quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Leandro Dacheux de Nascimento Júnior e o Bungalow da Rua João Manoel: Um Refúgio Urbano na Curitiba de 1936

Leandro Dacheux de Nascimento Júnior e o Bungalow da Rua João Manoel: Um Refúgio Urbano na Curitiba de 1936

Na Curitiba dos anos 1930 — uma cidade em plena afirmação moderna, onde tradição e inovação caminhavam lado a lado —, um homem de nome distinto e origem provavelmente ligada às elites locais ou imigrantes decidia dar forma concreta ao seu sonho de lar. Em 17 de julho de 1936, Leandro Dacheux de Nascimento Júnior encomendou ao arquiteto Eduardo Fernando Chaves o projeto de um bungalow com garagem em um canto privilegiado do tecido urbano: a esquina das ruas João Manoel e Ignácio Lustosa, no coração da capital paranaense.

Esse projeto, apesar de modesto em escala, revela-se hoje como um testemunho eloquente de uma Curitiba que valorizava o bem viver, a elegância funcional e a integração entre vida privada e espaço urbano. Mais do que uma simples residência, era um manifesto arquitetônico de classe média ascendente, projetado com cuidado, construído com solidez e, infelizmente, destinado à efemeridade.

O Arquiteto: Eduardo Fernando Chaves e a Linguagem do Bem Viver

Eduardo Fernando Chaves, já conhecido por seus projetos sensíveis e adaptados à realidade socioeconômica de seus clientes — como os já documentados para Hercília Machado Lima e André Rubineky — demonstra, neste novo trabalho, um refinamento ainda maior na articulação entre estética e funcionalidade.

O projeto para Leandro Dacheux, apresentado em três pranchas detalhadas (hoje preservadas em microfilme digitalizado no Arquivo Público Municipal de Curitiba), inclui:

  • Planta do pavimento térreo
  • Implantação no terreno esquinado
  • Fachadas frontal (Rua João Manoel) e lateral (Rua Ignácio Lustosa)
  • Cortes A-B e C-D da residência
  • Detalhamento do muro de fechamento
  • Corte específico da garagem, um elemento raro e significativo para a época

A escolha por alvenaria de tijolos, material mais durável e prestigiado que a madeira, indica que Leandro Dacheux buscava não apenas um abrigo, mas uma construção para durar gerações. Com 126,00 m² distribuídos em um único pavimento, o bungalow equilibrava intimidade e representação: quartos privativos, sala de estar generosa, cozinha planejada, área de serviço e, com destaque incomum para a época, uma garagem própria — sinal inequívoco de que o automóvel já fazia parte do cotidiano das famílias mais abastadas.

A posição esquinada do terreno foi habilmente aproveitada por Chaves. A fachada voltada para a Rua Ignácio Lustosa (hoje uma das artérias mais movimentadas do centro de Curitiba) foi desenhada com atenção à composição simétrica, aberturas proporcionais e detalhes que sugerem influências do estilo colonial californiano ou do ecletismo tardio, com telhado inclinado, beirais salientes e possivelmente revestimento em argamassa lisa ou texturizada — traços comuns nas residências de classe média alta do período.

O Proprietário: Leandro Dacheux de Nascimento Júnior — Entre Tradição e Modernidade

O nome Leandro Dacheux de Nascimento Júnior carrega em si marcas de uma genealogia cuidadosamente preservada. O sobrenome Dacheux sugere origem francesa ou franco-suíça — não incomum em Curitiba, onde imigrantes europeus deixaram forte influência cultural, especialmente na arquitetura, na educação e no comércio. O uso do “Júnior” indica que ele era filho de um Leandro Dacheux de Nascimento, provavelmente um homem de posição social consolidada, talvez comerciante, industrial ou profissional liberal.

Sua decisão de encomendar um projeto arquitetônico assinado, com garagem e em localização estratégica, revela um homem moderno, conectado às novas tecnologias (como o automóvel) e preocupado com status simbólico, mas sem cair no luxo excessivo. O bungalow, por definição, era uma forma de habitação que combinava conforto, simplicidade e distinção — perfeita para quem não precisava ostentar, mas desejava ser reconhecido.

O Alvará de Construção nº 2073/1936, emitido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, confirma que a obra foi legalizada e, muito provavelmente, executada conforme o projeto. Durante décadas, aquela esquina abrigou uma família, suas rotinas, seus sonhos — e talvez até o som de um carro entrando na garagem, símbolo de uma era de progresso.

A Perda: Demolição e o Apagamento Silencioso da História Cotidiana

Apesar de sua solidez em alvenaria e localização privilegiada, o bungalow de Leandro Dacheux não resistiu ao tempo. Em 2012, foi demolido, como tantas outras construções do período entre guerras. O motivo provável? Pressão imobiliária, valorização do terreno esquinado ou simples desinteresse pela preservação do "comum".

Nada resta hoje no cruzamento entre as ruas João Manoel e Ignácio Lustosa — apenas o trânsito acelerado, os prédios verticais e o esquecimento. Mas nos arquivos municipais, as três pranchas de Chaves continuam intactas, como vozes silenciosas clamando por atenção.

Legado: A Arquitetura como Testemunho Social

O projeto para Leandro Dacheux de Nascimento Júnior é mais do que um exercício técnico. É um documento sociocultural que revela:

  • A transição do hábito residencial do século XIX para o XX
  • A incorporação do automóvel no cotidiano doméstico
  • A valorização de residências de pequeno porte, mas bem resolvidas
  • A importância da localização urbana estratégica
  • A capacidade de Eduardo Fernando Chaves de adaptar linguagens arquitetônicas às necessidades reais de seus clientes

Mais do que um bungalow, foi um abrigo de pertencimento — e sua demolição representa não só a perda de um edifício, mas o apagamento de uma camada da identidade curitibana.

Que a memória de Leandro Dacheux de Nascimento Júnior, de sua família e do arquiteto que deu forma ao seu lar, não desapareça por completo. Que os projetos arquivados nos microfilmes continuem inspirando urbanistas, historiadores e cidadãos a valorizar o que foi construído com alma — mesmo quando já não existe em alvenaria.


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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto

Denominação inicial: Projecto para a construção de um bungalow e garage para o Snr. Leandro Dacheux de Nascimento Junior

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte

Endereço: Rua João Manoel esquina com a Rua Ignácio Lustosa

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 126,00 m²
Área Total: 126,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 17/07/1936

Alvará de Construção: Nº 2073/1936

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de bungalow e garagem e Alvará de Construção.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Detalhe dos cortes A-B e C-D da fachada voltada para a Rua Ignácio Lustosa.
3 - Corte A-B da garagem.
4 - Alvará de Construção.

Referências: 

1, 2 e 3 - CHAVES, Eduardo Fernando. Projecto para construcção de um bungalow á Rua João Manoel esq. Ignácio Lustoza para o Snr. Leandro Dacheux de Nascimento Junior. Planta do pavimento térreo, implantação, cortes e fachadas frontal e lateral; fachada voltada para a Rua Ignácio Lustosa, cortes e muro; corte A-B da garagem, apresentados em três pranchas. Microfilme digitalizado.
4 - Alvará n.º 2073

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.

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