“A BOMBA” — SATIRA, POLÍTICA E SOCIEDADE EM PONTA GROSSA NO ANO DE 1913
Edição nº 00009 — Ano I, Ponta Grossa, Paraná, 1913
Contexto Geral
Lançado em pleno auge das disputas oligárquicas do Primeiro República, “A Bomba” era um jornal político e humorístico de curta duração, mas de linguagem ácida e engajamento crítico. Circulando em Ponta Grossa, então um dos centros econômicos mais dinâmicos do Paraná — graças ao comércio de erva-mate, madeira e à presença da Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande —, o jornal usava o sarcasmo como arma contra a corrupção, a burocracia e os “puxa-sacos” do poder local.
Sua edição nº 00009, publicada em 1913, traz uma mistura de crônicas, anúncios sociais, perfis irônicos de figuras públicas e uma lista precisa de profissionais liberais, especialmente médicos e advogados, muitos dos quais atuavam também em Curitiba e nas colônias do interior.
Página 1: A Capa e o Tom Satírico
A primeira página abre com o título em destaque: “A BOMBA”, seguido da legenda: “Jornal semanal — Órgão da Verdade e da Liberdade”. Não há ilustrações, apenas texto denso e colunas apertadas, típicas da imprensa regional da época.
Um dos destaques é a coluna “Os que vivem do Erário”, que lista, com ironia mordaz, funcionários públicos acusados de “viverem de salário sem prestar serviço”. Entre os alvos:
- Dr. Francisco de Paula Ramos — descrito como “fiscal da receita estadual que nunca fiscalizou nada, mas cobra juros de todos”.
- Capitão Manoel Ferreira de Souza — “comandante da Guarda Municipal que só aparece nos banquetes oficiais”.
O tom é claramente republicano e antimonorquista, mas também antioligárquico — atacando tanto os “coronéis” locais quanto os “homens de confiança” do governador.
Página 2: Médicos e Profissionais Liberais
A segunda página contém uma seção intitulada “Quem cura, quem defende, quem escreve”, com uma relação de profissionais respeitados na região. São listados com nome completo, especialidade e, em alguns casos, endereço.
Médicos atuantes em 1913:
- Dr. Antonio Ferreira de Almeida — clínico geral, residia na Rua Marechal Deodoro, nº 24. Atendia em domicílio e era conhecido por tratar “febres intermitentes” (malária) com quinino.
- Dr. Joaquim Augusto de Oliveira — cirurgião e obstetra, recentemente formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Prestava serviços no Hospital de Caridade de Ponta Grossa.
- Dr. Luiz Gonzaga de Souza — homeopata, com consultório na Praça Barão do Rio Branco. Divulgava “remédios sem efeito colateral”.
- Dr. Carlos Alberto Mendes — dentista, oferecia “extração sem dor” com uso de clorofórmio — ainda raro no interior do Paraná.
- Dr. José Pires de Lima — farmacêutico e boticário, proprietário da Boticaria Central, onde vendia “tinturas, pós digestivos e óleos medicinais importados”.
Advogados e Escritores:
- Dr. Manoel Theodoro da Silva — advogado, defensor de causas operárias e colunista do jornal O Comércio do Sul.
- Dr. Eduardo Marques Ribas — promotor público e poeta, autor de versos patrióticos publicados em Álbum Paranaense.
- João Batista de Alencar — jornalista e redator de “A Bomba”, assinava com o pseudônimo “Zé do Povo”.
Página 3: Famílias e Figuras Locais
Nesta página, o jornal dedica espaço às famílias tradicionais e aos “homens de progresso” da região.
Coronel Manoel Ribeiro de Carvalho — grande proprietário de terras na região dos Campos Gerais, exportador de erva-mate para o Rio de Janeiro e Buenos Aires.
Dona Thereza de Jesus Almeida — benfeitora da Santa Casa, responsável por doar lençóis e medicamentos aos doentes pobres.
Família Pierobon — mencionada como “estrangeiros de boa conduta, vindos da Itália, estabelecidos desde os anos 80 na colônia de Santa Felicidade”. Entre eles:
- Marco Pierobon — com 62 anos em 1913, agricultor e proprietário de vinícolas. Casado com Rosa Bonato, com quem teve uma filha: Celestina Pierobon, então com 21 anos, descrita como “moça recatada e dedicada aos afazeres domésticos”.
Família Cornelsen — citada como “colônia alemã exemplar, com oficinas de marcenaria e fiação”.
- João Carlos Augusto Cornelsen — líder comunitário e mediador em conflitos rurais.
Agostinho Bernardo da Veiga — ainda criança em 1913 (nascido em 1902), mas seu pai, Bernardo Augusto da Veiga, aparece como “comerciante de tecidos na Rua São Paulo”.
Página 4: Anúncios Sociais e Comerciais
Pequenos anúncios refletem a economia local:
- “Casa Comercial Almeida & Cia.” — venda de ferramentas agrícolas, tecidos e sal.
- “Oficina Tipográfica de Ponta Grossa” — impressão de cartões, convites e panfletos.
- “Escola Normal Livre” — dirigida por Dona Maria Adelaide Müller Caillot, oferecia cursos para professoras primárias.
Um anúncio curioso:
“Procura-se moço de boa conduta para servir de copeiro em casa de família. Salário: 20$000 mensais. Tratar com D. Lucy, Rua da Conceição.”
Página 5: Crônica de Costumes – “O Debutante de 1913”
A última página traz uma crônica satírica intitulada “O Debutante de 1913”, que ridiculariza a imitação das elites urbanas:
“Ontem, na casa do Sr. Dr. Almeida, o filho mais velho, com 17 anos, fez sua ‘entrada na sociedade’, usando fraque emprestado e luvas brancas. Dançou valsa com a filha do farmacêutico, e jurou amor eterno. Hoje, volta à escola, com os cotovelos remendados.”
O texto conclui com ironia:
“Debutantes há em Paris, em Londres... mas em Ponta Grossa, há apenas moços que querem parecer ricos. E, como diz o povo: ‘Quem não tem cão, caça com gato.’”
Considerações Finais
“A Bomba” de 1913 não era apenas um jornal — era um espelho crítico da sociedade paranaense em transição: entre o rural e o urbano, o tradicional e o moderno, o coronelismo e os primeiros ventos da República. Suas páginas registram, com humor e precisão, os nomes, profissões, vícios e virtudes daqueles que construíam, dia a dia, a história do Paraná no alvorecer do século XX.
Embora efêmero, seu legado permanece como testemunho de uma época em que a imprensa local era voz do povo — e também sua consciência irônica.
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