terça-feira, 14 de outubro de 2025

Entre Tinta, Madeira e Crinas ao Vento: O Brasil que Trabalhava com as Mãos e Sonhava com os Olhos

 Entre Tinta, Madeira e Crinas ao Vento: O Brasil que Trabalhava com as Mãos e Sonhava com os Olhos



Entre Tinta, Madeira e Crinas ao Vento: O Brasil que Trabalhava com as Mãos e Sonhava com os Olhos

Nas páginas amareladas de um impresso de 1972, Curitiba não aparece como metrópole planejada ou capital ecológica — mas como um organismo vivo, pulsante, feito de serrarias, haras, oficinas, móveis de linhas retas e telefones de quatro dígitos. Cada anúncio, cada retrato, cada linha de texto é um testemunho silencioso de uma era em que o progresso se media em postes de concreto erguidos, em madeira serrada ao amanhecer, em cavalos registrados com orgulho genealógico — e em gente que assinava seu nome com letra firme, porque sabia que deixaria marca.


Primeira imagem: Haras Rio Verde — Onde Cada Cavalo Tinha Nome, História e Linhagem

A página se abre com elegância rústica: no topo, em letras serifadas e bem espaçadas, “HARAS RIO VERDE”, seguido do nome do proprietário, WILLIAM MUSSI. Não há exageros gráficos — apenas a solenidade de quem sabe que seu ofício é arte. À esquerda, uma fotografia em preto e branco, granulada pelo tempo, mostra MIL JOY, descrito como “pastor chefe”. O cavalo está de perfil, crina ao vento, olhar alerta, corpo musculoso — não um animal de fazenda, mas um símbolo de nobreza equina.

Logo abaixo, os dados do haras: localizado no município de Campo Largo — PR, com acesso pela Rodovia do Café, Km 16, e escritório comercial na Rua 13 de Novembro, 270 — 8º andar, Conjuntos 903/04, em Curitiba. O telefone 8-3297 — curto, direto, típico da época — era a ligação entre o campo e a cidade.

O coração da página são os garanhões listados com precisão quase científica: MILORD (alazão, por Fair Trader e Conde), COMPUTADOR, CODIGO, OTAWA. Cada nome carrega cruzamentos internacionais, linhagens europeias e norte-americanas, como se o Paraná fosse um elo entre continentes.

E mais emocionante ainda: a relação dos potros nascidos em 1972LEVANTINO, JARALEA, BAHIRENA, TACSA, JOSIE, MELROSE, NINNY, MARCILIANA, HELLENE — com sexo, cor, data de nascimento e peso. São vidas registradas com cuidado, como se cada uma fosse uma promessa para o futuro das corridas, da criação, da tradição.

Ao final, uma saudação ao Jockey Club do Paraná, em seu 1º centenário, assinada por William Mussi: um gesto de pertencimento, de respeito à história que ele mesmo ajudava a escrever.


Segunda imagem: Compensados Mapin S/A — A Indústria que Falava Inglês, mas Tinha Raízes no Café

Aqui, o tom é industrial, global, mas profundamente paranaense. O anúncio da Compensados Mapin S/A ocupa o centro com autoridade. A empresa se apresenta como “indústria manufatureira de compensados e laminados de madeira”, com mercados em Brasil, Inglaterra, Holanda, Irlanda, Escócia, Estados Unidos, Canadá e Argélia — um alcance impressionante para uma fábrica curitibana nos anos 70.

A matriz está na Rua Capitão Souza Franco, 1211, com telefone 24-5411 e caixa postal 942. Mas o mais revelador é a rede de operações: fábricas em Campo Comprido e Passo do Jacu, serrarias em Guarapuava, Pato Branco, Mandaguaçu, e até uma unidade em Várzea Grande (MT). A empresa não apenas vendia — ela conectava regiões, movia madeira do interior para o porto, do sul para o mundo.

O anúncio inclui até um depósito em São Paulo, na Rua Assunção, 200, com dois telefones — prova de que a logística já era um pilar do sucesso. Tudo isso, impresso em papel comum, sem cores, sem efeitos — apenas a força dos fatos.


Terceira imagem: “Volta ao Mundo” — Quando o Sofá Era uma Declaração de Estilo

Nesta página, o tom muda para o doméstico, o elegante, o cotidiano elevado à arte. O anúncio da Volta ao Mundo Ltda. começa com uma frase que soa quase como um manifesto:

“Você sabe. A primeira impressão é a que fica. Sua casa, seus móveis, a roupa que você veste mostram que maneira de ser.”

É um convite à identidade. Não se compra um sofá — adquire-se personalidade. A marca lança sua “nova linha ‘73 Categoria Exportação”, com “exclusividades em suas criações” e “revestidos com material nobre”.

Ao lado, uma ilustração detalhada em traço fino mostra um conjunto completo de sala: sofá de três lugares com encosto reto, poltronas idênticas, mesa de centro baixa, aparador alongado, luminária de pé com abajur cônico. Tudo em estilo modernista brasileiro — funcional, limpo, sem excessos.

No rodapé, o logotipo simples: “volta ao mundo ltda – móveis”, com um pequeno globo estilizado. E ao redor, dezenas de miniaturas de outros produtos — camas, armários, mesas de jantar — todos seguindo a mesma linguagem visual. Era a democratização do bom gosto, feita em Curitiba, para o Brasil.


Quarta imagem: Haras Santarém — Nobreza Equina com Endereço em Campo Comprido

Mais uma vez, o mundo dos cavalos surge com dignidade. O Haras Santarém, de propriedade do Dr. Sylvio Bertoli, anuncia seus garanhões de elite com a precisão de um catálogo de museu.

A ilustração central é minimalista: apenas o contorno de um cavalo de perfil, sem fundo, sem distrações — o foco está na linhagem. E que linhagem!

  • SANT ROI (Inglaterra, castanho, por Agressor e Person Rose) — arrendado em exclusividade pela Associação Brasileira dos Criadores de Cavalo;
  • FAS (São Paulo, alazão, por Albergo e Zaja);
  • VIVAT REX (Inglaterra, castanho, por Vimy e King’s Wel);
  • TWINSY (EUA, castanho, por Double Jay e Our Fleet) — “do proprietário”.

Os telefones são três: 23-5807 (haras), 23-8000 (residência), 22-1311 e 24-1311 (escritório). Um homem que dividia sua vida entre campo, casa e cidade — e mantinha cada esfera conectada.

O texto final é um orgulho silencioso: “Todas as 3 primeiras gerações do Haras produziram bons ganhadores”, citando SIFERO, LABETH, SIMPOLO (semi-clássico) e SUPERNO (clássico). Não é vaidade — é legado.


Quinta imagem: Serrarias, Joalheiros e o Congresso que Uniu o Setor Florestal

A última página é um mosaico do Brasil produtivo. No topo, o 2º Congresso Florestal Brasileiro – Setor Madeireiro, um evento que reuniu indústria, governo e trabalhadores em torno de um bem comum: a floresta.

A Serraria São Pasqual Ltda. agradece aos participantes com um anúncio discreto, mas firme: “Madeiras serradas beneficiadas – Pasta Mecânica”, com escritório na Rua Pedro Grosso, 1377 (Capão Raso), telefone 22-8636, caixa postal 9094. Assinado por Osmar Breddan – Sócio-Gerente — um nome, uma responsabilidade.

Ao lado, a Indústrias Reunidas Igação S/A lista suas operações como um mapa de conquistas: serrarias em Palmas, Olinda, Vila Nova de Palhoça (SC), além de exportação via Foz do Iguaçu. Era assim que o Paraná se projetava — não com discursos, mas com madeira embarcada.

E no canto inferior direito, um toque de ternura: a M. Rosenmann Joalheiros convida:

“Dê um presente de amor neste Natal. Pequeno em tamanho, grande em valor. ‘Que dure mais que a vida!’”

Em meio a serras e cavalos, alguém ainda acreditava no diamante, no gesto romântico, na eternidade.


Essas cinco páginas não são relíquias do passado. São espelhos. Mostram uma Curitiba onde o trabalho era honroso, o nome era assinado com orgulho, e o futuro era construído com as mãos — mas sonhado com os olhos.
Hoje, em meio a telas e algoritmos, talvez seja hora de lembrar: nada substitui a textura do papel, a voz do telefone de disco, e o olhar de um cavalo que carregava o nome de uma família.


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