sábado, 8 de novembro de 2025

Polônia Kalinoski e a Casa de Madeira que Desapareceu: Um Fragmento Esquecido da Curitiba de 1936

 Polônia Kalinoski e a Casa de Madeira que Desapareceu: Um Fragmento Esquecido da Curitiba de 1936

Em meio aos projetos de alvenaria que dominavam os bairros centrais de Curitiba na década de 1930 — símbolos de estabilidade, status e permanência — surge, discreta e efêmera, uma construção diferente: a casa de madeira projetada por Eduardo Fernando Chaves para a senhora Polônia Kalinoski, em 12 de dezembro de 1936. Pequena, econômica, funcional, ela representava não o luxo, mas a dignidade do habitar simples — o sonho modesto de uma família comum num Brasil em transição social e urbana.

Embora seu endereço exato permaneça ausente nos registros disponíveis e sua existência física não tenha sido localizada em 2012, essa residência, de apenas 65 m² e um único pavimento, carrega em si uma história profundamente humana. É a história de quem chegou, quem construiu com o que tinha, e de quem, talvez, não deixou pedra sobre pedra — mas deixou uma marca nos arquivos, nas linhas de um projeto e no silêncio das ruas que já não a reconhecem.

Uma Arquitetura para o Cotidiano

Encomendada por Polônia Kalinoski — nome que evoca raízes eslavas, provavelmente de imigrantes poloneses, ucranianos ou lituanos, grupos numerosos no Paraná desde fins do século XIX —, a casa foi concebida como residência econômica, categoria que, na Curitiba da época, abrangia moradias voltadas às classes trabalhadoras ou à população de renda modesta.

Diferentemente dos projetos em alvenaria de tijolos que Eduardo Fernando Chaves desenvolvia para famílias como os Valente ou os Suplicy de Lacerda, esta obra adotava a madeira como técnica construtiva principal — material mais acessível, rápido de montar e amplamente utilizado em áreas periféricas ou em loteamentos emergentes. A escolha reflete não apenas restrições orçamentárias, mas também uma lógica prática: em tempos de expansão urbana acelerada, a madeira permitia erguer lares com rapidez e eficiência.

O projeto, preservado em microfilme digitalizado no Arquivo Público Municipal de Curitiba, reúne em uma única prancha:

  • Planta do pavimento térreo,
  • Implantação no lote,
  • Fachada frontal,
  • Corte construtivo.

Apesar da simplicidade programática — um único ambiente social combinado com cozinha, dois ou três quartos mínimos, e sanitário externo ou embutido —, o desenho revela atenção aos princípios básicos do conforto: orientação solar, ventilação cruzada, proporção dos vãos e relação com o terreno. Chaves, mesmo diante de limitações, não abdicou da dignidade do projeto. Para ele, arquitetura não era privilégio dos ricos, mas direito de habitar com decência.

O Alvará e o Reconhecimento Institucional

O Alvará de Construção nº 2349/1936, emitido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, atesta que mesmo residências econômicas passavam por um processo de regulamentação. Isso indica que a casa de Polônia Kalinoski não era uma construção informal ou clandestina, mas parte de um esforço institucional (ainda incipiente) de ordenar o crescimento da cidade, garantindo mínimos de salubridade e segurança.

A data — dezembro de 1936 — é também simbólica. O Brasil vivia sob o Estado Novo, com Getúlio Vargas no auge do poder. A imigração europeia, embora controlada, ainda alimentava os núcleos urbanos do sul. Curitiba, com cerca de 100 mil habitantes, expandia-se para além do Centro, e famílias como a de Polônia buscavam seu lugar ao sol — ou, mais precisamente, seu telhado sob o céu paranaense.

O Desaparecimento Silencioso

Em 2012, pesquisadores não conseguiram localizar a casa. É provável que tenha sido demolida décadas antes, vítima da lógica implacável da especulação imobiliária, do apodrecimento da madeira sem manutenção, ou da substituição por edificações de alvenaria “mais duráveis”. Talvez tenha sido engolida por um estacionamento, um comércio ou um prédio popular.

Sua ausência física, no entanto, não a apaga da história. Pelo contrário: sua documentação arquivística torna-se ainda mais preciosa. Enquanto as grandes mansões são celebradas, são justamente essas construções efêmeras — feitas de tábuas, pregos e esperança — que revelam como a maioria da população realmente vivia.

Polônia Kalinoski pode ter sido anônima para a história oficial, mas nos arquivos municipais, ela tem nome, data, projeto, alvará. Ela existiu. E sua casa, mesmo desaparecida, foi real.

Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto de Todos

Este projeto reforça um aspecto muitas vezes negligenciado da atuação de Eduardo Fernando Chaves: ele não foi apenas o arquiteto da elite, mas também um profissional comprometido com a diversidade social da cidade. Ao aceitar projetar uma casa de madeira de 65 m², ele demonstrou que a arquitetura, em sua essência, não distingue entre rico e pobre — apenas entre habitar bem e habitar mal.

Numa época em que o modernismo começava a florescer com promessas de “moradia para todos”, Chaves, de forma discreta e pragmática, já praticava essa ideia — não com discursos, mas com pranchetas, escalas e linhas cuidadosas.

Conclusão: Memória de Madeira no Tempo de Concreto

A casa de Polônia Kalinoski pode não mais existir em tijolo ou tabua, mas sobrevive como símbolo. Simboliza a luta silenciosa por um teto próprio. Simboliza a generosidade de um arquiteto que projetava com igual cuidado para quem tinha muito e para quem tinha pouco. E simboliza, sobretudo, a fragilidade da memória urbana — aquilo que não é monumento, mas é humano, corre o risco de desaparecer sem testemunhas.

Que este artigo seja, então, um ato de memória.
Que o nome Polônia Kalinoski não se perca.
E que Eduardo Fernando Chaves seja lembrado não só por suas casas de alvenaria, mas também por esta pequena casa de madeira — frágil, justa e profundamente necessária.


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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto e Construtor

Denominação inicial: Projéto de casa de madeira para a Snra. Polonia Kalinoski

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência Econômica

Endereço: 

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 65,00 m²
Área Total: 65,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Madeira

Data do Projeto Arquitetônico: 12/12/1936

Alvará de Construção: Nº 2349/1936

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de casa de madeira e Alvará de Construção.

Situação em 2012: Não localizada


Imagens

1- Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.

Referências: 

1 – CHAVES, Eduardo Fernando. Projéto de casa de madeira. Planta do pavimento térreo e de implantação; corte e fachada frontal apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
2 – Alvará n.º 2349

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.

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