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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

ai de quem não se confessasse...

 

ai de quem não se confessasse...

por Fernanda Foggiato | Revisão: Vanusa Paiva

A Igreja Matriz (à esq., em foto de 1870 do acervo da Casa da Memória) deu lugar à Catedral de Curitiba (à dir. - Foto: Rodrigo Fonseca/CMC).

Você sabia que, para não ser excomungado, o morador da ainda vila de Curitiba, no século 18, já foi obrigado a se confessar pelo menos uma vez por ano, na época chamada de preceito anual? Ou então, para estar em dia com os compromissos religiosos, precisava recolher um tipo de imposto. Esse é mais um dos exemplos do “antigo normal” que a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) apresentou ao longo desta semana e que agora fecha a série de matérias históricas em comemoração aos 329 anos do Legislativo e da capital paranaense. 

Lá nos provimentos (regras) iniciais para a organização da vila, editados em 1721 pelo ouvidor-geral da capitania, Raphael Pires Pardinho, a religião era o centro da vida social e política.  A primeira correição determinava que os juízes e os oficiais da Câmara Municipal frequentassem o “culto divino”. Cabia a eles a cobrança de que os moradores da Matriz e da freguesia de São José também fossem à Igreja.

Sob a pena de multa, a população era obrigada a participar das procissões religiosas, como a de Corpus Christi e a da padroeira da vila, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Os primeiros curitibanos também poderiam ser penalizados por não carpirem os terrenos que estivessem no caminho das procissões.

O cancelamento da "desobriga anual"

Foi o segundo ouvidor-geral, Manoel dos Santos Lobato, quem proveu sobre o tributo chamado de “desobriga do preceito anual”, pelo qual eram cobrados 4 vinténs. Nas correições de 1745, ele baixou o valor do imposto, definido nas próprias correições como “violento e quase demoníaco”, para 3 vinténs.

As posturas do sucessor do ouvidor Pardinho também previam uma penalidade ao infrator – ou seja, a quem desse ao vigário mais que os 3 vinténs. A pessoa poderia ser condenada a dois meses atrás das grades e ao pagamento de uma multa, sendo que metade do valor pago seria concedido ao delator. 

Os provimentos dos anos seguintes mostram que o clima entre Lobato e o vigário-geral da vila continuaria estremecido. Em correição de 1739, o ouvidor-geral reclamou que ainda eram exigidos os 4 vinténs e suspendeu a cobrança do tributo dos moradores da vila de Curitiba. 

"Esmolas" para a Matriz

A partir das posturas de Lobato também se evidencia a má-conservação da Igreja Matriz. Finalizado em 1720, o templo foi feito de barro e de pedras, dando lugar à construção do século anterior uma capela de madeira. Como o prédio precisava de reparos emergenciais, pois estaria inclusive com buracos no telhado, o ouvidor chamou a Câmara a organizar as “esmolas” para as obras. 

Em 1739, já que o conserto do telhado e outras melhorias não haviam sido executados, Lobato ordenou a suspensão parcial das festividades religiosas, para que houvesse a economia de recursos. E o tema continuou a repercutir... Um século depois, já que as obras não avançaram e o prédio estava quase desmoronando, a Câmara transferiu as sessões da Igreja Matriz para a Igreja São Francisco de Paula – o edifício mais antigo da cidade ainda de pé.

A Matriz foi demolida, em 1875, para dar lugar à igreja com as características que conhecemos hoje. A Catedral Basílica Menor de Nossa Luz dos Pinhais, ou Catedral de Curitiba, na praça Tiradentes, foi inaugurada em 1893.

Especial 329 anos

Nossa Memória, projeto da Diretoria de Comunicação Social da CMC, resgata, ao longo da semana em que o Poder Legislativo e a cidade de Curitiba completam o 329º aniversário de fundação, alguns “causos” antigos. São histórias curiosas, que mostram um pouco do “antigo normal”, a partir das posturas determinadas pelos ouvidores-gerais e os vereadores.

O período da pesquisa começa em 1721, com os provimentos do primeiro ouvidor-geral da capitania, o português Raphael Pires Pardinho. A vinda dele à vila é considerada o quarto ato da fundação de Curitiba.

Além da busca em jornais antigos, o recorte passa pelas correições de outros ouvidores; segue pelas primeiras deliberações dos vereadores, ainda no século 18; e vai até 1831. Esse foi o ano em que o Conselho-Geral da Província de São Paulo aprovou a versão final daquele que pode ser considerado o primeiro Código de Posturas da cidade, deliberado pela Câmara Municipal dois anos antes.