escondido, onde ninguém escutasse os gritos. Chegaram dois rapazes, um deles de treze anos e, ajudados por todos, se aproveitaram da negrinha. Como era tarde, Alfredo retirou-se com os colegas para o quartel. Só na manhã seguinte soube da confusão, em vista da ordem para comparecer à delegacia.
Durval de Tal, dezenove anos, solteiro, soldado, achava-se com dois amigos perto da Ponte Preta, onde esperava alguma mulher, para com ela passar a noite. Apareceu uma fulana, com quem foi para o mato, a menina gostou do seu cabelo loiro e olho azul. Aproximaram-se os colegas, um de cada vez abusou da pequena.
De repente surgiu um cidadão de maus bofes que, intitulando-se guardião da estrada de ferro, demonstrou grande interesse em participar da festinha, para desgosto da menina, que não se agradou do seu nariz chato, bigode ralo, dente estragado. Arrastaram a negrinha, onde os gritos não fossem ouvidos. Chegaram dois rapazes que, auxiliados por todos, serviram-se à vontade. Satisfeitos, retiraram-se Durval e os colegas para o quartel.
Pereira, dezoito anos, solteiro, soldado, encontrava-se às dez da noite na Ponte Preta, com seus colegas Alfredo e Durval, quando por ali passou a menina, tendo um deles exclamado: Que morena linda. A qual parou e perguntou o que havia dito. Começaram a conversar, Alfredo a convidou para dormirem juntos. Ela respondeu: Este loiro tem tempo. Não ia dormir com ninguém, mas podia acompanhá-la. Alfredo saiu com ela, seguidos a distância pelos outros. No muro da estrada de ferro, estacaram. Feita a combinação, entraram no mato. Ela quis dinheiro, não a puderam pagar, estavam de bolso vazio. Saíam do campinho, chegou o guarda da estrada: Já que foi com os praças, tem de ir comigo. A mocinha acudiu: Olha o azar e Sai, fedor.
O morenão enfarruscado insistiu em desfrutar a menina, sendo repelido. Foi derrubada na grama. O tipo afogou-lhe o pescoço, ela chorava e se descabelava de gritar.
Sílvio de Tal, menor, quinze anos, estava com o primo Nelsinho debaixo da Ponte Preta, viu quando a menina passou por ali. Os soldados disseram algumas gracinhas. Um deles a convidou para ir a um quarto, ela respondeu que no campinho era melhor. Foram todos para o campinho. Até que apareceu um paisano e insistiu em abusar da mocinha.
Ao longo da estrada de ferro, Miguel deu com três soldados e uma vagabunda, que com eles mantinha relação. Sentiu grande vontade de participar da brincadeira, propôs o negócio para a mulher. Esta ofendeu-lhe os brios de homem ao injuriá-lo de – Cafetão, cagüeta, corno manso. Indignado, decidiu provar que era homem. Segurou-a com o auxílio dos soldados, mas não praticou o ato, em vista do estado nervoso. Os soldados taparam a boca da menina a fim de abafar os gritos.
O primeiro a desfrutar a mocinha foi Durval, o segundo Alfredo, o terceiro Pereira, o menor Nelsinho foi o quarto e ele, Miguel, o quinto. Ritinha submeteu-se de livre e espontânea vontade ao desejo dos outros, quando chegou a sua vez quis se negar, agarrando-a para não ficar desmoralizado perante a família.
Ritinha estava chorando debaixo da Ponte Preta. Não sabia quem lhe havia feito mal, um dos soldados lhe enfiou a túnica na cabeça. Foram apontados pelo moleque José que de longe viu tudo. Quinze dias que o pai de Ritinha morreu de tumor na barriga. Deflorada havia um mês por um soldado loiro de nome Euzébio.
A casa é de madeira pintada de amarelo. A patroa uma senhora gorda, baixa, morena. Ritinha limpa a casa, lava a roupa, faz todo o serviço. O marido da patroa chama-se Artur. Ela cuida da filhinha do casal. Quando a criança chora, suspende-a de cabeça para baixo, a pestinha perde o fôlego, bem quieta. A patroa deu-lhe um sapato velho e vendeu-lhe dois vestidos, que descontou do ordenado.
Ela não pediu dinheiro aos três soldados, um deles muito simpático, cabelo loiro. Chegou o guardião e disse que pulasse o muro, na estrada de ferro era proibido passar. Ritinha saltou o muro e, atrás dela os quatro homens, logo seis ou sete.
A menina se pôs a chorar, o que atraiu o moleque José, espiando de longe.
O guarda mal-encarado bradou: Tem de conhecer homem senão te mato. Primeiro foi o Durval, depois o Alfredo, em seguida o Pereira, agora a minha vez, oba! Ritinha começou a gritar e quis correr, foi agarrada pela perna.
Os tais a derrubaram do outro lado do muro. Fizeram o que bem quiseram, largada bastante ferida no seio e nas partes, até que o guarda-civil a encontrou, queixosa de frio e dor.
O guarda-civil Leocádio, ao passar debaixo da Ponte Preta, viu uma negrinha chorando.
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