ai de quem não se confessasse...
A Igreja Matriz (à esq., em foto de 1870 do acervo da Casa da Memória) deu lugar à Catedral de Curitiba (à dir. - Foto: Rodrigo Fonseca/CMC).
Você sabia que, para não ser excomungado, o morador da ainda vila de Curitiba, no século 18, já foi obrigado a se confessar pelo menos uma vez por ano, na época chamada de preceito anual? Ou então, para estar em dia com os compromissos religiosos, precisava recolher um tipo de imposto. Esse é mais um dos exemplos do “antigo normal” que a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) apresentou ao longo desta semana e que agora fecha a série de matérias históricas em comemoração aos 329 anos do Legislativo e da capital paranaense.
Lá nos provimentos (regras) iniciais para a organização da vila, editados em 1721 pelo ouvidor-geral da capitania, Raphael Pires Pardinho, a religião era o centro da vida social e política. A primeira correição determinava que os juízes e os oficiais da Câmara Municipal frequentassem o “culto divino”. Cabia a eles a cobrança de que os moradores da Matriz e da freguesia de São José também fossem à Igreja.
Sob a pena de multa, a população era obrigada a participar das procissões religiosas, como a de Corpus Christi e a da padroeira da vila, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Os primeiros curitibanos também poderiam ser penalizados por não carpirem os terrenos que estivessem no caminho das procissões.
O cancelamento da "desobriga anual"
Foi o segundo ouvidor-geral, Manoel dos Santos Lobato, quem proveu sobre o tributo chamado de “desobriga do preceito anual”, pelo qual eram cobrados 4 vinténs. Nas correições de 1745, ele baixou o valor do imposto, definido nas próprias correições como “violento e quase demoníaco”, para 3 vinténs.
As posturas do sucessor do ouvidor Pardinho também previam uma penalidade ao infrator – ou seja, a quem desse ao vigário mais que os 3 vinténs. A pessoa poderia ser condenada a dois meses atrás das grades e ao pagamento de uma multa, sendo que metade do valor pago seria concedido ao delator.
Os provimentos dos anos seguintes mostram que o clima entre Lobato e o vigário-geral da vila continuaria estremecido. Em correição de 1739, o ouvidor-geral reclamou que ainda eram exigidos os 4 vinténs e suspendeu a cobrança do tributo dos moradores da vila de Curitiba.
"Esmolas" para a Matriz
A partir das posturas de Lobato também se evidencia a má-conservação da Igreja Matriz. Finalizado em 1720, o templo foi feito de barro e de pedras, dando lugar à construção do século anterior uma capela de madeira. Como o prédio precisava de reparos emergenciais, pois estaria inclusive com buracos no telhado, o ouvidor chamou a Câmara a organizar as “esmolas” para as obras.
Em 1739, já que o conserto do telhado e outras melhorias não haviam sido executados, Lobato ordenou a suspensão parcial das festividades religiosas, para que houvesse a economia de recursos. E o tema continuou a repercutir... Um século depois, já que as obras não avançaram e o prédio estava quase desmoronando, a Câmara transferiu as sessões da Igreja Matriz para a Igreja São Francisco de Paula – o edifício mais antigo da cidade ainda de pé.
A Matriz foi demolida, em 1875, para dar lugar à igreja com as características que conhecemos hoje. A Catedral Basílica Menor de Nossa Luz dos Pinhais, ou Catedral de Curitiba, na praça Tiradentes, foi inaugurada em 1893.
Especial 329 anos
O Nossa Memória, projeto da Diretoria de Comunicação Social da CMC, resgata, ao longo da semana em que o Poder Legislativo e a cidade de Curitiba completam o 329º aniversário de fundação, alguns “causos” antigos. São histórias curiosas, que mostram um pouco do “antigo normal”, a partir das posturas determinadas pelos ouvidores-gerais e os vereadores.
O período da pesquisa começa em 1721, com os provimentos do primeiro ouvidor-geral da capitania, o português Raphael Pires Pardinho. A vinda dele à vila é considerada o quarto ato da fundação de Curitiba.
Além da busca em jornais antigos, o recorte passa pelas correições de outros ouvidores; segue pelas primeiras deliberações dos vereadores, ainda no século 18; e vai até 1831. Esse foi o ano em que o Conselho-Geral da Província de São Paulo aprovou a versão final daquele que pode ser considerado o primeiro Código de Posturas da cidade, deliberado pela Câmara Municipal dois anos antes.