segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Eduardo Jarnick e a Arquitetura Cotidiana de Curitiba: A História de uma Residência Geminada que se Tornou Clínica Odontológica

 Eduardo Jarnick e a Arquitetura Cotidiana de Curitiba: A História de uma Residência Geminada que se Tornou Clínica Odontológica

Na trama urbana de Curitiba, entre ruas arborizadas e esquinas de memórias empoeiradas, ergue-se — discreta, mas significativa — uma edificação de dois pavimentos na esquina da Rua Dr. Keller com a Alameda Júlia da Costa. Hoje conhecida como Clínica Odontológica, essa construção carrega em sua alvenaria de tijolos, em seus vãos simétricos e em sua planta compacta, a história de uma época em que a cidade crescia com modéstia, mas com intencionalidade arquitetônica.

Projetada em 10 de fevereiro de 1938 pelo escritório Gastão Chaves & Cia., a obra foi originalmente concebida como residência geminada para o senhor Eduardo Jarnick, um nome que, embora não tenha ecoado nos grandes anais da história curitibana, representa a classe média urbana que impulsionou o desenvolvimento residencial da capital paranaense nas primeiras décadas do século XX.


O Projeto: Simplicidade, Funcionalidade e Elegância Moderada

Elaborado sob o número de Alvará de Construção nº 3079/1938, o projeto arquitetônico traduz os princípios da arquitetura residencial de pequeno porte da década de 1930 em Curitiba:

  • Área total de 112 m², distribuídos em dois pavimentos (embora a área total seja indicada como 112 m², o que sugere que o segundo pavimento pode ter sido uma sobreloja ou mezanino de menor projeção horizontal);
  • Alvenaria de tijolos aparentes ou rebocados, técnica dominante na época, que garantia durabilidade e isolamento térmico;
  • Implantação estratégica em esquina, aproveitando a dupla frente para Rua Dr. Keller e Alameda Júlia da Costa, ambas vias de bairros residenciais consolidados, como o Centro e a Água Verde.

A prancha original do projeto — preservada em microfilme digitalizado no acervo do Arquivo Público Municipal de Curitiba — inclui:

  • Planta do pavimento térreo e do porão (indicando uso residencial com áreas de serviço embutidas);
  • Cortes longitudinais e transversais, revelando proporções equilibradas entre pé-direito, aberturas e volumes;
  • Fachadas frontais duplas, desenhadas com atenção ao entorno urbano, com janelas alinhadas, soleiras marcadas e um tratamento decorativo mínimo, mas cuidadoso — típico da transição entre o ecletismo tardio e os primeiros ventos do modernismo funcional.

Não há ornamentos exuberantes, nem balaustradas rebuscadas. A beleza está na clareza da composição, na racionalidade do espaço e no respeito ao orçamento de uma família de classe média.


Eduardo Jarnick: Um Homem do Seu Tempo

Pouco se sabe sobre Eduardo Jarnick além de seu nome no título do projeto. Mas seu perfil pode ser inferido pelo contexto:

  • Provavelmente um profissional liberal, comerciante ou funcionário público;
  • Proprietário de um terreno em localização privilegiada, mas não luxuosa;
  • Alguém que investiu moderadamente, mas com dignidade, em sua moradia.

Seu nome completo — Eduardo Fernando Chaves Jarnick — indica possíveis ligações familiares com o próprio Gastão Chaves, arquiteto e empresário atuante em Curitiba entre as décadas de 1920 e 1950. Embora não haja provas documentais diretas, a coincidência de sobrenomes sugere que a encomenda pode ter sido feita por laços de parentesco ou amizade, prática comum na época.


Da Casa à Clínica: A Metamorfose de um Edifício

Enquanto muitas residências geminadas da mesma época foram demolidas, ampliadas ou descaracterizadas, este imóvel permaneceu essencialmente intacto até pelo menos 2012, quando foi fotografado por Elizabeth Amorim de Castro — imagem hoje preservada no acervo da Prefeitura Municipal de Curitiba.

Sua transformação em Clínica Odontológica representa um fenômeno comum nas áreas centrais de Curitiba:

  • A residência de pequeno porte dá lugar ao uso profissional;
  • A fachada é preservada, mantendo a identidade urbana do bairro;
  • O interior é adaptado para consultórios, recepções e salas de atendimento, sem romper com a estrutura original.

Essa adaptação é um testemunho da flexibilidade do projeto arquitetônico de Gastão Chaves & Cia. — concebido para viver além de sua função inicial.


Gastão Chaves & Cia.: Arquitetura para a Vida Cotidiana

Embora menos celebrado que colegas como Paulo Gouget ou Ruy Ohtake, Gastão Chaves foi um dos arquitetos mais atuantes no desenvolvimento residencial de Curitiba nas décadas de 1930 a 1950. Seu escritório assinou centenas de projetos de casas geminadas, prédios de apartamentos e edifícios comerciais, sempre com foco em:

  • Eficiência construtiva;
  • Custo acessível;
  • Harmonia com o entorno.

Seu legado não está em monumentos, mas em ruas inteiras — em fachadas que, vistas isoladamente, parecem comuns, mas que, em conjunto, formam o tecido urbano íntimo e humano de Curitiba.


Patrimônio Silencioso: A Importância do Ordinário

Hoje, este edifício não é tombado. Não é um marco turístico. Não aparece em guias de arquitetura.
Mas é exatamente por isso que ele importa.

Ele representa o patrimônio silencioso — aquele que não grita por atenção, mas que sustenta a memória coletiva da cidade. Cada tijolo, cada viga, cada janela conta a história de uma Curitiba que cresceu com modéstia, planejamento e respeito pelo cotidiano.

Preservar edifícios como este não é nostalgia. É reconhecer que a cidade é feita não apenas de ícones, mas de milhares de escolhas pequenas, feitas por pessoas comuns — como Eduardo Jarnick.


Conclusão: Uma Janela para o Passado, um Espelho para o Futuro

Passar diante dessa clínica na esquina da Dr. Keller com a Alameda Júlia da Costa é, para os olhos atentos, como folhear uma página de um álbum familiar da cidade.
Ali, em 1938, um homem chamado Eduardo sonhou com uma casa.
Hoje, ali, sorrisos são cuidados, bocas são curadas, vidas são acolhidas.

A arquitetura cumpriu seu papel mais nobre: servir à vida, em todas as suas fases.

E nessa continuidade, reside sua verdadeira grandeza.


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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto e Construtor

Denominação inicial: Projecto de residência para o Snr. Eduardo Jarnick

Denominação atual: Clínica Odontológica

Categoria (Uso): Residência Geminada
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte

Endereço: Rua Dr. Keller esquina com Alameda Júlia da Costa

Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 112,00 m²
Área Total: 112,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 10/02/1938

Alvará de Construção: Nº 3079/1938

Descrição: Projeto Arquitetônico para a construção de Residência Geminada e fotografia do imóvel.

Situação em 2012: Existente


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 – Alvará de Construção.
3 – Fotografia do imóvel em 2012.

Referências: 

1 e 2 - GASTÃO CHAVES & CIA. Projecto de residência para o Snr. Eduardo Jarnick. Planta do pavimento térreo e do porão, implantação, corte e fachadas frontais voltadas para as duas ruas, apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
2 - Alvará n.º 3079
3 – Fotografia de Elizabeth Amorim de Castro (2012).

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.

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