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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Uma Casa que Já Não Existe, Mas que Ainda Fala: A Residência do Dr. João Alfredo Bley Zornig e o Legado de Eduardo Fernando Chaves

 

Uma Casa que Já Não Existe, Mas que Ainda Fala: A Residência do Dr. João Alfredo Bley Zornig e o Legado de Eduardo Fernando Chaves

Nem tudo o que é demolido desaparece.
Algumas construções deixam marcas tão profundas na memória da cidade que continuam vivas — nos arquivos, nos desenhos, nas histórias urbanas. É o caso da Residência para o Dr. João Alfredo Bley Zornig, um projeto arquitetônico assinado em 1936 pelo talentoso Eduardo Fernando Chaves, um dos nomes fundamentais da engenharia e arquitetura curitibana do século XX.

Embora a casa tenha sido demolida antes de 2012, sua existência documentada nos arquivos públicos de Curitiba permanece como testemunho de uma era de transição — entre o ecletismo e a modernidade, entre o tijolo e o concreto armado, entre o passado e o futuro da cidade.


Um Nome, Uma História: Dr. João Alfredo Bley Zornig

Pouco se sabe publicamente sobre a vida pessoal do Dr. João Alfredo Bley Zornig, mas seu título — “Doutor” — sugere um profissional de renome, talvez médico, advogado ou engenheiro, comum entre as elites intelectuais de Curitiba nas primeiras décadas do século XX.

Ele era, certamente, um homem de posses: capaz de encomendar uma residência de dois pavimentos, com 238 m² de área útil, localizada na Rua Conselheiro Laurindo — uma das artérias mais nobres do Centro de Curitiba, até hoje símbolo de prestígio urbano.

A escolha do endereço não era casual. A Rua Conselheiro Laurindo sempre abrigou casas de famílias tradicionais, escritórios de elite e instituições de peso. Ter uma residência ali era, mais do que um luxo, uma declaração de pertencimento à elite urbana da capital paranaense.


O Arquiteto por Trás dos Traços: Eduardo Fernando Chaves

Quem deu forma a esse sonho foi Eduardo Fernando Chavesarquiteto, engenheiro e construtor que deixou sua assinatura em dezenas de edificações em Curitiba entre as décadas de 1930 e 1950.

Chaves não era apenas um projetista. Ele dominava desde o traço estético até o cálculo estrutural. E isso é visível na documentação preservada:

  • Plantas dos pavimentos térreo e superior,
  • Fachadas principais e laterais,
  • Cortes detalhados (A-B e C-D),
  • Projeto da garagem,
  • E, crucialmente, o projeto das estruturas em concreto armado — uma técnica ainda em ascensão no Brasil da época.

O uso de concreto armado é um sinal claro de modernidade. Enquanto muitas residências ainda eram feitas em alvenaria tradicional, Chaves já projetava com olhar voltado para o futuro — mais leve, mais resistente, mais racional.

Seu trabalho era preciso, técnico e elegante, equilibrando funcionalidade e beleza. E, como mostram os desenhos, ele cuidava até dos muros de fechamento e da implantação no terreno — detalhes que revelam um profissional comprometido com a integração entre arquitetura e contexto urbano.


A Casa que Existiu: Entre Papel e Realidade

Em 26 de fevereiro de 1936, Eduardo Fernando Chaves registrava o projeto arquitetônico. Pouco depois, em 1936, a Prefeitura Municipal de Curitiba concedia o Alvará de Construção nº 1768, acompanhado de memória de cálculo — documento essencial para garantir a segurança estrutural da obra.

A residência era classificada como "de médio porte", mas seu programa interno era sofisticado para a época:

  • Dois pavimentos bem distribuídos,
  • Áreas sociais e íntimas claramente definidas,
  • Garagem própria (um luxo raro em 1936),
  • Fachadas com composição simétrica e elementos clássicos moderados — típicos da transição do ecletismo para a arquitetura moderna.

Os cortes técnicos revelam pé-direito generoso, janelas bem posicionadas para ventilação natural e uma preocupação com a qualidade de vida dos moradores — algo que, infelizmente, muitas construções atuais ainda negligenciam.


A Perda Silenciosa: Demolição e Memória

Apesar de sua relevância histórica e técnica, a residência foi demolida — provavelmente para dar lugar a um edifício comercial ou residencial de maior densidade, como tantas outras casas do Centro de Curitiba.

Não há registros públicos de protestos, campanhas de preservação ou debates sobre sua demolição. Ela desapareceu em silêncio.

Mas não foi esquecida.

Graças ao Arquivo Público Municipal de Curitiba, os desenhos originais foram microfilmados e digitalizados, preservando a memória do que um dia foi construído. Cada linha, cada cota, cada detalhe estrutural foi salvo — não apenas como documento técnico, mas como patrimônio cultural imaterial.


Por Que Lembrar de Uma Casa Que Já Não Existe?

Porque cidades não são feitas só de prédios — são feitas de histórias.
Cada residência demolida leva consigo fragmentos da vida de famílias, do saber-fazer de profissionais, do gosto estético de uma época.

A casa do Dr. Bley Zornig representa:
✅ A transição tecnológica na construção civil,
✅ A atuação de profissionais locais como Chaves,
✅ O perfil da elite curitibana do entre-guerras,
✅ E a fragilidade da memória urbana diante da pressão imobiliária.

Lembrar dela é também reivindicar um olhar mais cuidadoso sobre o que construímos — e o que destruímos.


Homenagem a Quem Projetou, Construiu e Viveu

Hoje, ao caminhar pela Rua Conselheiro Laurindo, talvez você pise sobre o terreno onde essa casa um dia existiu.
Não há placa. Não há memorial.
Mas, nos arquivos públicos, Eduardo Fernando Chaves ainda desenha.
E o Dr. João Alfredo Bley Zornig ainda mora ali — no papel, na memória, na história.

E isso, em tempos de apagamento acelerado, é uma forma de resistência.


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Este texto foi elaborado com base em documentação histórica oficial do Arquivo Público Municipal de Curitiba. As imagens referentes ao projeto (plantas, cortes, alvará e estruturas) encontram-se preservadas em microfilme digitalizado, acessíveis àqueles que buscam entender a evolução urbana de nossa capital.

Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto e Construtor

Denominação inicial: Residência para o Dr. João Alfredo Bley Zornig

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Médio Porte

Endereço: Rua Conselheiro Laurindo s/n

Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 238,00 m²
Área Total: 238,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Concreto Armado

Data do Projeto Arquitetônico: 26/02/1936

Alvará de Construção: N° 1768/1936

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de residência e Alvará de Construção com memória de Cálculo.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 – Projeto de garagem.
3 - Projeto das estruturas em concreto armado.
4 – Corte C-D da residência.
5 - Alvará de Construção com Memória de Cálculo.

Referências: 

1, 2, 3 e 4 - CHAVES, Eduardo Fernando. Residência para o Dr. Bley Zornig. Planta dos pisos térreo e superior, corte A-B, fachadas principal e lateral esquerda, implantação e muro; planta baixa da garagem, fachada e corte; planta das estruturas em concreto armado; corte C-D da residência, representados em quatro pranchas. Microfilme digitalizado.
2 - Alvará n.º 1768

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.