As Residências Geminadas da Rua Vicente Loyola: Um Fragmento da Curitiba Operária dos Anos 1910
Em 12 de setembro de 1914, em pleno auge da Primeira Guerra Mundial — embora o Brasil ainda estivesse à margem do conflito —, o projetista Eduardo Fernando Chaves registrava no Arquivo Municipal de Curitiba um desenho modesto, mas revelador: o projeto de três residências geminadas de madeira, destinadas à Rua Vicente Loyola, no então emergente tecido urbano da capital paranaense.
Com apenas 47 m² por unidade, distribuídos em dois pavimentos, essas casas representavam mais do que uma solução habitacional — eram um espelho da transformação social, econômica e urbana que Curitiba vivia no início do século XX. Projetadas como residências econômicas, destinadas provavelmente a operários, artesãos ou pequenos comerciantes, elas encarnavam o ideal de moradia digna, acessível e racional, em um momento em que a cidade começava a se expandir além do seu núcleo histórico.
Infelizmente, em 2012, essas construções não foram localizadas, sugerindo que tenham sido demolidas ao longo do século — vítimas do progresso, da especulação imobiliária ou da própria fragilidade do material que as constituía: a madeira. Contudo, seu projeto arquitetônico, preservado em microfilme no Arquivo Público Municipal de Curitiba, permanece como um testemunho raro e valioso da arquitetura popular do período.
O Projetista: Eduardo Fernando Chaves e a Arquitetura do Povo
Embora não haja registros extensos sobre sua formação — comum para a época, quando muitos “projetistas” eram autodidatas ou aprendizes de ofício —, Eduardo Fernando Chaves emerge como uma figura-chave na produção arquitetônica residencial de Curitiba nas primeiras décadas do século XX. Seu nome está associado tanto a moradias burguesas quanto a habitações econômicas, indicando uma versatilidade rara e um compromisso com as necessidades reais da população.
No caso das residências da Rua Vicente Loyola, Chaves demonstra um domínio técnico notável, especialmente considerando as limitações de espaço e orçamento. Em uma única prancha — que inclui plantas do térreo e do pavimento superior, corte longitudinal e fachadas frontal e lateral —, ele organiza três unidades geminadas, lado a lado, compartilhando paredes medianas para economizar material e maximizar o uso do terreno.
Essa solução, comum em cidades europeias e norte-americanas da época, era ainda relativamente nova em Curitiba, onde predominavam as casas isoladas de planta simples. A aposta nas residências geminadas verticais revela uma leitura aguda do crescimento urbano e da demanda por moradias compactas em áreas centrais ou de fácil acesso ao centro da cidade.
A Materialidade da Madeira: Fragilidade e Identidade
Construídas em madeira, as residências da Rua Vicente Loyola pertenciam a uma tradição construtiva que marcou profundamente o sul do Brasil, especialmente nas comunidades de imigrantes europeus — alemães, poloneses, italianos — que traziam consigo técnicas de carpintaria e construção em estrutura de madeira.
Embora duráveis em condições ideais, essas edificações eram vulneráveis a incêndios, cupins e intempéries. Muitas não resistiram ao tempo — e é provável que as casas de Chaves tenham seguido o mesmo destino. Sua ausência física em 2012 não diminui seu valor histórico; ao contrário, reforça a urgência de preservar os poucos exemplares remanescentes dessa arquitetura efêmera, mas profundamente identitária.
A escolha da madeira também reflete uma economia local: nos anos 1910, o Paraná ainda era um dos maiores produtores de madeira nobre do país, com vastas florestas de araucária, imbuia e canela. Utilizar esse recurso abundante era não apenas prático, mas também um ato de integração com o território.
O Programa Arquitetônico: 47 m² de Vida em Dois Andares
Com apenas 47 metros quadrados por unidade, distribuídos em dois pavimentos, o projeto exige uma eficiência espacial notável. É provável que o térreo abrigasse a sala, cozinha e talvez um pequeno quarto ou área de serviço, enquanto o pavimento superior concentrava os dormitórios, aproveitando a privacidade e a ventilação das alturas.
A verticalização — incomum nas casas populares da época em Curitiba — era uma resposta inteligente à escassez de terrenos urbanos e ao desejo de manter um quintal mínimo ou pátio lateral, essencial para a vida doméstica da época (lavar roupas, criar galinhas, cultivar hortaliças).
As fachadas, segundo o projeto, apresentavam simplicidade elegante: vãos regulares, beirais salientes (típicos da construção em madeira), e talvez detalhes em treliças ou lambrequins, influência direta da estética dos imigrantes centroeuropeus. A geminação das três unidades criava uma linha contínua de fachadas, conferindo unidade visual ao conjunto — uma pequena “fileira” de casas que dialogava com o espaço público da rua.
O Contexto Urbano: Curitiba em Transformação
Em 1914, Curitiba contava com cerca de 40 mil habitantes e vivia um momento de modernização acelerada: o bonde elétrico já circulava desde 1903, o Teatro Guaíra havia sido inaugurado, e o plano urbanístico de inspiração francesa começava a tomar forma. Ruas como a Vicente Loyola, embora secundárias, faziam parte desse tecido em expansão — frequentemente loteadas para abrigar a classe trabalhadora que sustentava o crescimento da cidade.
Nesse cenário, projetos como o de Chaves eram estratégicos: ofereciam moradia próxima ao centro, com acesso a serviços e transporte, a um custo compatível com os salários da época. Eram casas para famílias reais, com filhos, avós, sonhos e dificuldades — não para modelos idealizados.
Ausência Presente: O Que Ficou
Embora as três residências não tenham sido localizadas em 2012, seu projeto permanece — digitalizado, catalogado, acessível a pesquisadores e cidadãos no Arquivo Público Municipal de Curitiba. Esse documento é mais do que um desenho técnico; é um fragmento da memória coletiva, um retrato de como se vivia, se construía e se sonhava em Curitiba há mais de um século.
A ausência física dessas casas nos convida à reflexão: quantas outras histórias silenciosas foram apagadas pela marcha do “desenvolvimento”? Quantas vidas simples, dignas e cheias de afeto habitaram esses 47 m² antes que o tempo e o concreto as substituíssem?
Eduardo Fernando Chaves, com seu traço preciso, não apenas projetou paredes e telhados — projetou possibilidades de vida.
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Porque nem toda arquitetura precisa de mármore para ser digna — às vezes, basta um desenho honesto, um teto de madeira e o direito de existir.
Eduardo Fernando Chaves: Projetista
Denominação inicial:
Denominação atual:
Categoria (Uso): Residência Geminada
Subcategoria: Residência Econômica
Endereço: Rua Vicente Loyola
Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 47,00 m²
Área Total: 47,00 m²
Técnica/Material Construtivo: Madeira
Data do Projeto Arquitetônico: 12/09/1914
Alvará de Construção: Talão Nº 890; Nº 6524/1914
Descrição: Projeto Arquitetônico para a construção de três residências geminadas.
Situação em 2012: Não localizada
Imagens
1 - Projeto Arquitetônico.
Referências:
CHAVES, Eduardo Fernando. Projecto de casa à R. Vicente Loyola. Plantas dos pavimentos térreo e superior, corte e fachadas frontal e lateral, apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
1 - Projeto Arquitetônico.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba.

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